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Brasília

Escola Classe 01 de Planaltina, o berço da educação no DF

A EC 01 de Planaltina busca descobrir mais da sua história quase centenária. Instituição foi criada em 1929, 31 anos antes da criação do DF

Redação Jornal de Brasília

02/05/2022 15h07

Gabriel de Sousa
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Muitas vezes quando a história do Distrito Federal é contada, é falado que onde a capital federal está atualmente, não existia nada, apenas uma solidão do Cerrado que se tornou uma cidade com saúde, lazer e educação quando o presidente Juscelino Kubitschek e milhares de candangos chegaram até o “inexplorado” Planalto Central.

Porém, na região administrativa de Planaltina, que formalmente comemora a sua fundação em 1859, mas que tem os primeiros registros de ocupação em 1811, quando o Brasil sequer era um país independente, a cidade já contava com as suas próprias características, inclusive sistemas educacionais.

No acanhado bairro da Vila Vicentina, a Escola Classe 01 de Planaltina, integrante da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE/DF) desde 1960, parece ser somente mais uma das centenas de unidades educacionais espalhadas pelas 33 regiões administrativas, que se dedicam diariamente na aprendizagem de pequenas crianças do DF.

Com a pandemia de covid-19, e o início das atividades feitas no modelo remoto, a rotina da escola foi alterada, e a direção da instituição decidiu realizar um projeto educacional sobre a grandiosa história de Planaltina. Foi quando a supervisora pedagógica Denise Mendes foi procurar mais sobre o passado da cidade, e tomou um susto quando viu que a Escola Classe 01 era, na verdade, de 1929, sendo assim a escola mais antiga do Distrito Federal ainda em atividade.

Foto: Mário César / Arquivo Histórico

“Os professores estavam em teletrabalho, com todo mundo longe, e então decidiram trabalhar de forma remota com o aniversário de Planaltina. Quando eu comecei a pesquisar, eu lembro que era até final de semana e eu tomei um susto quando eu vi que a escola era de 1929”, comenta a profissional de ensino.

A instituição foi criada 31 anos antes da criação de Brasília e do Distrito Federal, com o nome de “Grupo Escolar Brasil Caiado”. A unidade era integrante de uma rede de escolas espalhadas por cidades de Goiás, ligadas ao governador de Goiás, Brasil Ramos Caiado, que administrou o estado de 1925 a 1929.

A escola funcionou com o nome do ex-governador por menos de seis anos, quando, por volta de 1935, os planaltinenses passaram a chamar a escola de “Grupo Escolar São Sebastião”, nome do padroeiro da região administrativa.

Entre 1929 e 1953, a escola funcionou em uma casa de quatro janelas e uma porta de madeira, dentro da Praça Salviano Guimarães, personalidade histórica da cidade. A filha de Salviano, Dona América Guimarães, foi a primeira diretora do colégio, e a sua importância na educação de Planaltina é tão grande que hoje ela dá nome a uma importante instituição de ensino no bairro do Arapoanga, também em Planaltina.

O professor e historiador especializado na história de Planaltina, Mário César Castro, conta que a escola já funcionava em 1927, dois anos antes de ser registrada juridicamente. Além disso, o especialista conta que a educação na cidade já era existente desde 1884, quando o professor Tibúrcio Gomes de Melo dava aulas de primeiras letras para as crianças da pequena vila.

Mário nasceu em Planaltina em 1949, e estudou na escola entre 1954 e 1956, quando a região administrativa ainda fazia parte de Goiás. Ele relembra que a sua mãe o amedrontava, contando histórias de terror sobre o antigo prédio da Escola Brasil Caiado . “Eu passava por lá e ficava com medo. Eu era criança e falavam para a gente ter cuidado, minha mãe falava para mim que lá tinha um quarto escuro que era para prender menino”, conta.

Por conta de uma grande rachadura presente na primeira instalação do prédio, o colégio parou de funcionar no antigo prédio em 1953, e passou a ser uma oficina. Nos anos 50, a construção foi demolida pela família Alarcão, que até hoje é dona do terreno. Hoje, o local, que já foi o Brasil Caiado é uma residência, além de dividir o espaço com um hotel e uma hamburgueria, que possui a sua arquitetura semelhante à antiga escola.

Wellington Alarcão é descendente dos donos do terreno onde a escola foi construída na década de 1920, e descobriu que o local onde mora era a escola mais antiga do Distrito Federal graças à visita da nossa equipe de reportagem do Jornal de Brasília.

“É muito legal, são umas histórias que nem eu mesmo conhecia. É muito engraçado que, para mim, em toda a minha vida, eu acreditava que aqui sempre tenha sido um hotel, nunca uma escola. É interessante porque faz parte da história de Brasília e do Distrito Federal”, conta.

Um ensino que marcou gerações

Leonor, mãe de Mário Castro, foi estudante no primeiro prédio da escola, e sempre passou para o filho memórias afetivas da metodologia de ensino. Por conta da qualidade do local, Viriato de Castro, avô do historiador, tinha guardada uma das únicas fotos disponíveis do prédio, registrada em 1934.

“Ela dizia que tudo que ela sabia foi aprendido no Brasil Caiado. Os professores eram bons e ensinavam bem, tanto que um fotógrafo vendeu para o meu avô uma fotografia da escola. Esses fotógrafos registravam as imagens e as vendiam com as personalidades, atendendo os seus interesses”, conta o historiador.

Com a rachadura na parede, em 1953, a instituição passou a funcionar em outro prédio bem maior, que também fica localizado na Praça Salviano Guimarães, e onde hoje funciona um colégio particular. O Grupo Escolar operou por lá até 1965, quando o nascente Governo do Distrito Federal (GDF) transferiu o funcionamento da escola para a Vila Vicentina, onde as aulas são dadas até hoje, em 93 anos de aulas ininterruptas.

O historiador Mário Castro estudou no segundo prédio entre 1954 e 1956. Ele conta que um momento marcante que viveu como estudante no Grupo Escolar foi quando recitou no auditório da instituição o poema “Meus oito anos”, do autor oitocentista Casimiro de Abreu.

“Eu não recitei a poesia olhando para o público, e sim para as autoridades. Aí, eu falei entusiasmado o poema, e quando terminei de fazer a poesia, ninguém estava batendo palma. Então, eu mesmo bati palma para mim”, recorda o planaltinense.

Já o pesquisador e professor de artes da Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEE/DF), Adeilton Oliveira, lembra que aprendeu a ler e a escrever no atual prédio da então Escola Classe 01 de Planaltina, onde estudou entre 1982 e 1986. “Foi lá que eu aprendi tudo, vou falar a verdade para você, lá é uma base boa, a sala não tinha muitos alunos, até porque nos anos 80, Planaltina só tinha 50 mil habitantes, só depois que ela começou a inchar de gente”, comenta Adeilton.

Educadores querem passar história para alunos

Adeilton Oliveira defende que a Escola Classe 01 de Planaltina merece uma placa histórica como as outras escolas históricas do DF, que surgiram no Plano Piloto durante a construção de Brasília, e que erroneamente levam o título de pioneiras da educação no Distrito Federal.

“Seria muito interessante porque se tornaria um marco da educação, mostrando que a educação no DF é centenária antes mesmo do próprio DF existir. Então, a gente tem que deixar de pensar que não tinha algo antes de Brasília”, conta Adeilton.

Já a supervisora Denise Mendes, deseja espalhar a história inicialmente para os próprios pequenos que frequentam a unidade, que passarão a conhecer o valor histórico da escola em que estudam: “Não é para a gente mostrar para o Distrito Federal, e sim para a gente mostrar para os nossos alunos”.

A vice-diretora da EC 01 de Planaltina, Kamila de Sá, conta que desde a descoberta da verdadeira idade da escola, o empenho da gestão foi em conhecer mais sobre o passado da unidade para repassar às crianças da instituição. Porém, segundo a educadora, a dificuldade de achar documentos antigos sempre foi um grande obstáculo.

Foto: Gabriel de Sousa

“A gente diz que a história da Escola Classe 01 é diversa ou confusa, porque a gente não consegue restaurar esses documentos. A gente também não conseguiu o acesso a eles, e queremos saber mais sobre o que aconteceu antes de virmos para cá”, conta a vice-diretora.

Kamila reflete que as documentações e registros antigos poderiam se tornar objetos de aprendizagem, fazendo com que os pequenos tenham mais afeto pela escola em que estudam. “O espaço configura o pensamento, então a gente precisava saber de onde a gente veio, como começou, quem é a nossa escola e as nossas raízes, para passar para os nossos alunos. O que encanta nessas fotografias antigas é a gente ver isso e saber que é de verdade que essas pessoas existiram e que isso é a história viva”, afirma.

Em contato com a equipe de reportagem do Jornal de Brasília, a Secretaria de Educação de Estado de Goiás (SEDUC/GO), que pelo fato de ter sido a entidade estadual gestora da escola de 1929 à 1960, pode possuir documentos antigos do Grupo Escolar Brasil Caiado ou São Sebastião, informou que já notificou o setor responsável pelo arquivamento históricos das unidades de ensino, e que irá nos informar sobre a existência dos registros.

Estudantes se sentem “pisando em uma história”

O estudante do 5º ano da Escola Classe 01 de Planaltina, Enzo Pereira, de 10 anos, não mediu palavras para expor o amor pela escola que está o preparando para fazer história no futuro, com o mesmo impacto que a instituição fez no passado. “Eu adoro estudar aqui, é muito bom. Aqui é fresquinho, aqui as professoras são boas e os professores também, aqui tem muito lugar verde”, conta o pequeno

Foto: Kamila de Sá

Ao ser informado pelas suas professoras sobre os 93 anos de atuação da sua escola, Enzo, em poucas palavras, contou o que sente em poder aprender em uma instalação diferente de todas as outras: “Eu sinto que eu estou pisando em uma história”.

A área verde da instituição de ensino também é uma das qualidades preferidas da estudante do 5º ano Yasmin Vitória, de 11 anos. Além disso, os eventos realizados na escola também a cativam “Aqui a gente tem espetáculo, tem apresentação, tem muita área verde, tem muitas coisas boas aqui”, conta a estudante.

De acordo com a diretora da instituição, Anayara Karinni, o espaço físico do EC 1 de Planaltina, ao mesmo tempo que é enaltecido pelos estudantes, sente a falta de estruturas importantes como uma quadra coberta para a prática de esportes, um auditório para eventos e um refeitório.

“Nós precisamos muito de uma quadra, não temos quadra para os meninos. Além da nossa escola ser a mais antiga, ela também é polo de surdez, então a gente necessita muito de um refeitório em que as crianças do ensino especial possam almoçar e lanchar com dignidade, e além disso precisamos muito de um auditório para apresentações, nós só temos um pátio pequeno. A nossa escola tem muito espaço e muita manutenção para fazer.”, afirma Anayara.

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