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Brasil

A busca criminosa pela cura do autismo: a publicação que dissemina a mentira

Conheça quem está por trás do livro ‘Curando Sintomas Conhecidos como Autismo’ no Brasil, publicação que incentiva uma suposta ‘cura’ para o transtorno

Redação Jornal de Brasília

25/11/2021 16h19

Atualizada 07/04/2022 14h30

Foto: Canva

Por Evellyn Luchetta e Geovanna Bispo
[email protected]

Esta é a quarta publicação de uma série de reportagens que expõe uma uma história de negacionismo e sério risco à saúde. Em anúncios, grupos na internet e livros, uma mistura química é defendida livremente como uso medicinal contra o autismo: o MMS.

A utilização da mistura de ácido clorídrico com clorito de sódio como tratamento e cura para diversas doenças é considerada ilícita por não haver comprovação científica, sendo contra indicada por especialistas e pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa).

O livro de Kerri Rivera, o mais famoso difusos do culto ao MMS, intitulado como “Curando sintomas conhecidos como autismo”, é distribuído no Brasil pela editora BV Books e, por um tempo, foi disponibilizado pela editora paulista Martins Fontes. A venda, no entanto, foi interrompida em 2019, após denúncias de leitores que identificaram o texto nas livrarias. Porém, a BV Books, o Mercado Livre ainda mantêm a venda do livro escrito por Kerri Rivera.

A reportagem entrou em contato com o diretor-executivo da BV Books, Cláudio Rodrigues, para falar sobre a publicação do livro. Através de trocas de e-mail, Cláudio afirmou que a decisão de publicar o exemplar veio de pedidos de leitores e usuários do MMS.

“Eu não sou médico, sou editor. Como lhe disse, fui procurado por pais para que o livro fosse publicado. Nós publicamos o livro do Dr. Kalcker e ele conhece a Kerri Rivera. No livro da Kerri, o Andreas é mencionado”, afirmou o diretor-executivo.

O autor citado por Cláudio é Andreas Kalcker, outro entusiasta do MMS. Kalcker tem dois livros publicados, o “Saúde Proibida” e o “CDS – A saúde possível”, sendo que o segundo também é publicado pela BV Books.

Ao ser questionado sobre se a editora, que é direcionada para publicação de títulos cristãos, teria buscado algum especialista para falar sobre a solução, o diretor afirmou que utilizou como embasamento, a opinião do próprio Kalcker. No site da editora o livro não está mais disponível, porém, ainda de acordo com Rodrigues, não por ter sido retirado do catálogo, mas por estar esgotado. O livro de Kalcker, entretanto, continua à venda.

Ao fim da conversa, o diretor afirmou que o livro não cita o uso direto do MMS. “Estão dizendo que ele incentiva aplicar água sanitária nas crianças, e tantas outras coisas. No livro não há nada sobre isso. Em nenhum lugar do livro diz isso!”, afirmou Rodrigues, de forma incisiva.

Apesar de não fazer uma citação direta à água sanitária ou ao nome pelo qual a mistura de clorito de sódio com o ácido clorídrico é conhecida, o livro incentiva o uso do clorito de sódio, que é o ativo do MMS.

Apesar da fala, Cláudio é um adepto da mistura. “Infelizmente, como lhe disse, não sou especialista no assunto, sou um editor e que também faço uso do MMS.”

Responsabilizações

De acordo com a Lei n° 8.069, expor a vida ou saúde de uma criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância, para fins educacionais, de tratamento ou de custódia, seja privando de alimentação ou cuidados indispensáveis ou abusando dos meios de disciplina, poderão ter penas que variam de dois meses a doze anos de detenção dependendo da gravidade.

O advogado especialista em direitos humanos e membro do Instituto Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente (Indica), Ariel Alves, explica que esses pais que fazem o uso do MMS em seus filhos podem responder criminalmente pela ação.

“Considerando que o uso da substância pode gerar gravíssimos efeitos colaterais, danos à saúde e sequelas, os pais e responsáveis que utilizam, podem responder por maus tratos, e até por tentativa de homicídio”, explica.

Para a matéria, em um âmbito regional, procuramos o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) para saber se houveram denúncias, porém, segundo o órgão até o momento não existem denúncias sobre a substância.

Já no âmbito nacional, o Ministério Público Federal (MPF) foi acionado, mas a assessoria de comunicação orientou que deveríamos procurar o de cada estado. Como teste, procuramos o Ministério Público de São Paulo (MPSP), que nos instruiu a voltar para o MPF.

Sobre a publicação do livro, o advogado especializado nas áreas de cultura e entretenimento, Caio Cormier Chaim, explica que a editora pode ser denunciada ao Ministério Público ou a Anvisa, sendo penalizados por dano moral coletivo, crime contra a saúde pública, disseminação de notícias falsas e crime sanitário.

Ainda assim, ele alerta para as diferenças entre controle e censura. “Não existe um órgão regulador específico para a questão, até porque ela é muito complicada. A linha entre controle e censura é muito tênue no âmbito da literatura e da própria ciência.”

Não apenas a venda do livro é feita de forma livre na internet. Basta uma procura rápida no Google e nos grupos do Telegram para encontrar sites e lojas que vendem a mistura do MMS de forma livre. Além do MMS, esses estabelecimentos vendem o kit para enema e outras substâncias usadas no procedimento, como o sal marinho e o café.

Apesar da comercialização ser proibida pela Anvisa, esses comerciantes parecem não só não se importar com a lei, como demonstram não ter medo de serem penalizados, visto que a substância é entregue pelos Correios e o site é estabelecido em um endereço comum, a substância sequer fica escondida entre as páginas.

Nós tentamos contato via e-mail e telefone com boa parte dos vendedores, mas não fomos atendidos por nenhum deles. Em resposta, a Anvisa afirmou que a ouvidoria e o canal de denúncias estão abertos para receber relatos sobre a infração, mas não destacou, no entanto, nenhuma movimentação de investigação própria à esses comerciantes, que são muitos e de fácil acesso.

Em nota, a Agência Reguladora afirmou que “O uso do dióxido de cloro vem sendo divulgado como uma cura “milagrosa” para diversas doenças, entre elas o autismo. O produto na verdade é uma substância utilizada na formulação de produtos de limpeza, como alvejantes e para tratamento de água.”

A Anvisa também afirmou ter notificado esses veículos, mas eles ainda são encontrados pela rede. A equipe fez uma denuncia sobre um deles, mas não recebemos resposta efetiva sobre qualquer investigação ou providência.

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