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Política & Poder

Senador Bezerra manda verba do orçamento secreto para obra já licitada em PE

No caso da Codevasf, os recursos sairiam do orçamento secreto por indicação do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE)

Redação Jornal de Brasília

28/12/2021 17h14

Fazia anos que o povoado de Lagoa do Barro, em Araripina, sertão de Pernambuco, aguardava o asfaltamento dos 7,5 km de estrada de terra que dá acesso à rodovia mais próxima. De uma tacada só, em outubro de 2020, dois contratos foram fechados: um do governo estadual, outro da Companhia de Desenvolvimento dos Vales do Parnaíba e São Francisco (Codevasf). A empresa contratada para as obras era a mesma, a Uniterra, só que a estatal federal, sob controle de parlamentares do Centrão, pagaria pelo serviço 354% a mais: R$ 7,3 milhões, ante R$ 2 milhões.

No caso da Codevasf, os recursos sairiam do orçamento secreto por indicação do senador Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), que era o líder do governo Bolsonaro no Senado à época e só deixou o posto neste mês. A empreitada federal só não foi adiante porque o governo de Pernambuco enviou um ofício à Codevasf deixando claro que a estrada é estadual e já havia um contrato vigente. Ou seja: não havia motivo para licitar a mesma obra duas vezes.

Em nenhum momento a secretaria estadual responsável havia sido informada pela Codevasf sobre a intervenção na estrada vicinal. O superintendente da estatal federal em Pernambuco é Aurivalter Cordeiro, homem de confiança de Bezerra Coelho, de quem já foi funcionário no Senado e no Executivo. Quem avisou o governo estadual foi o dono da construtora Uniterra, o empresário Romão Alves, que venceu as duas licitações.

Notificada pelo governo, a Codevasf suspendeu a ordem de serviço que havia sido assinada e cancelou o contrato. No entanto, já havia desembolsado R$ 95 mil pela contratação de uma empresa de engenharia, a EPTCI Projetos e Georreferenciamento, para desenvolver os estudos que subsidiaram a licitação. O dinheiro foi gasto em vão, pois a empresa não tinha permissão para atuar no local. Os R$ 95 mil desperdiçados foram bancados com emenda do deputado Fernando Filho (DEM-PE), filho de Bezerra.

Recursos

As obras, em si, no montante de R$ 7,3 milhões, seriam custeadas com verbas indicadas pelo senador, com recursos de emenda de relator-geral, a base do orçamento secreto, mecanismo revelado em maio pelo Estadão, pelo qual o governo de Jair Bolsonaro repassou bilhões a um grupo de parlamentares em troca de apoio no Congresso.

Apenas em 2020, Bezerra Coelho, sozinho, encaminhou à Codevasf ao menos R$ 150 milhões – o valor pode ter sido maior, pois parte dos repasses tem autoria desconhecida. A maior fatia da verba tinha como destino Petrolina, muncípio onde seu outro filho, Miguel Coelho (MDB), é prefeito.

De acordo com a licitação aberta pela estatal federal, o lucro estimado com a obra em Araripina era de 6%. Assim, o contrato com a Uniterra geraria R$ 437 mil para a empresa. Considerando o mesmo porcentual, a contratação pelo Estado deve render à empresa R$ 123 mil em lucro – quase R$ 294 mil a menos.

Estatal

A Codevasf afirmou que o preço maior se deu “em razão de os contratos apresentarem soluções diferentes”. Segundo a estatal, a pavimentação que propôs era em concreto betuminoso usinado a quente (CBUQ), ao passo que a pavimentação proposta pelo governo pernambucano é de tratamento superficial simples (TSS). “O serviço previsto pela Codevasf contemplava (i) obras de arte completas, (ii) guard rail, (iii) área de fuga, (iv) alça de acesso à BR-316, com bifurcação da rodovia no local, (v) drenagem completa etc”, disse a empresa.

A Codevasf alegou ainda que considerava a estrada como municipal, o que justificaria a intervenção para asfaltá-la.

Segundo o governo pernambucano, as obras devem ser concluídas no primeiro semestre de 2022. “Seria importante que o órgão federal consultasse previamente o planejamento do governo de Pernambuco”, diz, em nota.

Procurados, o senador Bezerra Coelho e o deputado Fernando Filho não responderam. O empresário Romão Alves, da Uniterra, não quis se manifestar.

Estadão conteúdo

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