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Brasília

No sinal de trânsito, pai vende pipoca com a filha nos braços

O primeiro desafio de Bruno, a cada sinal fechado, é fazer as pessoas abrirem o vidro para comprar a guloseima

Redação Jornal de Brasília

21/09/2021 5h00

Atualizada 20/09/2021 19h05

Foto: Maria Paulo Meira

Luiz Cláudio Ferreira Maria Paula Meira
[email protected]

No colo, 14 quilos. No ombro, o mundo de incertezas e angústias com um peso que não se calcula. O sonho de Bruno Pereira, de 19 anos de idade, hoje, é ter uma cesta básica de alimentos para que a filha, de apenas três anos, que o acompanha na lida, não passe fome. Ele tem pouco mais de dois minutos para percorrer os carros que param em um sinal de trânsito na Asa Norte (no Plano Piloto de Brasília) para vender pipoca doce, ao preço de R$ 2. Mas tudo parece amargo quando o sinal abre.

O primeiro desafio de Bruno, a cada sinal fechado, é fazer as pessoas abrirem o vidro para comprar a guloseima. Quando a filha está dormindo, segura um guarda chuva que proteja os dois do calor seco da capital. Quando ela acorda, vai para os ombros e fica na torcida para que o pai termine logo as vendas e voltem para casa.

A criança não está indo para a creche que paralisou as atividades por causa da pandemia. Bruno vive em uma casa de quarto e sala na cidade do Novo Gama (GO), a 50 km de onde trabalha. Ele acorda por volta das 5h da manhã, pega um ônibus até o Centro de Brasília, onde compra as pipocas para serem vendidas.

Diante dos vidros fechados, além da criança, Bruno carrega um isopor com uma mensagem para sensibilizar quem está do outro lado, nos carros trancados. “Por favor, me ajude a levar alimento para casa. Que Deus abençoe cada um de nós. PIX: 70991608186”.

O número, agora, é decorado na ponta da língua. Significa esperança para quem os números já não foram tão bons. Ele é separado da mãe da criança, com quem divide a guarda da menina. Bruno só estudou até a oitava série porque precisou começar a trabalhar como auxiliar de pedreiro quando tinha apenas 14 anos de idade, e aprendeu o ofício com o pai.

Há um ano e oito meses está desempregado. “Não consegui mais nada em lugar nenhum”. Mas as contas não param de chegar: o aluguel de R$ 350, os R$ 15 do almoço diário, a luz que ficou mais cara e a cesta básica de R$ 250 que ele não consegue mais pagar.

Por isso, não pode perder tempo. Xingamentos são vastos pelo dia. “Sai para lá, vagabundo, Sai desse sinal”, escuta. E se pergunta: “eu sou vagabundo? Não paro de trabalhar!”. Precisa vender as pipocas, juntar as doações e pensar no dia seguinte. “O que eu quero é que ela (minha filha) estude e não passe por nada de ruim”.

Esse é o maior sonho do rapaz que ainda deseja também um dia voltar para a escola. Espera conseguir ainda fazer uma cirurgia de um cisto que nasceu no lado direito da cabeça. A cirurgia em hospital público foi adiada também por causa da pandemia.

A esperança, hoje, porém, mora em um sinal de trânsito que muda de cor. Até as 18h, ainda é tempo de buscar vender a pipoca doce. “É mixaria, mas tem dado conta de não passarmos fome”. Por trás da máscara, o rapaz sorri com as brincadeiras da filha que vai ficando cansada com o passar do dia. Ele, também, sente as costas doerem. Os braços ficam doloridos. É quase noite. Mas ainda dá tempo para erguer a mensagem no isopor e pensar nos sonhos para a filha que nem ele mesmo consegue traduzir.

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