Menu
Brasília

Margaridas: a força de Gisele Vieira Gonjito

Maria Isabela, conhecida como Bela, descobriu sobre a doença em maio de 2022, aos nove anos de idade, e desde então está em tratamento

Redação Jornal de Brasília

08/03/2023 5h00

Atualizada 15/05/2023 16h42

Foto: João Canizares/Agência de Notícias CEUB

Brenna Farias
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB

A terceira barraca da feira livre, foi intitulada pela própria comunidade por “Top das Galaxias”. O apelido faz referência à fala da dona do local, Gisele Vieira Gontijo, 44 anos, que convida os clientes para almoçar “uma comidinha top das galaxias”. O cartaz acima do caixa chama atenção. Um show de forró beneficente para o tratamento de Maria Isabela Gontijo, 10 anos, filha de Gisele, diagnosticada com leucemia em estágio agudo.

Maria Isabela, conhecida como Bela, descobriu sobre a doença em maio de 2022, aos nove anos de idade, e desde então está em tratamento. Os primeiros sintomas foram dores nas pernas, febre e vômito, até parar de andar. Gisele conta que não foi pega de surpresa.“Ela sempre foi uma menina muito corada e estava pálida, não tinha nenhum sangue no corpo”, relata a mãe. Ela diz que questionou o médico se era culpada pela saúde da filha. A doença, porém, é hereditária. Um primo de primeiro grau também passou pelo tratamento quando tinha sete anos, há vinte anos atrás.

“Ela ficou oito dias no hospital de Sobradinho internada e lá fizeram todos os exames e não descobriram o que era. Disseram que tinham feito todos os exames que podiam e não sabiam o que tinha. Foi quando decidiram me mandar para o Hospital da Criança para fazer o exame de medula”, conta Gisele.

Ela relembra que mesmo sem orientação do médico, levou todas as roupas da menina, pois já imaginava que Bela seria internada. No mesmo dia, os médicos entraram com a quimioterapia para tratamento. Desde então, a menina passa uma semana internada e outra em casa.

No momento mais difícil, escutou que a filha precisava ser entubada, senão iria morrer. Bela ficou entubada durante oito dias. Gisele conta que Bela não gosta que a família lamente o seu estado, “não estou morrendo não, gente, estou fazendo tratamento”, narra a mãe. Hoje, a menina sabe explicar tudo sobre a doença. Apesar do tratamento agressivo, a família vê resultados. “Ela não andava, hoje ela corre”, comemora Gisele.

Gisele é de Brasília e morava no Itapoã antes de mudar-se para o assentamento. Chegou ao local há sete anos, depois que o outro acampamento onde morava, o Carlos Lacerda, foi derrubado. A própria coordenação cedeu o novo espaço no assentamento Margarida Alves. “Eu não ia voltar para o aluguel mais não, não dava conta, não tinha condições, aí eu vim para cá faz sete anos” relembra.

Mãe de sete filhos e avó de seis netos, conta que sempre sonhou em ter uma família grande. “Desde menina tinha cinco bonecas, só que eram cinco, né? Aí dois vieram de penetra”, brinca. O sustento da casa vem da banca na feira. Além do almoço no final de semana, vende pastel frito na hora no período da tarde. Sem funcionários, Gisele conta com a ajuda de toda a família para tocar o restaurante. Quem chega, eu coloco pra trabalhar”, sorri.

Gisele conta que sempre teve o dom de vendas, mesmo quando trabalhava de doméstica, vendia peças íntimas. Antes de abrir o espaço na feira, há três anos, tinha uma pizzaria na própria casa. “Gosto muito de cozinhar, aprendi com minha mãe. Sempre via ela cozinhando, comida boa danada, ai ficava curiando para aprender. Não é igual a dela não, mas um dia eu chego lá, porque ela manda mesmo”, deseja. Quando a coordenação surgiu com a ideia de fazer a feira. Ela colocou o nome na lista e recebeu o espaço para tocar o comércio. Com um tempo, a banca foi ampliada.

O objetivo é que o estande seja melhorado. “Quero aumentar até o fundo, botar cerâmica e trocar esses paletes por grades de ferro”, planeja Gisele. Apesar dos planos, reconhece que preferia morar em outro lugar, fora do assentamento. “Não é que eu não goste daqui, pelo contrário, aqui é um lugar que me acolheu e eu gosto muito daqui, mas se eu tivesse uma casa em outro lugar, eu não moraria aqui. A poeira é muito grande, saneamento básico e energia são muito ruins, água tem dia exato para colocar para você, é tudo muito regrado”, reconhece.

A paisagem de Ivonete Xavier Pereira

Na quarta rua do Margarida Alves, o Viveiro Dona Bel carrega o nome da matriarca da família. Mãe de cinco filhos, o amor de dona Isabel pelas plantas inspirou a filha na profissionalização do negócio. Ivonete Xavier Pereira, 33 anos, diz que começou comprando plantas suculentas e cactos para a mãe.

Foto: João Canizares/Agência de Notícias CEUB

“A gente começou do zero, colecionando. Minha mãe era ‘viciada’ e a gente começou a comprar para ela e ensinar a cuidar, olhar na internet, aprender, e acabou virando esse monte de coisa que você tá vendo”, diz Ivonete. Hoje o viveiro tem mais de duas mil espécies de plantas. A família improvisou um espaço com madeiras e lona transparente para acomodar as mudas. Ela sabe identificar nome e gênero de cada uma delas. A renda média mensal do negócio é de R$ 3 mil.

Hoje, ela e a irmã Cléia, que ajuda com a empresa, têm bastante experiência na área. Os cursos profissionalizantes que buscaram na internet ajudaram no processo. Além das vendas das plantas, elas prestam o serviço de consultoria e paisagismo na casa dos clientes. “A gente explica como cuida, qual o vaso ideal para cada tipo de planta, se fica na sombra ou sol. Também fazemos o trabalho de paisagismo, arrumamos o jardim, escolhemos qual a melhor planta para o ambiente”, explica Ivonete.

Além de sustentar a família, o viveiro também foi um escape para a empreendedora. Ela conta que trabalhava com um grupo de escritores de Brasília há quase quatro anos, quando descobriu um quadro depressivo e precisou ser afastada do trabalho. Na época, Ivonete já era mãe e estava grávida do segundo filho.

“Eu comecei a ter alguns sintomas de tristeza. Não conseguia levantar para ir trabalhar. Tive até sintomas físicos, dor no corpo. Aí fui no médico e ele percebeu que eu estava depressiva. Voltei a trabalhar depois do período de licença, mas não consegui mais”, relembra. No início, começou a fazer artesanato com pneus até surgir a ideia de criar o viveiro.

Ivonete e a família chegaram ao assentamento há seis anos, para morar em um barraco sem piso nem banheiro. Eles moravam em uma chácara cedida no Lago Oeste, na região de Sobradinho. “A gente nunca teve casa própria e nem um lugar para chamar de nosso. Apesar daqui ser um acampamento, não ser regulamentado, a gente tem mais liberdade de trabalhar na terra”, afirma.

A escassez de água é reclamação constante entre os moradores e dificulta no cuidado com as plantas. Ivonete sonha que o lugar passe pelo processo de regulamentação para poder expandir o negócio. “Por enquanto, não tem para onde expandir, mas projeto e vontade a gente tem de monte”, esclarece. Mesmo com as dificuldades, não há planos para sair do assentamento.

“Eu amo esse lugar, eu amo as pessoas que vivem nesse lugar. Tudo que eu planejo para mim, para o meu crescimento aqui dentro, também planejo para as pessoas que eu conheço”, afirma Ivonete. Além de cuidar do próprio negócio, ela costumava ajudar outras mulheres do Margarida Alves com rodas de conversa e aulas de artesanato. Ela fala sobre a proximidade com a comunidade e o preconceito que sofre por morar em um assentamento.

“Acho que o meu maior sonho no momento é ver isso aqui crescer, ver isso aqui melhora, ver que tem condições melhores para as pessoas aqui. Não é só questão de necessidade, mas é um lugar que a gente gosta de viver”, diz Ivonete.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado