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Brasil

8 de Maio, “Dia da Vitória”: ‘pracinha’ de 94 anos, que vive no DF, relembra campanha na 2ª Guerra Mundial

Agência UniCeub

07/05/2019 16h39

Por Lucas Neiva e João Carlos Magalhães
Jornal de Brasília/ Agência de Notícias UniCeub

O carioca Vasco Duarte Ferreira, hoje aos 94 anos, alistou-se no Exército brasileiro em 1942, ao completar 18 anos de idade. Ele serviu no Regimento Sampaio (no Rio de Janeiro), mas foi logo transferido para o 13º Regimento de Infantaria, em Ponta Grossa (PR), onde se tornou operador de radiotelegrafia. Dois anos depois, foi enviado de volta para o Rio de Janeiro. Desta vez, seria para receber seu último treinamento antes de ir para a guerra. Para ele, hoje morador da Asa Norte, em Brasília, o dia 8 de maio (Dia da Vitória) tem o mesmo significado especial de 74 anos atrás.

Cabo Vasco Duarte em sua casa, em Brasília, agora com 94 anos, lembra de como foi a participação na Guerra. Foto por Lucas Neiva

Memórias do front

Vasco não se lembra do dia em que partiu para a Itália, mas lembra-se que a viagem durou 16 dias. Após o desembarque, descansou por um mês com o resto da Força Expedicionária Brasileira (FEB) e foi mandado para o front. Passou a campanha sendo alvo de tiros de artilharia e morteiros. “A campanha durou 11 meses, e era muito difícil um soldado passar um ano vivo naquela guerra. Dizíamos que era sorte. Em uma guerra como aquela o soldado morria logo. Eu tive muita sorte”.

A função era operar o equipamento de radiotelegrafia, utilizado para transmitir e receber mensagens à distância no campo. Ele recorda que carregava o aparelho pesado nas costas, e, sempre que o ligava, os companheiros se afastavam (a antena do aparelho tinha três metros de altura, transformando-o em um alvo). “Os alemães identificavam a direção e a distância da antena, e abriam fogo contra nós”.

Durante a campanha, Vasco garante que não matou ninguém. Mas por pouco não foi atingido por uma rajada de metralhadora. “De repente, dispararam três ou quatro tiros na minha direção. Mas acho que o atirador não queria me acertar. Ele não quis me matar”. O veterano ressaltou que nem todos os inimigos eram alemães. “Entre eles, haviam russos, ucranianos, poloneses, franceses. Havia de tudo no exército alemão. Alguns estavam ali porque eram simpáticos aos alemães, mas muitos lutavam porque eram obrigados a lutar por eles”, confidencia.

Obra que lembra a campanha de brasileiros lutando em Monte Castello. Acervo da Associação dos Ex Combatentes do Brasil. Foto por João Carlos Magalhães

O ex-pracinha se lembra com detalhes de quando atravessou um campo minado em 14 de novembro de 1944. “Vi morrendo por lá um soldado e um cabo. Um tenente estourou os tímpanos e teve as costas perfuradas por estilhaços. Outro soldado teve o rosto atingido. Eu estava no meio deles. Por sorte, não me aconteceu nada. Aquele lugar era uma armadilha, tínhamos sempre medo de pisar. Aquelas minas despedaçavam uma pessoa”.

Vasco também participou da tomada de Monte Castello (1944-45): uma das mais importantes batalhas travadas pela Força Expedicionária Brasileira, onde caíram, entre mortos ou feridos, pelo menos quatrocentos brasileiros. “Fracassamos três ou quatro vezes ao tentar tomar Monte Castello. Como era uma montanha, lá em cima um soldado valia por 20. Era como o que um policial passa hoje ao tentar subir um morro com o traficante vendo tudo de cima. Tínhamos medo. Foi uma experiência dolorosa”.

A marcha de volta para casa

No dia 8 de maio de 1945, a guerra acabou na Europa com a rendição formal do governo alemão às potências aliadas. Vasco, assim como os mais de 20 mil brasileiros que lutavam na Itália, foi enviado de volta para casa.

Vasco e os demais veteranos foram recebidos calorosamente pela população ao voltar para casa. “Era gente que não acabava mais, festas que não acabavam”. Mas foram abandonados pelo governo. Só vieram a receber suas pensões como ex-combatentes 43 anos depois, quando a constituição de 1988 veio a reconhecer esse direito.

O abandono por parte do governo não foi apenas financeiro. Vasco Duarte, assim como a grande maioria dos veteranos, tentou seguir uma vida normal depois da guerra, trabalhando como polidor de jóias. Mas os traumas da guerra o perseguiram. “Eu voltei inseguro. Para atravessar uma ponte, precisava fechar os olhos e pedir para alguém me segurar até o outro lado. Passei vários anos assim”. As lembranças dos campos minados também o assombraram, deixando-o sempre com medo de pisar no chão.

O veterano conta que o distúrbio de estresse pós-traumático foi um problema comum entre os ex-combatentes da campanha na Itália, e que o governo não forneceu apoio para que pudessem receber tratamento. “Muitos se mataram, ou ficaram dependentes do álcool”. Vasco teve que resolver seu problema por conta própria: 37 anos depois da guerra, graduava-se no curso de psicologia. “Precisava me curar e curar os outros”.

Mas o abandono do governo não fez Vasco perder a fé no Brasil. Quando questionado sobre como enxerga o Brasil de hoje, o veterano respondeu duas vezes com convicção: “Ainda é o melhor país do mundo. Nem Vaticano, Estados Unidos, Argentina, China ou Japão são melhores. O melhor país do mundo é o Brasil. Aqui nós temos mais liberdade que os outros. Temos carnaval, temos futebol. Temos mais amor, mais carinho…”. Falou também da generosidade dos brasileiros, que foi visível na guerra. “Ingleses e americanos não dão nada a ninguém. Já nós dividíamos nossa comida com os italianos sem pedir nada em troca”.

O contexto da guerra

O dia 8 (esta quarta), em que se recorda o “Dia da Vitória” na Segunda Guerra Mundial, trata da data formal da rendição da Alemanha nazista em relação aos Aliados. Militares das Forças Armadas do Brasil participaram da campanha.  No dia 31 de agosto de 1942, após torpedeamentos de navios brasileiros por submarinos alemães e italianos, Getúlio Vargas assinou o Decreto nº 10.358 (confira como foi redigido à época). Estava declarado estado de guerra em todo território nacional. O Brasil se juntava oficialmente aos esforços aliados contra a Alemanha, Itália e Japão. Dois anos depois, desembarcou em Nápoles o primeiro contingente da Força Expedicionária Brasileira (FEB).

 A coalizão aliada contou com a adesão de mais de uma dezena de países que ajudaram de forma direta ou indireta no combate ao Eixo. O pesquisador Antônio Guerra (tenente reformado da FAB), estudioso da 2ª Guerra Mundial e membro honorário do 1º Grupo de Aviação de Caça (GAvCa), disse que os militares brasileiros tiveram uma trajetória heroica na campanha na Itália.

Soldados brasileiros combatendo em Montese.

O Brasil antes da guerra

Quando a Segunda guerra mundial começou, em setembro de 1939, o Brasil assumiu uma postura neutra em relação ao conflito. “Getúlio Vargas era simpatizante do fascismo, mas era cercado por uma equipe de pessoas que pensavam diferente dele”, afirma Antônio Guerra. Se por um lado o Brasil importava dos países do Eixo diversas medidas governamentais (como a CLT, que se inspirava na legislação trabalhista italiana), por outro, o Brasil exportava materiais estratégicos como minério de ferro e látex para alimentar a indústria bélica das Potências Aliadas. Getúlio Vargas chegou a afirmar que seria “mais fácil uma cobra fumar cachimbo do que o Brasil participar da guerra na Europa”.

Segundo o tenente Guerra, o flerte com o Eixo decaiu graças à política de Osvaldo Aranha, na época ministro das Relações Exteriores do governo de Getúlio Vargas. Osvaldo Aranha tinha um relacionamento próximo com o governo norte-americano, e pressentia, desde cedo, a derrota do Eixo. Guerra aponta que o ministro tentou convencer Vargas de que um alinhamento com as forças aliadas seria mais vantajoso, ao mesmo tempo que aplicou uma política de aproximação entre Brasil e Estados Unidos.

Essa política de aproximação foi logo percebida pela Alemanha e Itália, que enviaram seus submarinos ao Atlântico Sul para iniciar uma campanha intensa de torpedeamentos a navios comerciais brasileiros, que transportavam mercadorias para a Inglaterra e aos Estados Unidos. “Em agosto de 1942, os alemães chegaram a afundar seis navios em menos de uma semana”, contextualiza o pesquisador. A agressão aos navios brasileiros fez com que o Brasil declarasse guerra ao Eixo no dia 31 de agosto de 1942.

Jornal da época noticiando a vitória brasileira em Montese. Foto por João Carlos Teles.

Brasil vai à guerra

No ano seguinte, começaram os esforços para que o Brasil participasse da invasão aliada na Europa. O Exército mobilizou e treinou a divisão que viria a formar a Força Expedicionária Brasileira (FEB), com cerca de 25 mil homens. A recém formada Força Aérea Brasileira (nascida em 1941) criou seu 1º Grupo de Aviação de Caça, treinado nos Estados Unidos e equipado com caças americanos P-47. As mulheres também não ficaram de fora do esforço de guerra: 80 enfermeiras foram mobilizadas para participar da campanha da Itália.

O primeiro contingente da FEB desembarcou em Nápoles em julho de 1944.  Segundo o pesquisador, as primeiras unidades a entrar em ação foram os grupos de engenharia, que, por duas semanas, fizeram reparos e construções no território italiano ocupado pelos Aliados. Durante esse período, as demais unidades recebiam equipamento e treinamento para serem incorporados ao 5º Exército Americano. O batismo de fogo da FEB veio a acontecer em 16 de setembro de 1944.

A Força Expedicionária Brasileira e o 1º Grupo de Aviação de Caça alcançaram diversas vitórias importantes na campanha das Forças Aliadas na Itália. Algumas de destaque foram as vitórias nas batalhas de Monte Castello (1944-45) e Montese (1945) – posições fortificadas pelos alemães que davam acesso ao norte da Itália. Outra vitória marcante para a FEB foi em seu último combate, na batalha de Fornovo di Taro (1945), em que uma divisão alemã inteira se rendeu aos brasileiros.

A infraestrutura brasileira também teve um importante papel no esforço de guerra aliado. O nordeste brasileiro recebeu bases aéreas americanas, utilizadas para transportar suprimentos dos Estados Unidos até suas bases na África e na Europa. Em Natal (RN), foi construída a maior base aérea americana fora dos Estados Unidos.

A Campanha do Atlântico Sul

A Itália não foi o único palco da guerra em que o Brasil participou. Mesmo antes de entrar oficialmente no conflito, o Brasil já importava aviões e treinava pilotos para proteger o litoral contra os torpedeamentos de navios por parte dos submarinos alemães e italianos.

Ainda em 22 de maio de 1942, um bombardeiro brasileiro já havia afundado um submarino alemão próximo ao arquipélago de Fernando de Noronha. Cinco dias depois, os aviões brasileiros realizaram mais dois ataques a submarinos alemães. Em junho do mesmo ano, Adolf Hitler ordenou uma ofensiva submarina contra a navegação marítima na costa brasileira.

Ao todo, 35 navios brasileiros foram atacados ao longo do conflito pelos alemães e italianos, sendo 26 dentro do litoral brasileiro. Mas com a entrada oficial do Brasil no conflito, tornou-se possível realizar um esforço conjunto da Força Aérea e a Marinha para que fosse retomado o controle do Atlântico Sul, uma operação que resultou no afundamento de um total de 11 submarinos do Eixo.

Caças P-47, utilizados pelo 1º Grupo de Aviação de Caça na Itália.

Impacto para o Brasil

Entre os anos de 1942 e 1945, o Brasil permaneceu oficialmente em estado de guerra.  Mais de 25 mil militares do Exército e 350 da Aeronáutica (sendo 43 pilotos) foram treinados e enviados para lutar na Itália. A Marinha realizava um esforço conjunto com a Força Aérea para garantir a proteção do Atlântico Sul. Mas os impactos da Segunda Guerra Mundial não foram sentidos apenas pelos militares: toda a população civil esteve envolvida no esforço de guerra, e as consequências disso foram sentidas mesmo depois do conflito acabar. Segundo o historiador Frederico Tomé, a guerra trouxe diferentes impactos para o país, inclusive de industrialização.

Rendição da 148º Divisão de Infantaria alemã para a Força Expedicionária Brasileira na campanha da Itália. Acervo do Quartel General do Exército. Foto por Lucas Neiva.

O Brasil na era do aço

Um dos primeiros e mais importantes impactos da Segunda Guerra Mundial para o Brasil foram as mudanças que o conflito trouxe para a economia brasileira. Foi uma guerra de enormes proporções, talvez com a maior mortalidade de todos os tempos em um curto espaço de tempo. Isso trouxe impactos duradouros e marcantes na economia”, afirma Tomé.

O historiador explica que o Brasil vivia desde 1930 um projeto desenvolvimentista voltado para a industrialização. Esse projeto foi logo comprometido pela guerra ao tirar parte do poder de barganha do Brasil com outras nações. “Antes, o Brasil negociava livremente com os Estados Unidos e com a Alemanha para executar seus projetos. Mas as diversas pressões internas e externas puseram o Brasil em alinhamento quase que exclusivo com os norte-americanos, tirando de certa forma sua capacidade de barganha”.

Mas se na economia externa o impacto foi negativo, no cenário interno a guerra serviu para acelerar o processo de industrialização. “A Segunda Guerra Mundial vai exigir do Brasil um esforço de guerra que de certa forma foi benéfico para a sua economia”. Tomé explica que o Brasil passou a precisar manufaturar por conta própria diversos produtos que antes eram importados e que a guerra impedia de chegar. Além disso, o alinhamento com os Estados Unidos resultou na criação da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), que possibilitou ao Brasil construir a infraestrutura necessária para a expansão do seu parque industrial.

O comércio brasileiro também se beneficiou da guerra. “O Brasil conseguiu, no prazo da guerra, um superávit comercial considerável por conta das demandas de produtos bélicos e de outros produtos necessários para a guerra”. A alta demanda pela exportação de mercadorias nacionais em um ambiente que não era tão atingido pela guerra quanto nos países europeus favoreceu muito o projeto de industrialização do Brasil que já acontecia desde a década de 1930.

A volta da democracia

A popularidade de Getúlio Vargas foi profundamente afetada pela guerra, o que resultou em mudanças profundas na política nacional. Frederico Tomé afirma que a guerra revelou uma contradição em seu governo, que enviava milhares de soldados para enfrentar ditaduras totalitárias na Europa enquanto realizava no Brasil as mesmas práticas desses regimes, desempenhando o mesmo papel de um ditador.

“A guerra revelou a inviabilidade do regime que se mantinha por aqui”. Com o fim da guerra, os militares forçaram a renúncia do presidente Getúlio Vargas, o que resultou na abertura política que durou de 1945 até 1964. “As demandas e contingências da guerra envolveram politicamente diversos setores da economia e da sociedade brasileira, aumentando a exigência por uma democratização conforme o Brasil ficava mais envolvido com o conflito”.

Mas a Segunda Guerra Mundial teve por consequência um evento nada benéfico para a política externa brasileira: a guerra fria. “A guerra fria dividiu o mundo em dois extremos: um socialista e um capitalista. Para a América Ibérica, o alinhamento com os Estados Unidos foi automático mas sem que chegassem benesses econômicas”. A guerra fria fez com que o Brasil perdesse parte do seu potencial de negociação sem receber nenhum investimento em troca, ao contrário do que aconteceu com os países europeus.

Forças armadas modernas e profissionais

Um efeito notável da 2ª Guerra Mundial para a realidade brasileira foram as mudanças provocadas nas Forças Armadas, que passaram por um processo de modernização e de profissionalização que é sentido até hoje.

“Desde a Guerra do Paraguai (1864-1870) que o Exército passou por um período de sucessivas tentativas de modernização, mas sem muita ordem e sem muita hierarquia, sem conseguir abrir mão de muitas práticas do período imperial e até mesmo colonial. Mas na segunda guerra mundial isso muda de figura.”

O historiador afirma que a Segunda Guerra Mundial possibilitou a institucionalização do Exército. O Exército se tornou uma unidade mais coesa, contando com lideranças mais fortes e menos (e menores) conflitos internos (principalmente ao manter sob controle os grupos tenentistas). A força terrestre passou a contar com uma voz de comando única, que há muito tempo não era vista. Essa profissionalização e unificação do Exército foi muito benéfica no ponto de vista de Tomé.

A Aeronáutica também sofreu mudanças profundas com a guerra, sendo praticamente fruto desta. A Força Aérea Brasileira foi criada em 1941, apenas um ano antes do Brasil declarar guerra. O conflito também proporcionou uma modernização do seu equipamento e a criação do seu 1º Grupo de Aviação de Caça.

A Marinha também contou com uma modernização em sua estrutura, abrindo mão de diversas tradições em sua estrutura burocrática para se adaptar à realidade do século 20.

Novos ares na mentalidade do Brasil

Segundo Frederico Tomé, a mentalidade brasileira foi bastante afetada pela guerra, ao proporcionar ao Brasil uma possibilidade de alcançar o que buscava desde a proclamação da República: a inserção do Brasil no mundo. “O Brasil era uma colônia muito isolada de Portugal, e também pouco se vendeu no período do Império. Desde a proclamação da República que se tentava romper esse isolamento e abrir o Brasil ao mundo”.

A tentativa de se mostrar ao mundo como um ator importante frente às outras nações acelerou bastante com a 2ª Guerra Mundial. Os brasileiros passaram a ter uma melhor percepção do papel do Brasil no mundo enquanto líderes regionais, quanto às suas possibilidades econômicas e culturais. “Surgiu no Brasil uma mentalidade de se perceber no mundo”, afirma o historiador. “A guerra mostrou que nós éramos capazes de sair da nossa bolha e se encaixar na política mundial. Ela favoreceu a autoestima do brasileiro”.

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