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Brasília

Casal brasiliense é o primeiro a realizar FIV com doadora conhecida

Gustavo Catunda e Robert Rosselló se tornarão pais com óvulo doado pela própria irmã

Mayra Dias

21/09/2021 5h00

Atualizada 20/09/2021 19h05

Foto: Arquivo pessoal

6 anos. Esse foi o tempo que levou para Gustavo Catunda e Robert Rosselló realizarem seu sonho: serem pais. A vontade surgiu após o casal assistir uma palestra sobre Fertilização in Vitro (FIV), focada no público LGBT e ministrada pela clínica Gênesis de Brasília. “Sempre conversamos sobre essa vontade de sermos pais. Então, ter filhos, neste momento, sempre esteve no nosso cronograma de vida”, compartilha o engenheiro civil Gustavo, de 29 anos. A realização do feito, por sua vez, representa a primeira do país após a mudança na resolução, que permite utilizar um óvulo de doador conhecido no procedimento. 

Após 10 anos de casados, o casal conta ter enfrentado diversas dificuldades até efetivar a vontade que compartilhavam. “A primeira grande dificuldade é conseguir a barriga solidária, já que no Brasil, precisa ser um parente até quarto grau”, relata Gustavo. Após diversas tentativas, o engenheiro conta ter conseguido uma prima, que topou entrar na aventura. A segunda grande dificuldade, como ele conta, foi que, desde o primeiro momento, era idealizada uma mistura genética dos dois. “E a melhor forma que imaginávamos de realizar este sonho seria utilizando o semen do Robert e recebendo a doação do óvulo da minha irmã, já que ela é idêntica a mim”, completou. Todo o processo começou em novembro de 2020 e, em junho deste ano, o tratamento foi iniciado oficialmente. 

No entanto, no Brasil, até aquela época, não era permitido o uso de óvulos de doadores conhecidos. A doadora, desta forma, deveria ser, obrigatoriamente, anônima. “Nós tentamos de muitas formas fazer o procedimento desta maneira, fomos em outros médicos, contratamos advogadas da família, porém não obtivemos sucesso e tivemos que seguir com o plano”, relembra o morador de Taguatinga. O que eles não esperavam, é que o destino agiria para que tudo ocorresse como eles arquitetavam. Na véspera de assinarem o contrato para a aquisição dos óvulos anônimos, Robert e Gustavo foram avisados pela advogada que havia ocorrido uma mudança na Resolução e seria possível utilizar o óvulo da irmã do engenheiro civil. “Nos sentimos tendo ganhado na loteria, pois a legislação mudou exatamente no momento em que precisávamos”, compartilha. 

Com a mudança, os dois pais ou duas mães (para casais lésbicos) têm a possibilidade de ter alguma participação genética na reprodução de seus filhos. No dia 15 de junho de 2021, foi publicado no Diário Oficial da União a Resolução CFM Nº 2.294, de 27 de maio de 2021. Nela, algumas mudanças são trazidas com relação à reprodução humana. “Nem todas foram positivas, no nosso ponto de vista, mas foi graças a esta resolução específica que nosso sonho se tornou realidade”, expõe Gustavo. Quanto essas mudanças, Marcelo Batista de Souza, advogado especialista em direito das famílias, aclara que, dentre as principais, estão a possibilidade de doação entre familiares, parentes de até o 4º grau consanguíneo, e a permissão de parentes transgêneros no processo, antes limitado apenas para casais héteros e homoafetivos. “Anteriormente também, a  idade permitida para doação era de, no máximo, 35 anos para mulher e 50 anos para o homem. Agora, mulheres de até 37 anos podem doar  o óvulo, enquanto os homens tiveram uma  redução para 45 anos”, acrescenta o profissional. 

Além destas, Marcelo também cita que, a partir da atualização, a relação de embriões são transferidos de acordo com  a idade. “Mulheres de até 37 anos podem fazer a transferência de  até 2 embriões,  e, acima  dessa idade, de até três. Antes da resolução, dois embriões eram o número máximo permitido para mulheres de até 35 anos”, elucida. 

Conforme esclarece Benigna Maia, advogada cível e de direito de família, as regras gerais para a realização da FIV são as mesmas para casais homoafetivos e heterossexuais. “Estando as duas pessoas casadas, elas podem procurar uma clínica de fertilização e dar início ao processo”, desenvolve. A única diferença em casos de pessoas do mesmo sexo seria, então, a necessidade da doação de um óvulo e uma barriga solidária. O bebê deixa o hospital registrado, apenas, com o nome dos dois pais. Dentre os pré-requisitos necessários, a advogada salienta que, em primeiro lugar, o casal deve estar de comum acordo com a decisão e, assim, assinarem um contrato. “Para acontecer essa transferência dos embriões, do material genético, irá existir uma documentação que contemplará a autorização de todas as pessoas envolvidas. A clínica não pode realizar a FIV se não tiver a autorização de todas as pessoas que participam do ato”, enfatiza Benigna. 

O tempo tomado pelo processo é de, em média, cerca de 60 dias, de acordo com Marcelo Batista. “Já o tempo para efetivação da fecundação, depende do tratamento por um todo e tentativas, pois a mulher escolhida passará por uma série de procedimentos: estímulo da ovulação, punção dos ovários, dosagens hormonais, fecundação, transferência embrionária e testes de gravidez”, clarifica o especialista. 

Preconceito

Dentre todas as dificuldades enfrentadas pelo casal desde o anúncio da vontade de serem pais, o preconceito, sem dúvidas, foi um dos maiores desafios. “As pessoas ainda tentam encaixar nossa família num padrão de normatividade, tentando dar o título de mãe para as doadoras de útero e material biológico”, diz o brasiliense. Porém, segundo a medicina e a legislação, o poder materno é descaracterizado quando separados as doadoras de útero e de material biológico, o que tornaria incorreto chamar qualquer uma das doadoras de mãe. “Além disso, existem pessoas que querem saber quem é o ‘pai de verdade’, e marginalizam quem não doou o sêmen. Sempre precisamos explicar que os dois são pais e pronto. Qualquer outra palavra que seja usada para nos classificar depois de ‘pai’, só serve para tentar encaixar nossa família num padrão de normatividade’, declara o engenheiro. 

A FIV é, hoje, uma das principais formas que a comunidade LGBTQIA+ possui para realizar a vontade de se ter filhos. Mesmo com todo o avanço com relação às leis que regem o grupo, e, quando comparado com outros países, o Brasil ainda possui regras muito conservadoras em relação ao processo de reprodução assistida. “Precisamos de mais pontos de vista progressistas para que nossa comunidade tenha cada vez mais possibilidades na hora que decidam se tornar pais ou mães”, defende Gustavo Catunda. 

A FIV

A técnica de reprodução, como traz Vera Serafim, médica ginecologista especialista em reprodução humana do Hospital Anchieta de Brasília, consiste no tratamento para fertilidade onde se estimula a ovulação da mulher através de medicações e recolhimento dos seus óvulos. “E então, no laboratório de reprodução assistida, se faz a fertilização do óvulo com o espermatozoide do companheiro ou com um semen de doador. Depois, se transfere os embriões para o útero da mulher”, traduz. 

A FIV, na avaliação de Vera, tem sido a técnica de reprodução mais procurada. “Isso, por ser a mais resolutiva dentre as técnicas de reprodução assistida”, argumenta. Além deste método, há também técnicas como a inseminação intra uterina e o coito programado. A primeira, também consiste na estimulação ovariana, porém de forma mais leve, com menos medicamentos. “Essa alternativa é menos efetiva que a FIV, e se recomenda para mulheres com boa reserva ovariana e com trompas normais. A taxa de gravidez gira em torno de 15 a 20%”, destaca Vera. 

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