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Rap canta as quebradas: conheça a história de artistas independentes do DF

Por conta da identificação com a música, o rapaz de 20 anos de idade viu na arte uma oportunidade de crescer na vida e contar a própria história

Redação Jornal de Brasília

04/12/2023 16h56

Foto: reprodução/ Agência Ceub

Jornal de Brasília/ Agência Ceub
Por Lucas Barbosa

O ex-caixa de restaurante Israel Rodrigues cresceu nas ruas de Ceilândia, onde o rap sempre esteve presente. Ainda “bem novo”, ele assistia a batalhas de rima na Praça da Bíblia, escutava músicas do gênero com o padrasto diariamente e, quando cresceu, percebeu que a cultura abordava justamente a vida dele.

“A música não me contava nada de novo, mas me surpreendeu.  Parecia que a minha história estava saindo da boca de outras pessoas, sem elas me conhecerem.”

Histórias como a dele, que misturam talento e identificação, não estão iluminadas por holofotes da mídia nem mesmo amparadas por espaços de exibição. Mas ele canta, produz e compõe…

Por conta da identificação com a música, o rapaz de 20 anos de idade viu na arte uma oportunidade de crescer na vida e contar a própria história. Nada melhor do que alguém que vive de fato a cultura para fazê-la e visibilizá-la. Israel diz que era um garoto travesso. Não gostava de estudar.  Reprovou três vezes o sétimo ano. Ele passava boa parte do tempo das aulas escrevendo letras, rimando e escutando rap. Os professores do garoto achavam que ele não tinha nenhum futuro, e alguns deles chegaram a falar coisas que marcaram Israel.

“Você não vai passar dos 18 anos”

“O que vai ser do seu futuro”

“Você vai cair no mundo do crime ou virar um drogado”

Hoje, alguns professores visitam as redes sociais de Matuto, como é conhecido artisticamente o Israel, e acompanham o jovem sonhador realizando conquistas na música.

“Muito bom, gatão, parabéns!! Continua no rolê ai… TMJ”.

Comentário de Patrick Saldanha, professor de filosofia de Israel na época de escola.

Matuto entende que o preconceito com o rap tem relação com as temáticas que o gênero aborda, incluindo problemas da periferia, tais como drogas, falta de trabalho e protesto contra a polícia. Ele defende que nem todo artista é bandido e que todos devem ter espaço para contar suas vivências.

“Nós viemos de uma cultura marginal. A nossa voz chega aos ouvidos da marginalidade das ruas, e creio que isso seja um pouco difícil de mudar. Nossa cultura é escutada pela classe mais baixa, pelos mais invisíveis da sociedade, gente que sonha grande e ainda é pequeno” Diz o rapper.

Moisés dos Santos, professor de música em escolas do DF, explica que o preconceito na área musical, não é algo recente, mas sim uma coisa que perdura desde a idade média.

“A música, a partir do processo de eruditização, alguns estudiosos passaram a ditar regras. Cada um de acordo com os próprios pensamentos, e correntes musicais que surgiam fora dos padrões impostos por esses estudiosos, já eram tratadas com preconceito”

srael é um artista solo, mas cresceu com alguns colegas que também costumam cantar com ele em shows e apoiá-lo. No Conic, ele participou da abertura do show de um artista já bem conhecido na cena, o rapper Aka Rasta, de São Paulo. Israel conta que isso foi uma das maiores conquistas da vida.
Ele viu o brilho no olhar da multidão que o assistia. Os espectadores perceberam que artistas do DF sem visibilidade também podem fazer um bom rap. Alguns colegas de infância de Matuto também estavam ali, pertinho do palco, orgulhosos do que o amigo se tornou e da jornada que ele tem pela frente.

No caixa

No início da carreira como artista, além do rap, Israel também trabalhava como caixa de uma rede de restaurantes, e com o dinheiro que recebia, investia em materiais para compor suas músicas. Ele diz que tudo é em busca do sonho de viver de composições e cantos.

“Nessa época, eu tentava ao máximo conciliar meu trabalho com a música, pois o meu salário é o que mantém o meu sonho vivo, sem dinheiro nada gira, antes era com o restaurante, hoje com outros trabalhos que faço”.

Israel vê o rap como um dos elementos sociais com maior impacto na política e no pensamento de muitos. “Quem vem de baixo e canta, sabe o que há de pior na sociedade, nós dizemos o que tem abaixo de você e você não sabe. Sentado no seu sofá confortável com seu fone de ouvido, você vai ouvir a realidade que para você não existia.”

Luta em coletivo

Outro artista é João Victor Protázio, de 22 anos, nascido em Salvador (BA), vive em Águas Claras desde 2020. Ele participa de um coletivo de rap chamado Gaga Mob, que produz músicas com quatro amigos de sua terra natal (Guilherme, Caio, Renato, Ricardo). Outro parceiro é do DF (André). O grupo surgiu em meio a brincadeiras que os colegas faziam com eles mesmos em datas comemorativas.

Os raps de brincadeira ficaram sérios. Em janeiro deste ano, lançaram a primeira música do grupo.

João diz que sempre foi uma pessoa muito introvertida, não gosta muito de festas e, por isso, demorou a fazer amigos na capital. Só em 2022 se enturmou com alguns colegas do curso de administração e com pessoas que andam com o irmão Rodrigo, que sempre apoiou o irmão na música, assim como os outros familiares mais próximos também o apoiam.

Ele gosta da vida anônima e, por isso, tem medo de perdê-la caso tenha sucesso com a música. “Quando uma pessoa passa a ter sucesso na música, ela fica em evidência, e eu não sei bem se quero isso para a minha vida”.

A ligação dele com o rap não vem de berço, e foi algo transformador. Ele sempre gostou de música , tentou aprender a tocar violão, também aprendeu os toques  da bateria por conta de um trabalho da faculdade. Mas com seus colegas, encontrou nas batidas do rap a sua paixão.

Em 2016, João ouviu os primeiros álbuns de rap, que segundo ele, tocaram na alma, dos grupos Costa Gold e Cone Crew. A partir daí, ele aprendeu a fazer beats, que são as batidas que acompanham as rimas neste estilo musical.

Com o incentivo dos amigos, começou também a colocar sua própria voz nas produções. Até o momento, o grupo já lançou cinco músicas, tendo como destaque Brotas e Saudade, juntas, somam 27 mil acessos no Spotify. para João, isso é uma grande conquista e deve ser valorizada, pois o grupo está apenas começando e já conseguiu atingir uma boa quantidade de reproduções.

“A galera daqui, quer ouvir só quem é grande e esquece de dar valor para os artistas pequenos”

João também conta com trabalhos solo, as músicas “Fogos” e “24 horas” somam 28 mil acessos.

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