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Cinema

Sophie Charlotte vive uma Gal Costa tímida que foi voz e corpo da tropicália em filme

Para retratar essa Gal tímida, que vai se soltando ao longo do filme, a dupla de diretoras apostou na química entre os atores

Redação Jornal de Brasília

11/10/2023 15h23

Atualizada 15/03/2024 17h53

Foto: Stella Carvalho / Divulgação

LUCAS BRÊDA
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)


Quando começaram a fazer o filme sobre Gal Costa, as diretoras Lô Politi e Dandara Ferreira se depararam com um problema. “É muito difícil você retratar num filme, cinematograficamente, um personagem cujo movimento é interno. Eu diria que é quase impossível mesmo”, diz Politi.

A diretora se refere à timidez de Gal Costa, que não era exatamente a mais articulada dos nomes por trás da tropicália, ainda que tenha sido a voz e o corpo do movimento. O resultado desse desafio está na cinebiografia “Meu Nome É Gal”, que chega aos cinemas nesta quinta-feira (12).

O longa, com Sophie Charlotte na pele de Gal, se passa entre o fim dos anos 1960 e o começo da década seguinte, e narra a gênese da tropicália através da trajetória da cantora. Mostra a baiana chegando no Sudeste, e como ela era, de maneira espontânea, a representação mais fidedigna das ideias de Caetano Veloso, Gilberto Gil e outras mentes por trás do movimento.

“Falar da timidez de Gal já é notório, então é contar desse universo interno em que ela consegue colocar tanta emoção, tanta alma em cada canção. É o que está passando dentro, no imaginário, no pensamento”, ela diz. “Não é na palavra -é na expressão, no gesto, no que vai ser criado em seguida, no próximo disco. Um processo interno que vai desaguar na obra.”

Para retratar essa Gal tímida, que vai se soltando ao longo do filme, da cantora de voz “pequena”, sob influência da bossa nova, até a explosão em “Divino, Maravilhoso”, a dupla apostou na química entre os atores.

Não só Rodrigo Lelis, que vive Caetano, e Dan Ferreira, o Gilberto Gil, mas personagens fundamentais para a história como Dedé Gadelha (Camila Márdila), ex-mulher de Caetano, e o empresário Guilherme Araújo (Luis Lobianco).

“Se essa história não virasse cinema através dos corpos dos atores, e não do texto do roteiro, o filme não aconteceria”, diz Politi.

Devido à pandemia, o elenco passou mais de um mês numa casa em Granja Viana, em São Paulo, o que acabou estreitando os laços daquela turma –de certa forma, espelhando a turma tropicalista do longa. Não havia um cronograma fixo, diz Lobianco. “A gente cozinhava, fazia festa, ouvia música, assistia a filmes.”

A ideia de extrair parte da personalidade de Gal através dessas relações partiu de Charlotte. “Quando essas personalidades se apresentam, as relações que a Gal tem cada um vão se tornando específicas”, ela diz. “Sai de um conceito [genérico] de amizade para ser, por exemplo, a amizade [específica] com o Guilherme. O vínculo que ela tinha com ele era de um jeito, é um jeito de conversar. Com o Gil, é outro, com a Dedé…”

Para Dandara Ferreira, “Meu Nome É Gal” é a história de um processo que envolve um contexto político, incluindo a ditadura militar e o Maio de 68 na França, em que Gal era central. “Não gosto dessa ideia de que sempre foram os outros que estimularam a Gal”, ela diz. “Linguagem não é só através da fala, tem várias outras formas. Está no coletivo, mas nela também.”

No centro disso tudo, está Charlotte. Nesta entrevista, feita numa tarde de segunda-feira, em Salvador, onde o filme foi exibido pela primeira vez, ela é a que menos fala e, quando diz algo, não faz questão de subir o volume da voz. De certa forma, um tanto como a Gal absorta a que ela dá vida.

Mas, no longa como na vida, é uma Gal que vai desabrochando conforme lida com pesos autoritários que agem de formas diferentes sobre ela -seja a mãe, Mariah, vivida por Chica Carelli, seja a ditadura. Nesse processo, diz Ferreira, floresce também uma sexualidade fluida que reflete o período hippie de liberdade sexual e que se estende à turma tropicalista retratada no filme.

A Gal do filme, mas não apenas ela, se relaciona naturalmente com homens e mulheres, e vive um romance com uma personagem chamada Lélia, vivida por Elen Clarice. Não se trata de alguém que tenha existido na vida real, explica Politi, mas “simboliza vários tipos de relacionamento que todos eles tiveram”.

É um recurso usado também com outros personagens que, “mesmo sendo verdadeiros, são ficcionais”, segundo a diretora. “Por exemplo, o Rogério Duarte não fazia coisas que o Rogério do nosso filme faz, então ele também é um pouco síntese de algumas pessoas que estavam em volta deles naquele momento e foram muito importantes.”

“Meu Nome É Gal” também é contado através das músicas, que são uma espécie de guia do ouvinte. Algumas surgem em sua versão original, enquanto outras são entoadas pelos atores, com destaque para o canto de Charlotte, no qual Gal se enxergava desde que viu a atriz interpretando “Sua Estupidez” com Roberto Carlos.

Para Charlotte, foi algo natural, e pode ter a ver com a relação das duas com a bossa nova. “Com uns seis anos, ganhei do meu pai uma fita com músicas do João Gilberto, e ficava ouvindo para cantar bonito com ele para as visitas”, ela diz, citando a principal influência no canto de Gal. “Fiquei com aquela voz na cabeça, e só anos depois descobri que ele era um senhor -não o meu príncipe encantado.”

Gal, aliás, não só participou da escolha de Charlotte, mas foi ela própria quem pediu a Ferreira para fazer o filme sobre ela. As duas se conheceram quando a cineasta fez a série documental “O Nome Dela é Gal”, da HBO.

“Um mês depois que estreou, ela disse ‘estão me procurando para fazer um filme sobre a minha vida, e eu queria que você fizesse”, diz a diretora, que também interpreta Maria Bethânia no longa. “Criamos uma relação de confiança e parceria.”

Mas a participação dela foi limitada, ainda que ela trocasse ideias com a diretora sobre figurino e comentasse vídeos de Charlotte cantando nos ensaios. E um pedido da tropicalista foi atendido. “Quando fizemos uma apresentação [da ideia do filme], ela falou ‘ainda bem que saiu os anos 1980.”

Gal, diz Ferreira, dizia que queria ser surpreendida pelo resultado e, de muitas maneiras, “Meu Nome É Gal” foi feito para que ela estivesse no Cine Glauber Rocha naquela segunda em que o longa foi exibido pela primeira vez. É uma obra feita como uma declaração de amor à voz que se calou há mais ou menos um ano, quando a cantora morreu.

Devido ao recorte, o filme foi pouco modificado após a morte da protagonista -há apenas um tributo mais literal nos créditos e um foco maior na “Gal real”, como diz Politi, na última edição. Mas impactou individualmente e coletivamente a todos que participaram da obra.

“A mim, deu medo num primeiro momento”, diz a diretora. “A expectativa de todo mundo cresceu muito, e a nossa responsabilidade também -passou de um para 1 milhão.”

Dandara diz que o filme acabou ganhando outro significado. “Fica uma homenagem maior”, diz. “Ela era minha amiga, a gente estabeleceu uma relação. Fiquei triste por não poder mostrar para ela, porque foi um pedido. Mas tenho certeza que ela está vendo onde estiver.”

Charlotte não consegue segurar as lágrimas. “Conseguimos absorver um pouco desse sentimento -essa saudade, essa homenagem. Reverberou nessa reta final da montagem”, diz a atriz. “Faz parte.”

MEU NOME É GAL
Quando: Estreia em 12/10
Classificação: 16 anos
Elenco: Sophie Charlotte, Rodrigo Lellis, Camila Mardila, Luis Lobianco, Dan Ferreira, Dandara Ferreira, Chica Carelli, George Sauma
Produção: Paris Filmes. Brasil, 2023
Direção: Dandara Ferreira e Lô Politi
Roteiro: Lô Politi, Maíra Buhler e Mirna Nogueira

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