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Brasília

Outro Calaf se despede após três décadas de funcionamento

O dia foi mistura de despedida e de nostalgia, quando o público brasiliense de várias idades e culturas visitou o bar pela última vez

Redação Jornal de Brasília

14/03/2022 17h32

Foto: Gabriel de Sousa

Gabriel de Sousa
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Era para ser somente mais um final de tarde de domingo, com uma fila de pessoas alegres de diversas culturas, roupas e idades se formando no Setor Bancário Sul. Para o brasiliense, essa cena é rotineira há mais de três décadas, assim que o Outro Calaf, famoso bar, danceteria e restaurante do DF, abre as suas portas para receber seus frequentadores, que aproveitam a noite com atrações musicais de gêneros diversos e com a participação de grupos e artistas locais.

Porém, o sentimento foi diferente desta vez, já que a chamada da atração do último domingo (13), contava com uma palavra que era até então incomum para o clima exultante que desde 1990 paira naquele local. O vocábulo era “adeus”, de uma despedida que foi marcada para acontecer naquele dia, onde depois de um último show, um cadeado trancafiou para sempre um antro de liberdade que foi ceifado pelas duras consequências impostas pela pandemia de covid-19.

Tão incomum era aquela despedida, que os brasilienses que conversavam com a nossa equipe de reportagem diziam que acreditavam que tudo não se tratava de uma brincadeira ou jogada de marketing, e que haveria uma outra oportunidade de aproveitar um fim de semana com uma tradicional roda de samba ou um moderno funk eletrônico.

Mas infelizmente, a realidade às vezes tende a ser melancólica, e dessa vez não atendeu ao coração destes apaixonados frequentadores. Segundo o empresário Venceslau Calaf, o fechamento foi inevitável por conta de prejuízos causados pelas proibições de cobrança de ingresso, e também à falta de apoio ao setor cultural durante a pandemia de coronavírus.

Na despedida, um novo recomeço

As primeiras pessoas a chegarem na fila da despedida do Outro Calaf foi um trio de amigas que se conhecem há 30 anos, mas que devido aos caminhos diferentes da vida, não se reúnem há mais de duas décadas. Colegas desde o colegial, elas decidiram aproveitar o domingo em uma tentativa de estreitar novamente a antiga amizade.

Foto: Gabriel de Sousa

Esse encontro entre as três brasilienses animou um pouco o sentimento de luto cultural que pairava pelo Setor Bancário Sul, já que uma amizade que possui quase a mesma idade do Outro Calaf, estava voltando a florescer ao mesmo tempo em que o bar encerrava as suas atividades para sempre.

Christina Simas, uma das três amigas e moradora de Vicente Pires, é uma frequentadora assídua das rodas de samba do local, e comenta que ir para a danceteria novamente foi uma sensação de “poder resgatar a união de todas as tribos de Brasília”, que naquele dia se encontraram pela última vez.

“Eu estou com a esperança de que quando a gente chegar lá, eles nos avisem que não é uma despedida, e sim uma reinauguração. […] Se fechar, Brasília vai perder algo clássico de Brasília, o Calaf é a cara de Brasília, está no centro de Brasília, está em um lugar onde todas as pessoas do Distrito Federal têm acesso, e que é uma parte da nossa identidade”, comenta.

Diferentemente de Simas, o sentimento de perda foi sentido por Deborah Campos, moradora do Paranoá, e que dedicou muitas noites da sua vida aos batuques e tambores da música popular brasileira, performada por grupos musicais no Calaf. “Eu era frequentadora aqui nos sábados, eu vinha aqui também nas segundas, nas quintas. Aqui já foi a minha segunda casa durante muito tempo. Brasília já não tem opção, e aqui é um lugar muito democrático”, diz.

Muito samba para fechar um ciclo com chave de ouro

No último dia de funcionamento do Outro Calaf, grupos que participaram da história de 32 anos do local foram chamados para fazer apresentações ao vivo. Participaram da atração os grupos Chinelo de Couro, 7naRODA, Coisa Nossa e Mulheres de Samba. Também estiveram presentes o músico Valerinho Xavier, e as dj ‘s Pequi e Carol Costa.

O trio de samba Chinelo de Couro abriu o evento por volta das 16:30, apresentando reproduções de samba, MPB, e uma música em especial que na palavra do próprio coletivo “saiu do script”. Foi a música “Não aprendi dizer adeus”, da dupla sertaneja Leandro & Leonardo, cantada em homenagem à história do Outro Calaf, e que emocionou o público.

Em uma entrevista exclusiva para a equipe de reportagem do Jornal de Brasília, a integrante Shaira Ribeiro relembrou a carreira musical do grupo, que em diversas oportunidades foi construída naquele palco, e lamentou a forma na qual o bar teve que encerrar as suas atividades.

“A gente já tem dez anos de banda e nesses dez anos o Calaf foi um palco muito presente na nossa história e na nossa trajetória, com a nossa relação com o público e com outros grupos. Em uma cidade que infelizmente a gente tem poucos espaços culturais, esse é mais um que acaba fechando por conta de uma pandemia”, diz.

Antes de realizar a última performance no local, a música Letícia Fialho lembrou de um momento único vivido no Calaf , quando uma festa feita para beneficiar a casa de matriz africana Ilè Asé T’Oju Labá, contou com uma feijoada beneficente. Para ela, esse momento foi um dos vários que demonstraram o espírito do estabelecimento: a da democratização e inclusão de todos os tipos de pessoas, que puderam viver momentos inesquecíveis naquele espaço de cultura e diversão.

Funcionários se despedem do seu local de trabalho

O encerramento das atividades do Outro Calaf será uma perda ainda maior para os seus funcionários. Muitos deles dedicaram anos para servir os frequentadores com alegria e receptividade, e por conta da pandemia, estão sem o seu amado local de trabalho.

O garçom Dorinaldo Diniz, que teve treze anos de casa, disse que o anúncio do fechamento do estabelecimento foi feito em uma difícil conversa realizada entre os gestores e os funcionários. “Os gerentes chegaram na gente e fizeram uma reunião, eles estavam até adiando essa reunião para não dar essa notícia para a gente, para não dar essa notícia ruim”, comenta.

Emocionado, Lucas Rodrigues não conseguiu evitar a emoção ao falar do seu último dia de trabalho no Outro Calaf. Segundo ele, a ficha da despedida ainda não caiu, fazendo com que o garçom às vezes acredite que irá voltar ao seu ofício nesta terça-feira. “Nesses últimos tempos nós estamos trabalhando de luto né, como se alguém morresse, porque a gente tem um vínculo de muitos anos. Quando anunciaram o fechamento do bar, a gente ficou muito triste, não só pelo serviço mas também pela convivência”, relata o funcionário.

Quando finalmente o lapso de confirmação se instala e a emoção se sobressai, as únicas palavras ditas por Lucas são as de agradecimento pelos 7 anos vividos no local, e dos dias inesquecíveis que não irão mais acontecer no tradicional bar, que durante três décadas fez parte da metade de história de Brasília.

“A gente vai se lembrar para a vida toda de muitos momentos de risada, muitos momentos de sufoco. Só de conversar já dá vontade de chorar, isso aqui é uma família, a nossa família mesmo diz que a gente passa mais tempo no Calaf do que com eles”.

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