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Brasil

Morte de homem com saco plástico na cabeça alerta comunidade LGBTQIA+ em SP

No fim da tarde do dia seguinte, Wellington foi encontrado morto no chão do quarto do apartamento em que vivia na movimentada esquina das ruas Artur de Azevedo e Mateus Grou, em Pinheiros, na zona oeste

FolhaPress

11/03/2022 12h35

A partir da esq., o ator Luiz Carlos Araújo e Wellington Henrique Cirino Cardoso: mortes com saco na cabeça. Foto: Divulgação e Arquivo pessoal/Arte UOL

As restrições impostas pela pandemia da covid-19 não tiraram a disposição do estudante de administração Wellington Henrique Cirino Cardoso, de 25 anos, de aproveitar o Carnaval privado de São Paulo, na última semana. Entre sábado e terça-feira, ele pulou de festa em festa, segundo o relato de amigos com quem virou noites e se divertiu. Na Quarta-Feira de Cinzas, às 11h11, ele deixou uma mensagem para a faxineira.

“Oi, Lu, tudo bom? Deixa eu te falar, eu deixei a chave na graminha do lado direito, esquerdo da porta, tá. Se você não conseguir achar, no prédio lá que tem do lado, é só você apertar o interfone que o Donizete (zelador), ele te mostra. (…) É que amanhã eu vou passar o dia todo fora, e quando você chegar eu não vou estar em casa.”

Pelo mesmo número de WhatsApp, a faxineira lhe respondeu. Mas não recebeu a confirmação de mensagem lida.
No fim da tarde do dia seguinte, Wellington foi encontrado morto no chão do quarto do apartamento em que vivia na movimentada esquina das ruas Artur de Azevedo e Mateus Grou, em Pinheiros, na zona oeste. Vestia um terno azul nada carnavalesco, tinha a cabeça coberta por sacos de plástico, o pescoço amarrado com uma camiseta, um carregador de eletroeletrônico e sinais de asfixia.

O rapaz era gay e sua morte acendeu o alerta na comunidade LGBTQIA+ paulistana, preocupada com a hipótese de haver alguma conexão entre o episódio e a morte de outros dois homens, um deles também gay, encontrados com sacos plásticos na cabeça, em diferentes circunstâncias, em setembro do ano passado. Este é, no entanto, o único detalhe que une os casos e a polícia diz não ter identificado outros elementos a relacioná-los.

A Secretaria de Segurança Pública informou na noite desta quinta-feira não haver até o momento dados que apontem para crimes conexos. Contatos feitos pelo UOL nesta semana com amigos, parentes e testemunhas dos três casos também levam à mesma conclusão.

O primeiro episódio teve como vítima o ator de novelas e musicais Luiz Carlos Araújo, de 42 anos, encontrado por amigos na cama de casa, na rua Aurora, no centro, em 11 de setembro. Ele havia participado da novela “Carinha de Anjo”, do SBT.

O ator estava há alguns dias sem se comunicar em suas redes, o que levou uma de suas amigas a procurar o porteiro do prédio em que ele morava, para tentar saber o que havia acontecido. Foram até a entrada do seu apartamento e sentiram um forte odor. Chamaram a polícia.

A porta estava trancada por dentro com uma chave tetra, então foi preciso chamar um chaveiro para arrombá-la. Luiz estava deitado em sua cama, asfixiado com um saco plástico fino na cabeça, vestindo camiseta. O computador estava ligado e sobre a mesa da sala. Não havia sinais de roubo. Pelo avançado estado de decomposição do corpo, a polícia não conseguiu verificar a existência de sêmen ou outros fluidos.

A hipótese de um suposto agressor a sair pela porta foi descartada, diante do fato de ela estar trancada por dentro. Mesmo havendo uma cópia, seria impossível o uso simultâneo à chave que já estava na fechadura. O ator morava no segundo andar do edifício e aventou-se, então, a hipótese de fuga de um suposto agressor pela janela.

A análise de câmeras de segurança de um estacionamento localizado atrás do prédio identificou uma pessoa em fuga no mesmo horário em que a polícia chegou ao endereço. No entanto, foi descartada relação direta com a morte do ator: investigadores concluíram tratar-se de um vizinho com problemas no passado com a polícia, que teria se assustado diante da movimentação de viaturas na porta de casa e pensado que era ele a razão. Nenhuma outra pessoa aparece pulando da janela do prédio de Luiz.

Pouco mais de um mês após o episódio, a polícia divulgou o teor do laudo de necropsia do corpo do ator. Segundo o documento, não foram encontradas marcas de violência e concluiu-se que Luiz morreu por asfixia. O perito responsável pela análise aventou a possibilidade de ele ter usado um saco plástico na cabeça para aliviar ansiedade, reproduzindo uma técnica que consiste em colocar um saco na boca e assoprá-lo.

De acordo com a tese policial, o uso de drogas, de medicação e de álcool por parte do ator teria causado um rebaixamento de seu nível de consciência, levando-o a um quadro de asfixia acidental.

Um dos parentes de Luiz atuou como representante da família no acompanhamento das investigações e lamenta que até hoje a polícia não tenha ainda conseguido acessar o conteúdo dos dois telefones celulares que estavam ao seu lado na hora da morte, nem o de seu computador. É possível que trouxessem pistas relevantes à sua morte.

O tema ainda é motivo de trauma e tabu na família, por isso ele pede para não ser identificado neste texto. Mas relata nunca ter acreditado na hipótese de suicídio. “Ele era uma pessoa pra frente, cheia de vida. Estava com planos, projetos para realizar”, conta.

Apenas nove dias depois de a polícia encontrar Luiz morto em casa, a polícia foi chamada para uma segunda ocorrência com característica semelhante: o gerente de um hotel simples na avenida Oratório, na Mooca, na zona Leste, havia encontrado um homem morto em um quarto, com dois sacos plásticos presos à cabeça.

Hospedado desde o dia 17 de setembro, o gerente de lojas Luiz Henrique Giurno, de 39 anos, dizia aguardar apenas o conserto de seu carro em uma oficina próxima dali para deixar o hotel. Pai de uma criança de seis anos, ele vivia uma fase difícil com a namorada atual, segundo apurou a família.

O gerente do hotel, José Carlos Bonomi, de 58 anos, observava a rotina do rapaz: tinha um telefone celular mais antigo (que não é do tipo smartphone) e ia à recepção para pedir para usar o telefone fixo. Ele se hospedava sozinho. De acordo com o relato do gerente, confirmado pelo registro das câmeras de segurança, não recebia visitas.

Na segunda-feira, dia 20, ao observar que o cliente não havia renovado o pagamento de sua diária, o gerente telefonou para ele. Não teve resposta. À noite, decidiu acessar o cômodo para verificar se estava tudo bem. Encontrou o jovem deitado de lado, em posição fetal, coberto com um lençol e um cobertor.

“Vi que o braço dele estava preto. Foi o suficiente, não precisa ver mais nada. Ali, eu entendi tudo e pensei: deu ruim. Cobri ele novamente e deixei o quarto”, lembrou o gerente, que acionou a polícia.

No local, os policiais encontraram sinais de que a vítima havia se entorpecido. O caso ainda não foi relatado ao Judiciário, mas a polícia não vê no caso outros caminhos diferentes à hipótese de suicídio.

“Antes disso, ele já tinha tentado se matar duas vezes. Acho que foi isso mesmo o que aconteceu”, contou ao UOL a mãe do rapaz, Cynthia Giurno, de 70 anos, que mora no interior de São Paulo.

Embora distante do filho nos últimos anos, ela lembrou que ele tinha problemas com dinheiro. Pesquisas na Justiça apontam que o rapaz era processado por dívidas com bancos e pessoas físicas, em pelo menos oito ações.

Se por um lado as linhas de investigação destes dois casos parecem mais perto de uma conclusão, o mesmo não pode ser dito em relação ao terceiro, registrado no pós-Carnaval e que teve como vítima o estudante de administração e funcionário da IBM Wellington Cardoso, de 25 anos, mais conhecido pelos amigos como Well.

A mensagem com orientações à faxineira, reproduzida no início deste texto, foi sua última comunicação conhecida. Natural de Santa Cruz do Rio Pardo, ele vivia em São Paulo em apartamento em prédio localizado ao lado do prédio do ex-marido, o jornalista Fábio Pimentel, ex-marido da vítima, que estava em férias na Bahia quando tudo aconteceu.

Diante de contatos infrutíferos da família e de colegas de trabalho com Wellington, Pimentel diz ter pedido a um de seus sócios que fosse até sua casa para checar o que poderia ter ocorrido com o rapaz.

Ele foi encontrado morto caído no chão de seu quarto, vestindo terno e segurando uma taça de vidro. Cercado de mistério e alguns elementos macabros, o caso traz indícios a alimentar em mesma proporção as teses de homicídio, suicídio ou acidente.

Nesta primeira semana, o caso não recebeu muita atenção da polícia. Apenas seis dias depois da data em que o seu corpo foi encontrado, agentes foram ao endereço em busca de imagens de câmeras de segurança do prédio ou da rua que pudessem ser úteis à investigação. Descobriram que não havia. A primeira testemunha do caso foi chamada para depor apenas anteontem.

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