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Chico Buarque lança livro com contos que revelam o patético da condição humana

São narrativas em que a agudeza da observação torna qualquer fato considerado banal em um ato irônico e reflexivo sobre até onde pode chegar a sordidez humana

Redação Jornal de Brasília

14/10/2021 14h43

Imagem: Reprodução/Instagram

O áspero cotidiano do Brasil tem inspirado cada vez mais a obra de Chico Buarque, como comprova o livro Anos de Chumbo e Outros Contos, que a Companhia das Letras lança no dia 22. São narrativas curtas, em que a agudeza da observação torna qualquer fato considerado banal em um ato irônico e reflexivo sobre até onde pode chegar a sordidez humana (em especial, a brasileira).

Basta a leitura do texto que abre o volume, Meu Tio, que faz imediata referência à clássica e amorosa comédia de Jaques Tatit, mas que, ao final da narrativa, a torne mais próxima de outro filme, o incômodo Feios, Sujos e Malvados, de Ettore Scola Afinal, o tal tio, bacanão e dono de inexplicável poder, não leva a sobrinha apenas para passear – não cabe aqui revelar mais detalhes. O certo é que o comportamento de outros personagens revela-se ainda mais insuportável, como o demonstrado pela mãe da menina, que é irmã do homem e cuja preocupação descortina o padrão moral da sociedade, medido em níveis cava vez mais baixo

Não é possível sorrir com tal conto, ao contrário do seguinte, O Passaporte, no qual surge novamente uma figura que se destaca, “o grande artista”, autor de atos justificáveis do ponto de vista pessoal, mas condenáveis para quem vive em sociedade. Novamente, Chico revela como a rachadura no caráter tornou-se comum, não uma exceção. O que torna toda a situação vivida durante uma viagem de avião em algo risível.

Já em Os Primos de Campos, o leitor se depara com milícias e uma polícia que peca pela violência, contribuindo para esquentar a questão racial.

Mas seria injusto limitar Anos de Chumbo a um punhado de narrativas amarguradas. O contraponto está, por exemplo, no belo Para Clarice Lispector, Com Candura, em que o autor narra a história de um jovem aspirante a poeta que, certo dia, é convidado à casa de sua escritora favorita. Até aqui, ficção coincide com realidade, pois o próprio Chico chegou a visitar a escritora, que morreu em 1977. A atualidade logo se impõe, no entanto, quando o jovem autor se torna obcecado por Clarice, a ponto de publicar textos na internet como se fossem dela. Chico parece dizer que os sonhos podem, sim, ser sucedidos de pesadelos.

“A assimetria meio trágica do encontro e a catalisação do delírio mostram os riscos embutidos em se deixar seduzir por uma imagem”, observa o também escritor Alejandro Chacoff, em crítica que consta no material de divulgação. “Uma pergunta que tanto o conto como o livro suscitam é o que ocorre quando um país inteiro – metade numa direção, metade em outra – se deixa levar por esse tipo de sedução.”

Mesmo nos momentos mais sublimes, Chico Buarque não deixa seu leitor se esquecer da sociedade que o rodeia, como já fizera na faixa Caravanas, do disco de mesmo nome, lançado em 2017, e cuja letra dizia: “Tem que bater, tem que matar, engrossa a gritaria. Filha do medo, a raiva é mãe da covardia”. Era a visão de como um burguês carioca via as “caravanas”, ou seja, os ônibus que trazem moradores de morros e periferias do Rio às praias da zona sul, como Copacabana e Leblon. Também nos contos de Anos de Chumbo, Chico Buarque deixa essa persona mais contestadora revelar sua insatisfação, trazendo lirismo em vigas mestras e harmonia em canos enferrujados.

“Num ambiente literário cheio de apocalipses estrondosos, Buarque evoca o presente sombrio com alguns deslocamentos sutis, seguindo a máxima dos grandes contistas: a de extrair o máximo de efeito com o mínimo de movimento”, completa Chacoff.

Estadão Conteúdo

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