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Brasília

História e pioneirismo na Vila Planalto: 66 anos de existência

A região que abrigou os primeiros construtores, engenheiros, fiscais e servidores públicos, a 3,2 km da Praça dos Três Poderes, tem uma história de superação e resistência

Vítor Mendonça

03/04/2023 6h00

Atualizada 02/04/2023 23h14

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Completa 66 anos, nesta segunda-feira (3), uma das primeiras cidades a surgir juntamente com Brasília. Em 3 de abril de 1957, os primeiros moradores da Vila Planalto começaram a se estabelecer para a construção do prometido – e, segundo alguns, profetizado – centro político brasileiro. A data simboliza o início da cidade no coração da capital.

A região que abrigou os primeiros construtores, engenheiros, fiscais e servidores públicos, a 3,2 km da Praça dos Três Poderes, tem uma história de superação e resistência. A escritora Leiliane Rebouças, que nasceu na Vila Planalto, conta no livro “Vizinhos do Poder” a trajetória de luta e esforços pela fixação, reconhecimento e conservação da cidade que teve tanta importância para o surgimento da nova capital, guardando alguns dos patrimônios históricos relevantes de Brasília.

Inicialmente com apenas alguns barracos de madeira, a cidade começou a se estruturar para servir como o dormitório daqueles que vinham com suas respectivas famílias contribuir para o plano de Juscelino Kubitschek. As primeiras empreiteiras a erguer os primeiros prédios públicos arquitetados por Oscar Niemeyer foram a Rabelo e a Pacheco Fernandes, que construíram o Palácio da Alvorada, residência oficial do presidente, e o Brasília Palace, primeiro hotel de Brasília.

Era essencialmente, portanto, uma cidade de acampamentos de operários vindos, em maioria, do nordeste. Em 320 hectares, 22 grupos de trabalhadores se formaram, dando início à cidade, ainda que em condições precárias em muitos casos. Cada acampamento tinha alojamentos de solteiros e de casados, separados em categorias hierarquizadas de cargos: peões e operários, mestres de obra, engenheiros e os administradores das construtoras.

Com o passar dos anos e com o desenvolvimento de Brasília, após a inauguração, a cidade foi crescendo em tamanho e expressão popular e social, com a estruturação de comércios, pousadas, restaurantes, entre outros.

Pioneirismo feminino

Mea Silva de Araújo, moradora da Vila Planalto, foi uma das pioneiras da cidade. Vindo com a família no fim de 1959, a aposentada de 87 anos reside na localidade que compõe a primeira Região Administrativa (RA) do Distrito Federal há 62 anos, sempre no mesmo endereço. A princípio, veio para acompanhar uma das irmãs que se mudara para a prometida Brasília, mas escolheu permanecer até hoje.

Nascida em Penedos, no Alagoas, à beira do São Francisco, ainda nova ela seguiu caminho junto com o pai para Minas Gerais, primeiro em Araxá e depois em Araguari, municípios do Triângulo Mineiro. Em fevereiro do ano seguinte, uma amiga a convidou para trabalhar em uma das repartições administrativas de uma das empresas da nova capital. “Em 26 de fevereiro de 1960, eu comecei a trabalhar na Novacap”, contou ao Jornal de Brasília.

No primeiro emprego, ela começou no departamento de edificações e foi secretária de alguns engenheiros. O local de trabalho foi um dos dois barracões de madeira onde os administradores das obras gerenciavam o serviço – área onde hoje está o Palácio da Justiça. Uma das estruturas era destinada para a equipe de engenheiros, onde ficava, e a outra, para a equipe de arquitetos de Niemeyer.

“Fui crescendo e aprendendo a trabalhar, porque nunca tinha trabalhado na vida. Depois dali passei a trabalhar na parte de assessoramento ao secretário, ao diretor. E consegui essa casa. Antes morávamos numa casa de empréstimo de um engenheiro, amigo do meu cunhado, na W3 Sul [onde residiu por cerca de um ano antes de ir para a Vila Planalto]”, afirmou.

Ao longo dos anos também passou por cargos no Governo do Distrito Federal (GDF), em um departamento de treinamento, depois na Secretaria de Viação e Obras [atual Secretaria de Estado de Obras e Infraestrutura], em seguida na Cobal [empresa que gerenciava supermercados no início de Brasília], depois em um grupo de treinamento para motoristas e órgãos de transporte. Passou pelo SESI e também pelo SEBRAE, onde se aposentou.

Após a aposentadoria, a servidora não quis parar de trabalhar. Mas desta vez, conseguiria tempo para investir na cidade em que morava. Foi então que se tornou também empreendedora. “Depois de 38 anos trabalhando em serviço público, me aposentei, mas achei que ainda tinha bastante energia e não iria parar”, destacou Mea.

“O comércio aqui da Vila não era tão estruturado ainda nessa área de restaurantes. Os que tinham, eram poucos”, disse. Resolveu então montar uma pastelaria. “Era pequena, comecei, mas depois percebi que não era o que eu queria. Daí comecei a transformar a pastelaria em um restaurante, que teve nome: o Feitiço da Vila, que permaneceu por 17 anos”, contou. O restaurante ganhou fama e ficou conhecido pelo bacalhau feito pela moradora histórica da Vila.

Ainda com energia e disposição para trabalhar no que pode, Mea ajuda a filha, Luciana, no comércio de doces. As duas tocam a DoceLu Café, doceria e cafeteria montada ao lado do antigo Feitiço da Vila, onde atualmente fica o restaurante Casa de Vó.

Poeira e saudade

“Brinco que comi muita poeira na minha vida”, disse Mea. Segundo ela, algumas das maiores lembranças – e as que trazem maior saudade – vem dos “tempos da antiga Vila”, quando as casas, ainda que simples, traziam um “ar bucólico” à cidade. “Era muito gostoso, muito bom. Saíamos muito para almoçar nos acampamentos. A Vila realmente tinha algo diferente e hoje se tornou um ponto gastronômico, o que é ótimo para nós”, disse.

“Mas mudou muito. Minha casa era de madeira – e a transformação não foi apenas nas casas. Chegaram os apartamentos e puxadinhos. Embora isso tenha chegado, ainda é diferente do resto de Brasília. Os tempos estão mudando, mas sinto muita saudade da Vila antiga; era muito legal. As casas de madeira, embora tratadas, viraram de alvenaria porque não eram feitas para durar tanto tempo”, destacou a moradora.

A antiga casa de madeira de Mea foi feita sobre pilotis, mas a casa foi cedendo pouco a pouco. Por isso, precisou mudar para a alvenaria. “Dá saudade. Tinha muita poeira, mas conhecia todo mundo. Acho que aqui temos muito sossego, e nós tínhamos ainda mais paz, uma tranquilidade muito grande. Não só em termos de segurança, mas em qualidade de vida”, comentou.

Para o futuro, Mea deseja que a Vila mantenha os aspectos históricos, para que a memória da cidade não se perca. “Não queria que mudassem as características urbanísticas daqui [o que a deixa única, segundo ela]. As estruturas históricas também precisam ser preservadas. Dá muita dó ver tudo caindo, mas aqui tem um potencial histórico muito grande. Uma pena que não seja tão valorizado”, ponderou ela.

Buscando uma vida ainda ativa, mas com um estilo simples de vida, a pioneira mantém alguns hobbies domésticos para ocupar o tempo. Leitura, crochê, sudoku e o cuidado com plantas frutíferas e suculentas têm sido algumas das atividades que a deixam em paz.

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