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PF indicia ‘coiotes’ por homicídio para coibir atuação em migração irregular para os EUA

O corpo foi encontrado no dia 19 de abril, seis dias após a tentativa malsucedida. A família só descobriu cinco meses após a morte

FolhaPress

16/08/2022 14h26

Foto: Reprodução

Raquel Lopes
Brasília, DF

Pela primeira vez, a Polícia Federal indiciou por homicídio culposo contrabandistas e “coiotes” que atuam na migração irregular de brasileiros para os Estados Unidos. A intenção é tentar reprimir com rigor o crime de promoção ilegal de migração que tenha por objetivo a entrada em território americano pela fronteira com o México -empreitada na qual ao menos oito brasileiros morreram desde 2020.

A tática da PF foi usada para tentar responsabilizar os agenciadores da migração de Ayron Henrickson Fernandes Gonçalves, 21. O jovem passou mal e morreu durante a travessia no ano passado, sendo abandonado pelo coiote.

Erlon Gomes da Silva e Evânio Paraíso Pires foram indiciados por homicídio culposo (quando não há intenção de matar), promoção de migração ilegal, associação criminosa e envio ilegal de menor ao exterior. A PF indiciou os dois não só pelo caso de Gonçalves, mas por todos os casos descobertos durante as investigações. Só Erlon foi responsável por levar mais de 200 pessoas para os EUA, incluindo crianças.

Segundo a corporação, o incidente que resultou na morte de Gonçalves pode ser enquadrado como homicídio culposo porque quem promoveu a migração irregular agiu com negligência e imprudência. Isso porque organizou a travessia sabendo dos riscos para a vida do migrante.

“Além disso, mesmo Erlon e Evânio tendo assumido o risco de transportarem Ayron para os EUA ilegalmente, estes se omitiram no zelo pela segurança do emigrante, sendo inequivocamente negligentes e também imprudentes, considerando que o resultado era plenamente previsível, mas mesmo assim os investigados agiram para o cometimento do crime”, disse a polícia no inquérito.

Apesar da manifestação da PF, o MPF (Ministério Público Federal) entendeu que as pessoas responsáveis pela promoção da migração não devem responder por homicídio culposo e associação criminosa. O órgão ofereceu denúncia somente pelos crimes de promoção de migração ilegal e envio ilegal de menor ao exterior.

De acordo com o inquérito, Erlon foi o responsável por promover efetivamente a migração de Gonçalves, efetuando a compra das passagens, o recebimento do dinheiro, o agenciamento da viagem e o planejamento da migração.

Já Evânio, que residia no México, foi indicado como articulador do esquema criminoso: ele planejava o esquema logístico, bem como a estrutura necessária para a travessia. Segundo as investigações, ele foi responsável por receber Gonçalves no desembarque do México e encaminhar o jovem para Mexicali (no estado de Baja Califórnia), onde uma atravessadora mexicana o aguardava.

A polícia aponta também a participação de David Gonçalves dos Santos nas atividades de promoção de migração ilegal e envio ilegal de menor ao exterior. Ele era responsável pelo aliciamento de pessoas no Brasil.

O advogado criminalista e mestre em direito constitucional Guilherme Favetti explica que é possível enquadrar como homicídio culposo condutas negligentes, imprudentes ou imperitas que resultem na morte de outra pessoa; não haveria a necessidade de o agente estar presente no local do óbito para que possa se caracterizar a tipificação penal.

Para o especialista, uma pessoa que promove a migração irregular também pode responder por homicídio culposo, mas isso depende de cada caso. “Na recente operação Relicta Mori [ocorrida após a investigação da morte de Gonçalves], os brasileiros presos por agenciar a migração de pessoas para os EUA via México não eram efetivamente as que cruzavam a fronteira com os migrantes. Sendo assim, é difícil, juridicamente, atribuir a culpa pela morte de um deles aos agenciadores”, diz.

Bruna Luppi Leite Moraes, advogada criminalista do escritório Bialski Advogados, avalia que uma pessoa diretamente ligada à promoção da migração irregular de alguém que venha a morrer pode ser indiciada por homicídio culposo.

“O crime da promoção da migração visa a responsabilizar o agente que organiza essa travessia, mas isso não exime a responsabilidade pela integridade da pessoa”, afirma. “Nesse caso, alguém veio a óbito por um descaso de quem tinha o dever de zelar pela integridade de quem o contratou.”

Erlon de Almeida e David Santos foram presos em 21 de junho durante a operação da Polícia Federal. Segundo a Secretaria de Justiça e Segurança Pública de Minas Gerais, o primeiro foi liberado por meio de alvará de soltura após pagamento de fiança na quarta-feira passada (10); David permanece detido no Centro de Remanejamento Provisório de Governador Valadares.

Há um mandado de prisão aberto em nome de Evânio Pires. Procurada, a defesa de Erlon não quis se manifestar. A Folha não conseguiu contato com as defesas de Evânio e David.

A investigação da Polícia Federal apontou que o jovem Ayron Gonçalves pegou um avião no Rio de Janeiro em 10 de abril de 2021, com destino ao México. Ele seguiu para Mexicali, mas não chegou ao território americano, tendo falecido em razão de insuficiência respiratória aguda causada por edema pulmonar.

O corpo foi encontrado no dia 19 de abril, seis dias após a tentativa malsucedida. A família, porém, só descobriu o desfecho da história cinco meses após a morte. Segundo a mãe do jovem relatou à Folha, ele foi enterrado como indigente em Mexicali, e o reconhecimento se deu por meio de fotografia. Os parentes tentam ter acesso à certidão de óbito original para regularizar os trâmites burocráticos no Brasil.

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