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Opinião

Recuperação Judicial da 123Milhas: o que os consumidores podem esperar deste processo?

Em 18 de agosto de 2023, a empresa 123Milhas anunciou a suspensão da emissão de passagens e produtos adquiridos por meio do Programa Promo123

Redação Jornal de Brasília

20/09/2023 13h01

Henrique Esteves e Leonardo César

Em 18 de agosto de 2023, a empresa 123Milhas anunciou a suspensão da emissão de passagens e produtos adquiridos por meio do Programa Promo123 para embarques previstos entre os meses de setembro e dezembro deste ano.

Cerca de 11 (onze) dias depois, o mercado recebeu a notícia do pedido de recuperação judicial do grupo formado pela 123Milhas, Art Viagens e Novum, que, alarmante, relata em um cálculo aproximado e inicial o alcance de mais de 700 mil pessoas e uma dívida superior à 2 bilhões de reais, sendo que, ainda há de se considerar as habilitações vindouras, tempestivas ou tardias, que certamente acrescentarão ao pool inúmeros outros credores lesados.

Neste contexto, os adquirentes de pacotes de viagens, passagens e hospedagens, passaram a se questionar quais seriam as razões para tamanha crise. Em suas justificativas, apuradas pela Câmara dos Deputados, no âmbito da CPI das Pirâmides Financeiras, o Sr. Ramiro Madureira, sócio e fundador da empresa, revelou ter adotado um modelo de negócios equivocado, que levou ao colapso do grupo.

Lado outro, na petição inicial da recuperação judicial, o grupo 123Milhas alegou que não conseguiu emitir as passagens devido à quebra de contratos com companhias aéreas parceiras, ao aumento dos preços das passagens após a pandemia de Covid-19 e outros fatores, como mudança de precificação e de sistemas de segurança das companhias aéreas.

A companhia afirma que o grande número de ações judiciais contra a empresa, de credores individuais e entes públicos, também foi uma das razões para o pedido de recuperação judicial.

Nesta conjuntura, comumente os credores consumidores, no contexto da recuperação judicial, entram para a classe de credores quirografários, que são aqueles que não possuem garantia real ou se enquadram como pequena empresa, e acabam, geralmente, por ser os mais penalizados nestes processos de insolvência empresarial.

Assim, sofrem diretamente as perdas os consumidores por, além de não usufruírem dos serviços adquiridos, ainda terem que aguardar um procedimento de negociação para, com esperança, um dia receber parte de seu crédito, uma vez que à devedora é permitido apresentar um Plano de Recuperação Judicial (PRJ) com meios alternativos de pagamento, sendo os mais utilizados o deságio e a extensão do prazo de vencimento com aplicação de índices corretivos ínfimos, normalmente abaixo da inflação.

Aos consumidores não listados pela 123 Milhas quando do pedido inicial, devem urgentemente apresentar os documentos que comprovem seu crédito para o Administrador Judicial, no prazo de 15 (dias) da publicação do edital determinado pela decisão que recebeu a RJ, permitindo, desta forma, que sejam incluídos na lista. Agrava-se a situação para aqueles que perderem o prazo, que terão, ainda, que assumir custas para a contratação de advogado para lhes assessorarem no transcurso da recuperação judicial e custas do Poder Judiciário para que habilitem seus respectivos créditos tardiamente, tudo isso associado ao fato de que, provavelmente, receberão centavos sobre cada real gasto, após a aprovação do PRJ.

O processo de recuperação judicial propriamente dito é uma ferramenta destinada à superação de crises econômico-financeiras, que tem por objetivo a concentração de dívidas e ativos. Neste esteio, até em razão do volume de documentos, é comum a existência de equívocos no valor apontado pela devedora como devido aos consumidores listados na relação de credores, razão pela qual devem, realmente, acompanhar e atuar no processo, impugnando eventuais erros, e, também, participando das Assembleias convocadas no transcurso da recuperação, com vistas à garantia de mínimo deságio sobre os créditos a que tem direito.

O que se espera, nos próximos dias é a apresentação do PRJ com a proposta de pagamento aos credores, e para os próximos anos (certamente não acontecerá em poucos meses), a sua votação em Assembleia Geral de Credores (AGC), resultando, assim, na possível aprovação do Plano de Recuperação Judicial. Já os pagamentos, projeta-se que virão daqui bons anos (surpresa, será, se a projeção for próxima).

Ademais, importa registrar que a Juíza Claudia Helena Batista afirmou, em sua decisão, que “em se tratando de pedido de Recuperação Judicial de empresas cujo objeto principal é a atuação no mercado consumerista que goza de especial proteção legal de caráter público”, o Plano de Recuperação deverá conter medidas de reparação aos credores consumeristas pelos danos ocasionados. Isso significa trazer para o PRJ, além das medidas individuais, proposta de reparação das lesões causados à coletividade. Unificar as reparações, consente à devedora uma efetiva recuperação, com o afastamento de eventual falência, sem que seja exageradamente penalizada.
Por fim, é possível aos consumidores o ingresso com ações judiciais para a discussão de quantias ilíquidas, tais quais as apuradas por meio de pedidos de reparação de danos morais suportados ou valores controversos, que tramitarão normalmente até a sua devida apuração. É valido esclarecer, no entanto, que as cobranças de quantias líquidas – aquelas com valores devidamente assentados, como o dano material direto da promoção suspensa – e as constrições patrimoniais estão suspensas em razão do stay period concedido ao grupo.

Ante o exposto e a complexidade dos caminhos possíveis, a sugestão que se pode realizar aos consumidores lesados é para que procurem imediatamente um advogado de sua confiança, permitindo o adequado exercício de seus direitos e garantindo a habilitação dos valores que possuem a receber, bem como, conforme revelado, a luta pelo menor deságio possível de seus créditos.

Henrique Esteves Alves Ferreira, Advogado. Mestre em Direito pelo Instituto Brasiliense de Direito Público – IDP/DF. Presidente da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO. Sócio do escritório Alencar Lopes Esteves Sociedade de Advogados (ALE Advogados). LLM em Direito Empresarial pela FGV/RJ. Especialista em Direito Tributário. Árbitro. Administrador judicial TJGO. Professor na disciplina direito empresarial.

Leonardo César, advogado especialista em direito empresarial e agronegócios, associado ao escritório Alencar Lopes Esteves Sociedade de Advogados, situado em Goiânia/GO, professor em pós-graduações e cursos de extensão e membro da Comissão de Direito Empresarial da OAB/GO.

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