Menu
Política & Poder

Concessionárias armam ofensiva judicial para usar precatórios em concessões

Escritórios de advocacia do país já armaram contra o governo um pacote de ações judiciais em defesa do direito das concessionárias

FolhaPress

07/04/2023 16h13

Foto: Agência Brasil

Julio Wiziack

Brasília, DF

Os principais escritórios de advocacia do país já armaram contra o governo um pacote de ações judiciais em defesa do direito das concessionárias utilizarem precatórios no pagamento de outorgas pela exploração de serviços públicos.


Precatórios são títulos de dívidas do governo federal que, após serem discutidas judicialmente, têm sentenças transitadas em julgado pelo pagamento do débito.


O uso desses papéis foi garantido por uma emenda constitucional no fim de 2021, durante o governo de Jair Bolsonaro (PL), mas está suspenso pela AGU (Advocacia-Geral da União), que recomendou aos órgãos da administração pública federal não aceitá-los até que haja uma espécie de pacificação sobre a forma de recebê-los.


Essa situação criou, segundo concessionárias, um limbo jurídico. Isso porque a AGU não cancelou formalmente o recebimento dos precatórios e delegou às agências reguladoras o poder de decisão. Houve, contudo, a recomendação para aguardarem suas novas instruções.


Na prática, as agências recebem os precatórios, mas a quitação não avança. Ou seja, os processos ficam travados.


Neste momento, três concessionárias de aeroportos querem pagar R$ 2 bilhões de suas parcelas anuais de outorgas com precatórios. GRU Airport tem R$ 1,5 bilhão em pagamento pelo direito de exploração do aeroporto de Guarulhos (SP); a CCR Aeroportos, R$ 110,8 milhões por Confins (MG); e a Inframérica, R$ 279,5 milhões pelo aeroporto de Brasília (DF).


Embora a fatura vença no final do ano, todas estão preocupadas porque consideram que a questão dos precatórios não estará resolvida até lá. Isso porque a AGU prevê que o prazo inicial, de quatro meses, seja renovado -o que levaria esse impasse até o início do próximo ano.


Até o momento, o grupo espanhol Aena também não obteve resposta para os precatórios que entregou para a Anac (Agência de Aviação Civil) como parte do pagamento da outorga inicial de R$ 2,45 bilhões pelos 11 aeroportos que arrematou no leilão da 7a rodada, no final do ano passado. O aeroporto de Congonhas é o carro-chefe desse bloco.


O contrato de concessão foi assinado, mas persiste o impasse sobre os títulos.


Por esse motivo, os escritórios de advocacia ouvidos pela Folha pretendem ingressar na Justiça solicitando mandados de segurança preventivos, a exemplo do que fez a Rumo, concessionária de ferrovias.


A Rumo pediu à Justiça que congelasse prazos administrativos previstos no contrato de concessão da Malha Paulista até que o imbróglio seja resolvido.


A Justiça aceitou e as obrigações que teriam de ser cumpridas pela empresa só passarão a contar quando a ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) se posicionar, o que não ocorreu até o momento.


“Caminhando como está, tudo deverá gerar uma excessiva judicialização. Além de não receber as outorgas, o governo poderá ter que lidar com impugnações e sucessivas idas ao Judiciário para viabilizar projetos de infraestrutura que planeja”, disse Saulo Puttini, ex-diretor jurídico do BNDES e hoje sócio do escritório de advocacia Levy & Salomão.


“A indefinição acerca dos procedimentos para que concessionários e outros empreendedores possam utilizar precatórios para pagar seus compromissos com a União gera insegurança justamente a quem precisa de ambiente estável no longo prazo para investir.”


O Conselho Federal da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) já avalia recorrer ao Supremo Tribunal Federal.


Segundo a entidade, a Comissão Especial de Precatórios avalia a “propositura de medidas judiciais, com pedido de suspensão de efeitos do ato da AGU que tenta inviabilizar o recebimento de precatórios em concessões”.


Em outra frente, a OAB pretende atacar a inclusão do pagamento de precatórios dentro do teto de gastos (lei que definiu limite de despesas ao governo federal) por considerar que a medida fere a Constituição.


Bola de neve Por trás desse imbróglio, se esconde uma bola de neve de dívidas que o governo ainda não consegue controlar.


A emenda constitucional foi proposta pela equipe do ex-ministro da Economia de Jair Bolsonaro, Paulo Guedes, como forma de reduzir a dívida pública e estimular a economia -por meio do uso de precatórios não só no abatimento de dívidas com a União, como também no pagamento de concessões.


Após a PEC, a União criou uma fila prevendo, em média, a quitação de R$ 100 bilhões por ano em precatórios. No entanto, menos de 20% vêm sendo efetivamente pagos.


A diferença de valores foi usada em outras despesas correntes do governo Jair Bolsonaro, que precisou abrir espaço fiscal para gastos de cunho eleitoreiro.


Esse efeito levará somente esses “restos a pagar” a algo em torno de 1,6% do PIB em 2026, segundo projeções dos bancos.


O secretário do Tesouro, Rogério Ceron, já afirmou publicamente que o governo reconhece esse problema e que busca uma saída.


Nos bastidores, os procuradores da Fazenda estudam regras para que esses títulos possam ser utilizados, como prevê a lei, mas sem que causem danos ao erário.


No Ministério da Fazenda, o entendimento é o de que para abatimento de dívidas não há restrições. Isso porque haveria uma operação meramente contábil: a dívida do contribuinte seria abatida pela dívida da União.


Na outra ponta, entretanto, deixar de receber outorgas poderia comprometer o cenário fiscal que exige aumento de receitas -sustentáculo da nova âncora fiscal.


Por meio de sua assessoria, a Anac disse que seguirá o que a AGU recomendar em nova portaria sobre os precatórios.


Procurado, o Tesouro Nacional não respondeu até a publicação desta reportagem. A AGU informou que a portaria com as novas regras para uso de precatórios deve ser publicada em até seis meses.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado