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Literatura

O quadradinho nas estantes das livrarias

Escritores brasilienses crescem ao compartilhar histórias que aproximam o leitor e ganham espaço no cenário nacional

Mayra Dias

09/04/2024 12h02

Livro de Maíra Valério. Crédito: Mariana Alves.

Livro de Maíra Valério. Crédito: Mariana Alves.

Conhecida por ser a Capital do Rock, Brasília também guarda grandes talentos da literatura. Embora não sejam poucos os desafios enfrentados pelos escritores daqui, aos poucos esses artistas conseguem conquistar seu público, seu espaço e seu reconhecimento.

Uma pesquisa encomendada pela Câmara Brasileira do Livro (CBL) mostra que 84% dos brasileiros acima de 18 anos de idade não compraram livros em 2023. A pesquisa ainda revela que 60% dessas pessoas consideram o hábito da leitura importante, mas se sentem desmotivadas para comprar livros. Entre os que adquiriram pelo menos um livro em 2023, 57% são mulheres e 43% são homens. Diante desse panorama, ao estarem diante de uma folha em branco, os escritores se deparam com um revés: despertar a vontade do leitor. E isso os autores brasilienses fazem bem.

Trazendo o leitor para perto

“Gosto de colocar uma lupa em temas cotidianos, domésticos, aparentemente banais e revelar os absurdos da existência humana, para o bem ou para o mal”, compartilha Maíra Valério, autora de “Homens que nunca conheci”. “Neste livro, temas cotidianos são atravessados pela questão da solidão e da masculinidade tóxica”, destaca a escritora da obra lançada em 2020.

Escritora Maíra Valério. Crédito: arquivo pessoal.
Escritora Maíra Valério. Crédito: arquivo pessoal.

Para construir a ponte de acesso aos escritores da atualidade para além do que está exposto em grandes livrarias, Maíra, 36 anos, tenta realizar projetos de formação de público, como o #LeiaBSB (@leia.bsb no Instagram). “Este é voltado para a divulgação e fortalecimento da escrita realizada no Distrito Federal. Por meio dele, já rolou campanha de arrecadação de livros de autorias do DF para a Biblioteca Pública de Brasília (foram arrecadados mais de 300 títulos), clube de leitura, feira literária, além de participação em palestras e conversas e muito mais”, comenta a escritora nascida e crescida no Guará. “Pude ver que o DF é muito rico e diverso quando se fala em talentos literários, e que existe público interessado”, acrescentou.

Partindo da mesma estratégia – de escrever sobre sentimentos –, Isabella Andrade, de 34 anos, começou a escrever em diários, fabulando o cotidiano, contando o que tinha feito e desenrolando alguns dramas. “Aos poucos, esse exercício mais pessoal foi para os blogs e páginas de Facebook. Experimentei o contato com o público, até que comecei a entender que gostava, realmente, de escrever aquelas ficções, algo que já exercitava no teatro”, relembra a moradora da Asa Norte.

Escritora Isabella Andrade. Crédito: arquivo pessoal.
Escritora Isabella Andrade. Crédito: arquivo pessoal.

Para ganhar o leitor, ela aposta na proximidade. “Gosto de temas que me movimentam, que me afetam ou me despertam emoção, reflexão e mudança de alguma forma, tanto na leitura quanto na escrita. E gosto também de pensar em temas que dialogam com o meu tempo, isso acontece muito em Baixo Paraíso, meu romance”, pontua Isa. A narrativa do seu livro mostra uma relação amorosa entre duas mulheres de forma natural, sem clichês ou sem que isso se torne um ponto de impasse.

Além desta, uma temática bastante atual e que ganha holofote em sua obra é a pressão estética, sofrida pelas mulheres ao longo de toda a história da humanidade. “A protagonista, Marília, passa a vida inteira em busca de um corpo menor, de emagrecer. Essa procura incessante traz diversas consequências, como o vício em remédios, menor maleabilidade social e ansiedade. Acredito que esse diálogo com o tempo atual, cria uma experiência mais próxima com o leitor, mas sem perder a capacidade de fabular e de se permitir entrar na ficção”, comenta a escritora.

Tal temática trouxe para Isabella uma legião de leitores fiéis que se identificaram com o que ela traz em seu livro. “Com Baixo Paraíso, lançado em 2023 pela Editora Diadorim, o retorno tem sido ótimo. Muita gente gosta de ler e enviar mensagem para contar um pouco da experiência que teve com o livro, ou até mesmo compartilhar resenhas e vídeos. E esse retorno é sempre incrível, mostra uma troca muito próxima entre autor e leitor que não era possível antigamente. Acredito que isso traz novas camadas para o livro. Cada leitor descobre outras possibilidades na história, ou se movimenta mais a partir de trechos diferentes. É uma delícia ver que o título circula, é lido e encontra seu propósito”, completou.

Escritora Pamella Rodrigues. Crédito: arquivo pessoal.
Escritora Pamella Rodrigues. Crédito: arquivo pessoal.

Pamella Rodrigues, de 33 anos, também encontrou seu lugar na literatura. “A escrita para mim sempre foi um mecanismo importante para processar o movimento do mundo e da minha própria vida. Muitas vezes, foi estratégia para romper os silêncios que me foram impostos de diferentes formas em diversos momentos, mesmo que os escritos ficassem só para mim”, ressalta. Em 2021, ela decidiu começar a partilhar seus textos em um perfil do Instagram (@escritorapamelarodrigues), e publicou o seu primeiro livro de poemas em 2023, chamado “Areia não é sujeira”, pela Editora Patuá.

Dentre seus temas principais, estão histórias femininas. “De mulheres que admiro. O cotidiano e seus tons de sublime. Escrevo muito a partir das minhas memórias e de quem me cerca, dos acontecimentos, dos afetos, das cenas e histórias que roubo na rua, das notícias, sempre refletindo sobre o político que cerca essas pequenezas. É o miúdo que me inspira e move a palavra em mim”, revela a escritora que cresceu em Samambaia.

Quanto ao retorno dos leitores, ela conta que tem sido positivo. “Nestes poucos anos de vida pública como escritora, e durante o ano de vida do meu livro, “Areia não é sujeira”, tenho recebido retornos muito tocantes sobre os meus escritos, depoimentos de identificação e carinho com meus textos. Esse movimento tem me mostrado como o que consideramos o micro é universal também e afeta muito quem lê. Essa interação me permitiu ser lida em clubes de leitura, participar de entrevistas, lives em redes sociais e podcasts para contar sobre meu trabalho, e também recebi algumas resenhas muito tocantes da minha primeira publicação”, compartilha, feliz a também assistente social do MPDFT.

Escritor Lucas Castor. Crédito: Arquivo pessoal.
Escritor Lucas Castor. Crédito: Arquivo pessoal.

Outro grande nome do cenário literário de Brasília é Lucas Castor, que passou a maior parte dos seus 35 anos na Asa Sul. “Comecei a escrever ficção no fim de 2017. Morava em Barcelona, enfrentava meu primeiro inverno europeu e estava terminando um relacionamento. Foi uma forma tanto de escape quanto de diversão”, conta. Seu primeiro conto, que depois virou seu primeiro romance, surgiu de uma frase. “É possível cavalgar um cavalo sem um cavalo”. “E eu sei lá de onde tirei isso”, brinca o escritor. ” Mas algum tempo depois de publicar ‘Cavalo’, alguém me disse: Você fala de masculinidades. Ou seja, das diferentes formas de ser homem. Não pensei em escrever sobre masculinidades de antemão; quando me dei conta, era o tema que mais aparecia na minha escrita. Abracei-o e hoje trabalho de uma forma mais consciente, junto a outros temas, como violência física e opressão do Estado, alguns dos meus favoritos”, comenta Lucas.

As diferentes interpretações do que escreve é o que mais desperta a alegria do autor. “É a parte mais gostosa de se publicar um livro. Recebo todo tipo de retorno, mas os mais legais são as interpretações que eu nem imaginava possíveis sobre a obra. Por exemplo, uma vez um amigo disse, A personagem X é uma invenção da cabeça do C, né? E fazia total sentido, apesar de eu nunca ter visto isso”, rememora Lucas.

O diferencial do seu trabalho é, justamente, trazer um outro ponto de vista. “Houve dois caras que eu copiei muito no início da minha escrita: José Saramago e Haruki Murakami. As referências aos dois são evidentes no meu romance de estreia, o Cavalo. Nos últimos anos, tenho lido com bastante inveja o Roberto Bolaño e o Philip Roth. Pergunto-me: como foram capazes de fazer algo tão bom? Malditos!”, brinca o autor. “Meu último escrito foi um conto. Vou contar. Tava de férias em Finale Ligure, costa norte da Itália. Lugar lindo, muita escalada e mountain bike. Choveu o dia todo. À noite, saí do Airbnb caminhando por uma rua mal iluminada. Sem querer, pisei num caramujo e o pobre do bicho explodiu, poc. Daí escrevi um conto em que o personagem principal é o Caramujo, um cara que vai ser esmagado em Finale Ligure”, comenta Lucas.

Literatura que ganha outros espaços

Ao ser questionado sobre o reconhecimento de autores do DF tanto dentro quanto fora do quadrado, Lucas acredita que este tem crescido nos últimos anos, mesmo enfrentando adversidades. “Ano passado, por exemplo, o ótimo livro “Em Brasília, setembro”, da Livia Milanez, foi finalista do Jabuti (importante dizer: um livro totalmente independente). O fantástico “Vale o que tá escrito”, do Dan, teve uma repercussão muito boa país afora (aposto que vai ganhar uns prêmios em 2024). Claro que é difícil quebrar a bolha Rio-São Paulo, mas há literatura boa e corajosa sendo feita no Distrito Federal”, pontua o artista.

Ao JBr, Dan Oliveira conta que, em sua escrita, busca abordar temas como violência, solidão, amizade e resiliência. “São algumas das questões que percebo com frequência nas coisas que escrevo. Lancei meu primeiro romance em 2023 e o retorno do público tem sido melhor que eu imaginava. O livro saiu entre os 20 melhores de 2023 na Folha de S. Paulo e ganhou resenha em vários veículos de mídia”, salienta Dan, que é professor de criação literária e de roteiro para cinema. Ele conta que começou a escrever muito jovem, em momentos que estava sozinho. “Comecei a escrever ficção com uns 12, 13 anos, mesma época em que comecei a ficar em casa sozinho. Morava em uma kitnet e aproveitava as poucas horas de privacidade e liberdade para inventar umas histórias”, relata.

À você, futuro escritor….

“…Que nunca se esqueçam que escrever é massa“, pondera Dan Oliveira. Para quem gosta e sonha em mostrar para o mundo o que é capaz de transmitir com as palavras, esses grandes autores ressaltam a importância de não deixar de lado a paixão. “Siga escrevendo. No vaso, nas brechas do tempo, no celular enquanto anda de ônibus, escondido no trabalho“, orienta Maíra Valério. “Por vezes, a vida não irá nos permitir ser o escritor idealizado, escrevendo concentrado com um pijama de cor clara ao nascer do sol, ao lado de uma xícara de café. Mas o importante é seguir escrevendo, incentiva a escritora.

Escrevam para ninguém e todo mundo, mas escrevam sem medo“, reitera Pamella Rodrigues. “Escrevam a dor, as coisas pequenas, invisíveis, solenes, incríveis, fantásticas e verdadeiras. Não importa o tom, tamanho ou ritmo da sua história, você é a única pessoa que pode contá-la. Leia muito e sem parar! Leia suas contemporâneas, converse e encontre com elas“, acrescentou a escritora.

Por outro lado, eles recomendam um aumento de visão, uma forma de recorrer diante de dificuldades. “Se é o que você ama, vale à pena seguir em frente, principalmente pela realização pessoal. Mas, se a vontade é seguir carreira, vale investir em formações que possibilitem trabalhos na área como trabalhos de redator, jornalista, repórter, roteirista, acredita Isabella Andrade.

Pra quem ama escrever, tenho pouco a dizer. Que sorte a sua. Eu diria para ter calma e arranjar outra fonte de renda até conseguir se estabelecer no meio literário. É muito, mas muito difícil se bancar apenas vendendo livro“, pontua Lucas Castor. “Mas o campo da literatura é muito maior que, simplesmente, o mercado editorial. Há oficinas, leitura crítica, tradução, a própria academia. Com esforço, é possível encontrar seu ganha-pão no rolê“, finaliza o autor de ‘Cavalo’.

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