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Saúde

Dia Nacional da Luta Antimanicomial: pesquisadoras alertam para riscos de retrocessos

A psicóloga afirma que as internações involuntárias devem ser sempre a última opção, quando esgotadas todas as tentativas de negociação

Redação Jornal de Brasília

18/05/2022 15h42

Foto: MPDFT / Arquivo

Ana Carolina Pessoa
(Jornal de Brasília / Agência de Notícias CEUB)

Pesquisadora em psicologia clínica e cultura, a professora Tânia Inessa ressalta que a luta antimanicomial surtiu bons efeitos na busca por tratamentos humanizados e eficientes. Segundo ela, a forma como a luta se deu no Brasil foi muito cuidadosa, apesar de nos últimos anos as conquistas na construção da Centros de Apoio Psicossocial (Caps) estejam ameaçadas e os hospitais psiquiátricos voltando.

“Todos os dias os frequentadores dos Caps trazem depoimentos de quão assustadora e violenta é a experiência quando precisam ser internados em hospitais psiquiátricos. Temos milhares de registros, histórias escritas, vídeos e é algo que as pessoas dizem todos os dias. As pessoas morrem de medo, porque passam por situações das mais dramáticas e violentas dentro dessas instituições”, diz.

A psicóloga afirma que as internações involuntárias devem ser sempre a última opção, esgotadas todas as tentativas de negociação e sendo reconhecido que há risco a si mesmo ou aos outros, mas sempre em leitos no hospital geral ou no Caps.

A luta

Instituído oficialmente em 1987, o Dia Nacional da Luta Antimanicomial se tornou um um marco da luta pelos direitos de pessoas com sofrimento psíquico, além das construções de políticas públicas voltadas para a saúde mental. O ano foi um estopim para a luta que, com o Manifesto de Bauru, seu primeiro ato público com essa intenção, mudou o rumo da luta antimanicomial no país.

A data, instituída em 1987, visa a ampliação de direitos e defesa da vida de pessoas com sofrimento psíquico. Além disso, também é considerada uma homenagem aos profissionais de saúde que lutaram por um tratamento humanizado aos usuários do sistema de saúde mental.

A Diretoria de Assistência à Saúde Mental da Secretaria de Saúde informou que a luta antimanicomial é um movimento que cresceu ancorado à Reforma Sanitária no Brasil a partir deste movimento realizado pelo Movimento dos Trabalhadores de Saúde Mental (MTSM) em 1987.

Quase 35 anos após o II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental, ainda é reforçada a luta por alternativas que priorizem a liberdade de pacientes psiquiátricos e seu direito de viver em sociedade. Apesar disso, a reforma completa ainda não foi conquistada, afinal, até hoje ainda existem diversos casos de abusos e mortes por negligência relatados em hospitais psiquiátricos brasileiros.

Segundo a Secretaria de Saúde, após anos de mobilização organizada, iniciou-se o processo de fechamento dos hospitais psiquiátricos e substituição por Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) e outros componentes chamados de Rede de Atenção Psicossocial (RAPS), uma rede articulada para atender as demandas de saúde mental do território.

Trabalhadores

O Brasil, até o século 20, foi um território onde diversas torturas psiquiátricas aconteciam sem interferência. Um exemplo é o manicômio de Barbacena, comparado com um campo de concentração, onde cerca de 60 mil brasileiros foram vítimas de morte em decorrência de fome, frio e outras condições de desrespeito aos direitos humanos. Um fato que torna a situação ainda mais revoltante é que a maioria dos internos não eram ameaças sociais, mas sim alcoólatras, prostitutas e homossexuais.

Contra este tipo de “tratamento”, o MTSM tomou um grande espaço na luta antimanicomial, pois contava com a participação popular, incluindo familiares dos pacientes. Com reivindicações que incluíam o fim do uso do tratamento de eletrochoque e outras formas de violência, o Movimento se organizou para promover a conscientização sobre as reais condições dos pacientes de clínicas psiquiátricas, tanto para instituições quanto para os demais cidadãos.

A ideia do Movimento seria excluir os serviços oferecidos por hospitais psiquiátricos, além de oferecer atendimentos psicológicos e tratamentos mais humanizados para substituir as internações da época. Além disso, um dos principais fatores estava focado no protagonismo dos familiares, que atuariam como uma rede de apoio fundamental para a recuperação do paciente.

A ideia é que progressivamente, os leitos psiquiátricos, fossem substituídos pela RAPS, fazendo com que as pessoas com sofrimento mental grave e persistente fossem cuidadas com preservação de seus vínculos familiares e comunitários.

Em 1978, o Movimento se dedicou a uma greve de 8 meses que chamou a atenção da imprensa e promoveu uma grande repercussão local.

A trajetória histórica, então, teve seu principal marco na cidade de Bauru, em São Paulo, no ano de 1987, em um processo de redemocratização brasileiro, no II Congresso Nacional de Trabalhadores em Saúde Mental. O evento, que reuniu mais de 300 pessoas, teve enfoque em manifestações contra os tratamentos desumanos em hospitais psiquiátricos, sob o lema: “por uma sociedade sem manicômios”.

A Lei Paulo Delgado, da Reforma Psiquiátrica, no entanto, foi instituída apenas no dia 5 de abril de 2001, após 12 anos de processos entre a Câmara e o Senado Federal sob embates com setores conservadores. A Lei tem por objetivo proteger os direitos das pessoas portadoras de transtornos mentais, além de redirecionar o modelo assistencial em saúde mental para a humanização e respeito.

Esta Lei também impede que sejam realizadas internações sem o consentimento do paciente ou de familiares e responsáveis por ele. Em casos de extrema urgência, o médico é obrigado a notificar o Ministério Público sobre a internação do paciente.

De acordo com a assistente social, Karina Figueiredo, existiram muitos avanços a partir dessa Lei que marca a luta antimacomial, porém ainda não foi feita uma ruptura com os manicômios.

“A luta antimanicomial tem como marca o cuidado em liberdade, no território, no Caps que deve existir na comunidade e que vieram substituir os manicômios, porém ainda temos muitas dificuldades em garantir a implantação desses serviços substitutivos. Precisamos garantir a implantação de mais Caps, principalmente os Caps III que funcionam 24h e tem leitos de internação”, diz.

O que mudou?

A Secretaria da Saúde afirma que a principal mudança foi o do modelo de atenção, antes baseado exclusivamente em internações psiquiátricas de longo prazo, e agora em território e com vínculos mantidos.

“O objetivo é prevenir internações psiquiátricas desnecessárias e promover a saúde do indivíduo, articulando redes, família e território, garantindo direitos e o exercício da cidadania”, diz.

Ainda segundo a Secretaria, pacientes em estado grave ou em quadros de dependência química chegam aos serviços de saúde com uma vulnerabilidade maior. Dessa forma, é trabalho do CAPS garantir o cuidado desses casos, fazendo o trabalho necessário para a melhoria da qualidade de vida, saúde e efetiva reinserção social.

Para os casos leves de sofrimento mental, a Atenção Primária à Saúde está apta a promover a saúde e prevenir agravos e, para isso, a pessoa deve procurar a Unidade Básica de saúde mais próxima de sua residência.

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