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Brasília

Especialistas comentam sobre os cortes em investimento na área de educação

A nova lei de diretrizes orçamentárias foi sancionada com cortes substanciais que atingem as áreas de pesquisa, educação, saúde, sustentabilidade e proteção a povos indígenas e quilombolas

Redação Jornal de Brasília

03/02/2022 19h24

Foto: Isa Lima/UnB Agência

Amanda Karolyne
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No final de janeiro, o presidente Jair Bolsonaro (PL) sancionou o Orçamento de 2022 aprovado em dezembro pelo Congresso Nacional. A nova lei de diretrizes orçamentárias (14.303/22) foi sancionada com cortes substanciais que atingem as áreas de pesquisa, educação, saúde, sustentabilidade e proteção a povos indígenas e quilombolas. A reportagem do Jornal de Brasília conversou com especialistas na área de educação, a respeito dos vetos orçamentários e o impacto que isso gera para o setor.

Segundo a decana de pesquisa e inovação em exercício, professora Cláudia Amorim, a área da educação está vivendo há alguns anos uma constante redução de recursos. Ela enfatiza que existe uma grande diferença nos cortes feitos agora, pois eles começam a ser gerais, nas agências de fomento, no orçamento das universidades, e em todas as partes do tripé educacional, que são os recursos humanos, infraestrutura, acesso à informação.

“Então, estamos realmente ficando sem opções, sem horizonte, sem ter para onde recorrer para manter a infraestrutura e os recursos humanos que aqui já estão. Muitos destes recursos humanos levaram anos para serem formados e sem bolsas, não lhes resta opção a não ser escolher outra área de atuação que não a universidade”, realça.

Ela cita os investimentos em laboratórios, como investimentos a longo prazo. “Temos alguns laboratórios que apoiam grupos de pesquisa construídos ao longo de décadas, mas que, na verdade, podem ser desmantelados em poucos meses sem recursos”, complementa.

A professora aponta que os equipamentos precisam de manutenção, insumos, atualização, renovação. Seguindo essa linha, ela aponta para os recursos humanos que também são um ponto muito sensível na educação. “Se não há investimento em bolsas e manutenção disto a longo prazo, não é possível ter bons pesquisadores, dentre eles, alunos de mestrado e doutorado, pós-doutorado, etc, que junto aos professores da universidade fazem a pesquisa”, relata. “São pouquíssimos editais para compra e manutenção de equipamentos, as bolsas são pouquíssimas, torna-se difícil continuar no mesmo ritmo”, exemplifica.

Entretanto, ela destaca que a pandemia evidenciou a capacidade já acumulada nas universidades públicas, de dar respostas aos problemas que afligem a sociedade. “Graças ao patrimônio material, humano e de conhecimento já existente, tivemos e estamos tendo um desempenho excepcional no combate à pandemia, em diversas áreas de conhecimento. É preciso valorizar e entender que a manutenção disso é muito relevante para a sociedade, é um patrimônio brasileiro”, frisa.

A professora afirma que as universidades têm racionalizado ao máximo os recursos disponíveis e utilizado da melhor maneira na infraestrutura, mas a longo prazo isto não se sustentará. “É preciso contar com o apoio do governo para manter este patrimônio precioso, material e humano. A fuga de cérebros é um problema real, nossos pesquisadores têm trabalhado em muitos casos sem nenhum suporte financeiro, e isto também não se sustenta a longo prazo”, desabafa.

Segundo ela, especialmente na Universidade de Brasília, tem sido feito um grande esforço para sensibilizar a sociedade e deixar clara a contribuição da educação para a população. “Somente durante a pandemia a universidade colocou em execução mais de 150 projetos de pesquisa para combate à Covid-19, em várias áreas, evidenciando a capacidade de resposta e a preocupação com a qualidade de vida da população”, informa. E 30 projetos ainda aguardam financiamento. Ela afirma que a UnB pretende reforçar esta iniciativa, mostrando que o conhecimento científico que produzem é solução para muitos problemas, e a universidade está perto da população para isto.

A coordenadora geral da Campanha Nacional Pelo Direito à Educação, Andressa Pellanda, do Projeto Seta, fala um pouco sobre o que a Lei Orçamentária Anual significa, e como ela representa a maior quantidade de recursos que vão para a educação. “A gente tem orçamento nos Estados e municípios. Em que os municípios são responsáveis pela educação infantil e pelos primeiros anos do ensino fundamental. Os estados são responsáveis pelo ensino médio e uma parte do fundamental, e o Governo Federal, a União, é responsável pela manutenção dos Institutos Federais, técnicos, e do ensino superior especialmente, é assim que se divide as responsabilidades.”

Mas ela aponta que existe ainda a responsabilidade constitucional, chamada de responsabilidade supletiva, a de complementar o orçamento. “Por exemplo o Governo Federal, caso os Estados e municípios não cheguem no patamar mínimo, isso por exemplo na educação básica, acontece através do Fundo Nacional de Manutenção de Desenvolvimento da Educação Básica, o FUNDEB, que faz parte do orçamento do Governo Federal”, aponta. “Todo esse orçamento da União impacta, sistemicamente, a educação em todo o Brasil, ainda que a União não seja responsável prioritariamente pela educação básica”, relata.

De acordo com Andressa, para 2022 foi feito um cálculo junto com o FINEDUCA (Associação Nacional de Pesquisa em Financiamento da Educação), que integra o comitê da campanha, de quanto seria necessário para o mínimo que a educação precisaria para superar a crise na educação. “Esse valor é de R$ 196,16 bilhões, e a gente fez várias emendas orçamentárias junto a deputados e senadores para que eles aderissem a essas emendas, e o que foi aprovado pelo Congresso Nacional foi o valor de R$ 134,7 bilhões para a área, ou seja, R$ 61,5 bilhões a menos do que nos seria o mínimo emergencial.”

Ela salienta que o Congresso Nacional aprovou um orçamento muito menor do que seria necessário para garantir o direito à educação das pessoas. O total para 2022 será de R$ 63 bilhões a menos do que seria necessário para investir na educação. “O que impacta em vários problemas para a educação, como os problemas para garantir o acesso à educação. São cerca de 5 milhões de pré-adolescentes fora da escola, de 4 a 17 anos, por conta da exclusão que foi gerada pela pandemia”, cita. Dentre outras dificuldades e desafios enfrentados pelos cortes na educação, ela aponta para a dificuldade de acesso das populações que moram em áreas rurais, por conta da falta de investimento em transporte escolar. E ainda, o problema de permanência no ensino superior com vários cortes em investimento de pesquisa. “Esses que fazem toda a diferença em desenvolvimento tecnológico e desenvolvimento de pesquisa de saúde, e tudo isso tende a não melhorar. A gente pode ver um retrocesso contínuo, por conta da falta de financiamento adequado”.

No mais, ela aponta para o impacto em desenvolvimento socioeconômico no Brasil. A coordenadora mostra que investir na educação reduz as desigualdades sociais, e traz melhoria de renda para as camadas mais pobres da população que são as mais beneficiadas com o investimento na área. “Nós estamos falando também, de desigualdade de raça e gênero, mulheres e a população negra, indígenas, quilombolas e população rural são mais afetadas por todo desinvestimento e corte de orçamento, consequentemente o corte vai afetar em termos de desigualdade de acesso, permanência, e também de desigualdade social e queda de renda na população mais pobre, preta, periférica e rural, e especialmente das mulheres no Brasil”, evidência.

Os cortes não são de hoje, Andressa aponta que de 2015 a 2022 ocorreu uma redução de 47% na educação, com o valor desse ano sendo um dos maiores cortes vistos em termos de Lei Orçamentária Anual. “Isso devido ao teto de gastos que foi aprovado no governo Temer e que está sendo mantido a mão de ferro por Paulo Guedes”, realça. “Quando chega em 2020 a gente já está vivendo uma crise social e econômica, então a gente está vivendo uma crise dentro de uma crise”, reforça.

Ela salienta que a solução para a crise, que economistas e outros especialistas do Brasil e do mundo apontam, é que se invista mais nas áreas sociais para superar a crise. “Inclusive 12 relatorias especiais da Organização Mundial da Saúde, fizeram um comunicado recomendando ao Brasil, para que se invista massivamente em educação pública, principalmente. E então a gente está caminhando na contramão dos especialistas no que deveria ser necessário para driblar a crise.”

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