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Literatura

‘Ao Paraíso’, de Hanya Yanagihara, é catatau aquém de sua ambição

Autora de ‘Uma Vida Pequena’ mistura temporalidades em seu novo livro, sem desenvolver o contexto das épocas retratadas

FolhaPress

26/12/2022 15h58

A escritora Hanya Yanagihara, autora de ‘Uma vida pequena’ e ‘Ao Paraíso’ – Divulgação

CAMILA VON HOLDEFER

Depois do sucesso de “Uma Vida Pequena”, eram grandes as expectativas em torno de “Ao Paraíso”, outro calhamaço da escritora americana Hanya Yanagihara.

O romance se divide em três partes, que correspondem, de modo geral, aos anos de 1893, 1993 e 2093. Seria possível lê-las separadamente, uma vez que o que as une é bastante vago.

Há uma casa em Washington Square que resiste ao tempo. Há um punhado de nomes que se repetem, o que sugere menos uma hereditariedade e mais uma espécie de essencialismo. É como se os vários Davids e Charles compartilhassem as mesmas características, ainda que estejam imersos em circunstâncias e relações distintas.

Na primeira parte, numa alusão às turbulências da Guerra Civil, os Estados Unidos se dividem basicamente entre Estados Livres -o Leste-, Colônias -Sul- e o Oeste. Nos Estados Livres, onde uma pessoa pode se casar com quem bem entender, o ricaço e frágil David Bingham se apaixona por um jovem volúvel e possivelmente arrivista. David terá, então, de escolher entre ele e o homem com quem já está comprometido, o previsível Charles Griffith.

É clara a referência a Henry James e seu “A Herdeira”. Ao contrário da condução de James, aqui a narrativa é deixada à deriva, constituindo uma sucessão de digressões e cenas repetitivas e anódinas. O próprio pano de fundo geopolítico resta em grande parte inexplorado.

A segunda parte é a mais interessante. Ela tem início em 1993, em Nova York, com David Bingham, um jovem de origem havaiana que namora um sujeito chamado Charles Griffith. É o auge da epidemia de Aids, e temas como as redes de apoio, o afeto e o cuidado são abordados com imensa delicadeza. A narrativa então recua até a década de 1970, e quem a assume é o pai de David, um homem inseguro que nunca se encaixou.

Os contextos socio-históricos, são pouco desenvolvidos -por mais essenciais que sejam para a trama, Yanagihara os mantêm à distância, fornecendo detalhes genéricos e pouco aprofundados. Como nas demais partes, tentativas de abordar classe e raça acabam perdidas em meio a dezenas de outros assuntos.

Também na terceira parte há duas linhas temporais. De um lado há a narrativa de uma jovem, Charlie, que tem de conviver com as sequelas debilitantes do uso de um remédio. De outro, num recuo no tempo, há a correspondência de Charles Griffith, avô de Charlie e cientista renomado, com um amigo.

A terceira parte é distópica. Os Estados Unidos têm um governo totalitário, não há imprensa, televisão, livros ou internet.

Direitos há muito assegurados, como o casamento entre pessoas do mesmo sexo, foram revogados. Grupos insurgentes demonstram de forma violenta seu descontentamento com as medidas adotadas nos combates às sucessivas pandemias -e muitas dessas medidas foram implementadas pelo próprio Charles.

Quando se trata de retratar os vínculos humanos e os sentimentos complexos e nuançados que os constituem, Hyanagihara é de fato excelente: eis a razão do sucesso de seu romance anterior. Na terceira parte, é a conexão entre avô e neta que ganha destaque -às custas, porém, do desenvolvimento mais pormenorizado de questões fundamentais envolvendo a atuação de Charles junto ao governo, uma vez que foram as tentativas de conter a propagação dos vírus que respaldaram a instauração do governo totalitário.

Em certo sentido, não há sutileza ou mesmo bom gosto na escolha de palavras. Charles é convocado a atuar como “arquiteto da solução”, o que ecoa o papel do nazista Adolf Eichmann. Mas a solução de Charles parte, de forma razoável, do isolamento dos doentes. Ele, porém, diz saber “por experiência própria que o cuidado às vezes tem mais características de ditadura do que de amor”.

“Ao Paraíso”, que ganhou tradução impecável de Ana Guadalupe, não é de todo mau. É um projeto de fôlego, e a ambição de Yanagihara, aliada à sua capacidade de construir personagens e relações complexas, é louvável.

O que o enfraquece é seu ocasional andar em círculos, seu desvio de questões espinhosas e sua escolha indefensável de tratar circunstâncias decisivas como acessórias.

AO PARAÍSO
Avaliação Regular
Preço R$ 129,90 (720 págs.); R$ 49,90 (ebook)
Autor Hanya Yanagihara
Editora Companhia das Letras
Tradução Ana Guadalupe

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