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Brasil

Conselho muda regras de reprodução assistida e tira menção a transgêneros

O advogado afirma que há muitos casos de reprodução humana assistida em casais homossexuais, um mercado que está em alta

FolhaPress

20/09/2022 17h16

Foto: Reprodução

Phillippe Watanabe e Claudinei Queiroz
São Paulo, SP

Após críticas de entidades setoriais, o CFM (Conselho Federal de Medicina) modificou novamente o regramento referente à reprodução assistida no Brasil. Nas novas regras, a entidade suprime a citação explícita a pessoas transgêneros.

A nova resolução foi publicada nesta terça-feira (20) no Diário Oficial da União.

O CFM havia publicado, em junho do ano passado, as novas normas sobre reprodução assistida, que haviam revogado as regras de 2017.

Logo após a publicação no ano passado, entidades do setor se manifestaram de forma crítica às alterações. Dois eram os principais objetos de contestação: a limitação no número de embriões gerados e a necessidade de autorização para descarte de embriões não usados. Ambos os pontos foram alterados.

“Fico feliz que o Conselho Federal tenha se sensibilizado e retornado a pontos que estariam a encarecer ainda mais e dificultar o acesso ao planejamento familiar por diversas famílias”, afirma Henderson Fürst, presidente da comissão de bioética e biodireito da OAB/SP.

A normativa anterior do CFM apontava que o número de embriões gerados no processo de reprodução assistida não poderia ser maior do que oito. As associações setoriais afirmavam que isso poderia diminuir as chances de sucesso do processo.

Para casos de falha com esses oito embriões, pela possível necessidade de novas rodadas de coleta de material, haveria ainda encarecimento da reprodução para famílias. Isso poderia, inclusive, impossibilitar o processo, além do aumento do desgaste físico e emocional envolvido no procedimento, diz Fürst.

O novo regramento também elimina a necessidade de autorização judicial para descarte de embriões. A norma anterior apontava que embriões criopreservados por três anos ou mais, por vontade dos pacientes ou por abandono, poderiam ser descartados somente mediante anuência judicial.

“O próprio ordenamento jurídico nunca exigiu que houvesse autorização judicial para o descarte. Toda a política do Poder Judiciário é da desjudicialização das relações sociais. Nunca fez sentido essa ação”, afirma o presidente da comissão de bioética e biodireito.

Por fim, a ausência a uma menção explícita a transgêneros pode pôr um pouco mais de dificuldade ao acesso à reprodução para essa população, segundo o especialista.

Na resolução anterior, havia um trecho que citava que as técnicas de reprodução assistida poderiam ser usadas por heterossexuais, homoafetivos e transgêneros. Esse ponto foi retirado.

A menção aos transgêneros apareceu em 2020 na resolução sobre reprodução assistida, em uma alteração pontual nas regras instituídas em 2017, na qual constavam apenas citação a “relacionamentos homoafetivos e pessoas solteiras” -as quais haviam entrado na norma somente em 2013 (a primeira resolução sobre o tema é de 1992) .

Segundo a justificativa para a atualização de 2020, o então relator José Hiran Gallo afirmou que a norma, como era antes, poderia levar a interpretações divergentes.

“A norma poderia ensejar interpretações contraditórias, com a adoção literal do texto, excluindo -por exemplo- pessoas casadas ou heterossexuais, assim como outras categorias ali não expressas, como os transgêneros”, escreveu o então relator.

“A resolução agora é omissa nisso”, afirma Fürst. “Isso não significa que há uma restrição, simplesmente deixa de explicitar, para ficar evidente que qualquer pessoa, não importa a identidade de gênero, tampouco a sua identificação sexual, poderá ter acesso. Quando estava explícito, ficava melhor.”

Segundo Fürst, mesmo que haja uma autorização implícita, alguns pacientes podem acabar se deparando com dificuldades para conseguir o procedimento, considerando que se trata de uma população minoritária que ainda é socialmente discriminada.

“Isso também nos diz alguma coisa. Quando você está com algo explícito e você opta por retirar do texto, é também uma opção para agradar segmentos sociais de cunho mais conservador quanto ao modelo familiar adequado”, afirma o presidente da comissão de bioética e biodireito da OAB/SP.

Em coletiva de imprensa, na manhã desta terça-feira, membros do CFM afirmaram que a retirada buscou somente tornar as normas mais abrangentes. Segundo Hitomi Nakagawa, membro da câmara técnica e ex-presidente da Sociedade Brasileira de Reprodução Assistida, ao citar segmentos específicos da sociedade, corre-se o risco de segregar acidentalmente.

Porém, a opinião de Fürst é compartilhada por Bruno Tasso, advogado especialista em direito médico, odontológico e da saúde. Ele diz que a ausência do termo transgênero preocupa porque pode abrir o precedente para o médico se negar a realizar o procedimento.

“Na relação médico-paciente tem algo chamado objeção de consciência, ou seja, o médico pode se negar a fazer um tratamento ou procedimento se o paciente não estiver em situação de urgência ou emergência. Se de fato esses termos forem tirados, isso pode de alguma forma possibilitar que algum médico diga: ‘Olha, não está constando, não vou fazer’. De fato, vai depender muito do médico”, diz Tasso.

“Pode ser que o CFM tenha agido dessa forma achando que não teria problema, mas, a depender do médico, ele pode não fazer se não tiver a resolução”, acrescenta ele.

O advogado afirma que há muitos casos de reprodução humana assistida em casais homossexuais, um mercado que está em alta, mas que no público transgênero a situação é mais sensível.

“O transgênero é algo que ainda está sendo debatido. A partir do momento que você tira essa possibilidade do transgênero pode ser que, eventualmente, esse público enfrente preconceito”, conclui Tasso.

Na exposição sobre motivações das últimas alterações, o relator Ricardo Scandian de Melo afirma que a revisão das normas foi feita pela Câmara Técnica de Reprodução Assistida do conselho junto com representantes da SBRA (Associação Brasileira de Reprodução Assistida), da Febrasgo (Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia) e da SBRH (Sociedade Brasileira de Reprodução Humana).

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