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Brasília

CEO angolano de editora de livros procura difundir autores pretos e indígenas no DF

Seu primeiro livro foi “Ética do jovem e a preparação para a vida”, o qual tem como objetivo a relação direta com a tradição, a cultura e a família

Redação Jornal de Brasília

28/10/2022 16h46

Foto: Maria Clara Britto

Fernanda Carvalho Diniz, Natália Santos e Maria Clara Britto
(Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB)

O instituto e editora Liter África, como um marco histórico, traz um estande na Bienal do Livro de Brasília só de autores pretos e indígenas, dando visibilidade a esses autores e artistas. É o único estande a ter como CEO um homem negro e angolano.

Idealização

A editora foi idealizada e fundada por João Canda e representa sua trajetória desde seu nascimento, nascido num país que conquistou a independência de forma tardia e, depois, entrou em guerra civil, o fez passar por momentos trágicos e desafiadores.

Com isso, percebeu que para passar por essas situações era preciso se dedicar a uma causa social. Quando se estabilizou financeiramente, tomou a decisão de largar tudo para escrever um livro.

Seu primeiro livro foi “Ética do jovem e a preparação para a vida”, o qual tem como objetivo a relação direta com a tradição, a cultura e a família o preparam para o mundo e a vida, e justamente por muitos outros passarem pela mesma coisa, sentiu a necessidade de partilhar suas experiências. Sua ânsia era de mostrar pro mundo não só o que viveu, mas também a história e os costumes do povo africano, justamente pela forma na qual o continente era visto.

Em virtude da dificuldade de sua terra natal, o escritor decide vir para o Brasil para desenvolver o projeto, sendo convidado por duas livrarias de renome, uma delas a livraria cultura, ele lançou seu livro, depois de dois anos que de fato decidiu trazer o projeto para o território brasileiro. 

Objetivo

O objetivo principal de João Canda com o Liter África era fazer a ponte entre o continente africano e o Brasil, no intuito de ajudar autores africanos a publicarem seus livros e tornarem conhecidas as suas histórias na América Latina. O instituto percebeu questões sociais das quais não podia se ausentar, permeando não somente a parte da literatura, mas muitas outras manifestações artísticas que compõem a comunidade negra como um todo. 

Tendo em vista a desigualdade, o CEO da Liter África afirma “Essa solução passa por essa combinação de forças, quando falo de combinação de forças, eu tô a falar de combinação da arte, da cultura, das manifestações, da literatura, das músicas, das danças, a cultura é uma ferramenta fundamental para contrapor essa realidade. Então a Liter África hoje é isso, é o ponto de unidade, hoje quando você olha pro nosso estande, você vê literatura africana, você vê literatura indígena, você vê literatura afro brasileira, ocupando espaços que sempre nos invisibilizaram”, de modo a concluir que é uma editora que agrega essas forças juntas. 

Uma vez que existe um racismo estrutural, uma elite embranquecida eurocêntrica, afeta de maneira forte essa comunidade oprimida pela sociedade, se faz necessário tanto no Brasil o conhecimento de autores africanos quanto no continente africano a presença dos autores afro brasileiros, são vivências correlacionadas em territórios distantes, são lutas contra diversos desafios.

Portanto, de acordo com João Canda  “Liter África é isso, a Liter África é educação, é intercâmbio, é literatura, é a produção cultural, é gastronomia, é música, é dança, é vivências.”

Representatividade

As programações como Festival de contação de histórias africanas, Oficina de escrita criativa, Oficina de brincadeiras africanas, Roda de conversa de leitura anti racista, todos realizados por pessoas pretas, não existia antes, foi proposta pelo fundador da editora e muito bem recebida pela direção e produção da Bienal.

A dificuldade de pessoas brancas enxergarem a comunidade negra no Brasil como intelectual e capaz de realizar grandes projetos, de ter conhecimento fundamento, faz com que as oportunidades tenham que ser procuradas por aqueles que são atingidos diretamente pelo preconceito racial.

A colaboradora e escritora do instituto, Thata Alves relata a importância da representatividade, não só dos artistas presentes como da própria equipe que trabalha no estande. Ela considera que o impacto do racismo é explícito e constante, existem mais pessoas nessa luta contra a ausência de visibilidade negra no polo literário.

Thata Alves, começou desde criança na área da escrita, mas afirma que esse processo foi sua válvula de escape ao crescer na periferia, uma vez que muitos jovens recorrem ao mundo das drogas e do crime, de modo a corroborar a necessidade da educação para aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade. 

A falta de representatividade em espaços dedicados à escrita, aos livros, como as bibliotecas, dificilmente eram vistas pessoas pretas, mas a escritora teve seu ponta pé inicial após fazer um comercial para cabelos cacheados e receber uma remuneração suficiente para realizar algum investimento, mas possuía o receio desse projeto não ser bem aceito onde vivia.

“Não, livro na quebrada, tá maluco? Não vai funcionar, as pessoas não vão ler, vou investir e não vou ter retorno”, relata ela, mesmo contrariada um tempo depois publica “Em reticências”, de forma independente, esgotou as vendas, e tinha a estética neutra com o intuito de que o leitor se interessasse pelo conteúdo, não pela capa. Por conseguinte, outras obras foram sendo desenvolvidas, o segundo livro “O troca”, pertencente a uma capa provocativa, a fim de causar reflexões ao público, tendo como o primeiro poema  “A benção mãe”, em homenagem à mãe de santo de Thata Alves, Ana Rita Dias da Encarnação. 

Suas obras seguintes revelam uma forma de resistência contra as dificuldades da população negra, principalmente aquelas que são adeptas às religiões de matriz africana que sofrem muita intolerância religiosa no Brasil. 

Com isso, a autora paulista criou um jogo como uma forma de explicar para as crianças o que significava cada orixá, visando acabar com o preconceito sofrido por um menino dentro da sala de aula. 

O último lançamento de Thata, retrata a realidade de uma mãe preta que nota a negligência de certos espaços para com seus filhos, associa então a literatura com a maternidade e dá voz aos seus filhos, que são os escritores do livro, passam as frases à mãe por meio da oralidade, que as anota num caderninho que decorre na produção do livro, chamado Ibejis. Seus filhos gêmeos, são o que dá nome a obra, a palavra Ibejis significa divindades gêmeas, ao serem associadas a dualidade e por serem crianças, conectam-se a tudo que se inicia, que nasce.

Ubuntu

O estande da Liter África também recebeu a idealizadora, criadora, produtora cultural e escritora, Paula Tanga, A qual tem como um dos seus feitos, o Prêmio Ubuntu de Cultura Negra, esse, o qual foi criado em 2019 para enaltecer a luta anti racismo e a cultura afro-brasileira.

Contando com participações de diversos artistas, como Lázaro Ramos, Taís Araújo, Seu Jorge, Ludmilla entre outros grandes nomes da negritude Brasileira. 

A premiação ganha o nome “Ubuntu” que na língua zulu, significa “Uma pessoa é uma pessoa através de outras pessoas”, pois é a primeira premiação nacional de pretos para pretos, logo a palavra é caracterizada fortemente.

18 anos atrás Paula, fundou a ONG AfroTribo, no município de São Gonçalo, que leva cultura de qualidade para as crianças das comunidades carentes. Com 7 salas de leituras e conhecimento, onde levam nomes de autores e famoso negros para ter acesso a literatura de qualidade.

O marco histórico da presença do estande, perpassa por todos os públicos de leitores, crianças, adultos, idosos, mulheres e homens, é o espaço que acolhe a todas, principalmente aqueles mais oprimidos e esquecidos pela sociedade. Proporcionar aos outros o que não lhes foi dado é o que significa o Liter África.

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