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Brasília

Centenário de um dos pioneiros de Brasília

Seu Benedito José Coimbras completou 100 anos nesta terça-feira (9). Ele veio para Brasília aos 42 anos, na década de 1960, e por aqui ficou

Amanda Karolyne

10/01/2024 19h03

Atualizada 11/01/2024 8h17

Foto: Arquivo pessoal

Um dos verdadeiros candangos da capital comemorou, na última terça-feira (09), o marco de 100 anos de vida. O mineiro Benedito José Coimbras, é um dos pioneiros de Brasília, e a história dele se mistura à história da construção da cidade. O centenário é um dos poucos a alcançar essa idade, e confessou ao Jornal de Brasília, que não sabe o segredo para tal feito.

Seu Benedito nasceu em Unaí, Minas Gerais, em 1924, e é o segundo filho de Francislau e Domingas José Coimbra. Ele nasceu e foi criado nas fazendas do interior de Minas, onde trabalhou como carpinteiro. “Trabalhei muito, graças a Deus. Mexia com tudo na fazenda, um dia era um serviço, no outro dia era outro”.

Ele decidiu ir embora para Brasília, porque, onde morava, era ruim de trabalhar. “Vendi um ‘bocado’ de coisas que eu tinha, e falei: não vou fretar carro, não, eu vou de carona”. Ele foi para Cabeceira Grande, e conseguiu carona para o destino final: a capital, na década de 1960, onde ele conseguiu um emprego na construção civil, graças às habilidades como carpinteiro e peão. Ele foi morar na invasão IAPI com a esposa, Dona Adélia Ignacio de Melo Coimbra, e oito filhos. O casal teve mais um filho que nasceu em Brasília.

Um tempo depois, ele e a família foram transferidos para Ceilândia, a cidade criada pelo governo para assentar as muitas famílias que estavam abrigadas no IAPI. Ele recebeu um lote na QNN 19. “Tudo era mato, não tinha nada”. Lá, ele construiu com as próprias mãos, a casa que está conservada até hoje. “Era uma casa de modelo que eu não queria, desmanchei e fiz outra estrutura”.

O pioneiro da capital, hoje aos 100 anos, comenta que só foi vivendo, ao ser perguntado sobre o segredo da longevidade. Ele é um homem que nunca teve vícios, já que não bebia e não fumava, e sempre foi ativo, por fazer um trabalho braçal. E até hoje ele se mantém ativo, na medida do possível, em suas caminhadas. “Não aguento ficar parado. Me sinto mal. Enquanto eu aguentar caminhar, eu estarei caminhando”, afirma.

Talvez seja esse o segredo. Se manter ativo até onde a vida permitir. Seu Benedito também não era muito de festas, e trabalhava muito. “Era do serviço para casa, da casa para o serviço. Eu não gostava de festa. Minha diversão era a criação dos bichos da fazenda”. Na busca dessa fórmula dos 100 anos, a família reflete que a vida inteira, seu Benedito manteve uma alimentação de comidas da fazenda. “Uma vida simples e trabalhadora”, disse Claudio Divino Pereira Diniz, servidor público aposentado, um dos genros de Benedito.

Atualmente, seu Benedito leva uma vida tranquila, com a personalidade de alguém que foi muito paciente ao longo dos anos. “Minha vida é curtir a família agora. Já trabalhei demais, e agora não aguento mais”. Ele se aposentou aos 65 anos, e agora, ele aproveita para viajar. Ele foi até a Bahia de carro com a família, no início do ano passado. “Estou com saudades dessa viagem”, comentou seu Benedito, ao se lembrar. Esse ano, não teve viagem, porque toda a família, incluindo uma neta que mora na Alemanha, vai estar presente em Brasília, na festa de aniversário dele, no próximo sábado (13).

Foto: Arquivo pessoal

Agora, no auge de seus 100 anos de vida, seu Benedito é um senhor saudável, que só toma remédio para dormir, e nada mais. “Estou esperando um bocado de gente para minha festa, no sábado. Se eles vêm, eu não sei”. Ele só fica decepcionado, por dizer que é a única pessoa de 100 anos, que ele conhece e que vai estar na festa. Dos irmãos de Dito, o caçula ainda está vivo, e disse que vem para a celebração. “Eu não sei dizer quantos anos ele tem. Muita coisa eu não lembro”, salienta.

Trabalho

Benedito, conhecido como “Peão”, ficou 12 anos trabalhando na construção civil, pela empresa Rabello. Brincando, ele e os familiares contam que ele se esforçou tanto pela construção de Brasília, que deu um pedaço dele mesmo pela cidade. Isso porque, em um de seus serviços, ele fazia paletas para colocar ferragem de vidro na parede e, por causa da serra cega e um nó no meio da madeira, acabou arrancando o dedão de seu Benedito. Ele ficou alguns meses parado, e teve que fazer perícia do Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) para saber se poderia voltar a trabalhar, ou se seria aposentado por invalidez. “Eu não queria me aposentar”.

Seu Benedito gosta de ter feito parte da construção de Brasília. Ele se orgulha. “Me deu serviço e o conforto que eu precisava. Se eu não tivesse vindo para cá, eu não tinha as coisas que eu tenho”. Ele conquistou uma família de 9 filhos, 28 netos, 25 bisnetos, e uma trineta de 4 meses. “Estão todos criados aí, e os que não estão, foi porque já faleceram”. Atualmente são 7 filhos e 26 netos. Benedito permaneceu vivo para contar a história dele, e da família que formou, mesmo depois de tantas perdas.

Dona Adélia

Com o jeito mais quieto de ser, Benedito conta que foi um homem de uma mulher só. “Eu casei três vezes ou quatro com uma mulher só, fiz bodas de prata, e bodas de ouro”. As bodas de diamante vieram quando Dona Adélia, a Camponesa, adoeceu. Ela faleceu em 2012, após complicações do tratamento que fazia, por ser paciente renal. “Minha casa mesmo é na Ceilândia Sul, mas depois que a companheira faleceu, eles não deixaram eu ficar lá mais”, confessa. Então ele se divide entre as casas de dois de seus filhos. Uma em Taguatinga, que é construída independente da casa da família do filho, e na casa que está atrás do terreno do filho Roselmiro.

Antes da mulher adoecer, o casal foi para uma fazenda que ele comprou em 2002. A Fazenda Aroeira, que foi a realização do sonho de ser proprietário de um pedaço de terra e criar gado, depois de ter juntado dinheiro por todos os anos. “Eu gostava muito de roça, fui trabalhar na roça”.

Exemplo

Uma das netas de Benedito, a advogada Claudia Tâmar Coimbra Pereira, conta que a presença tranquila do vô constrange a todos. “Porque ele tem muito mais motivo para reclamar das coisas, e ele não reclama, ele respeita o espaço das pessoas, ele não gosta de fofoca, ele levanta e sai de perto quando alguém fofoca perto dele”, pontua as qualidades do vô. Ela tem orgulho de seu Benedito, e tem nele um exemplo de vida. “Ele é um homem de poucas palavras, mas é firme nelas”. Para ela, é grandioso o fato que a história de vida do avô, se mistura com a história da capital do Brasil, e isso tem de ser celebrado.

Hoje em dia, a atividade terapêutica dele é cuidar das galinhas, mesmo que fraco para a atividade. “Quem cuidava de tudo era eu, mas tem hora que se não tiver uma ajuda, eu não levanto. Esse tanto de ano trabalhando eu vou te contar, não é brinquedo não”, comenta Benedito. Mas o centenário resiste e o trabalho de tantos anos o manteve com o corpo ativo. Como Cláudio conta, o genro começou a usar a bengala há pouco tempo. E a neta adiciona, que nas idas a Caldas Novas, seu Dito é “o terror da hidroginástica”.

Claudio diz que quando a sogra era viva, ela escreveu um livro contando a história deles. Foi Cláudio quem organizou o livro, que se chama Biografia de Uma Camponesa. “Meu sogro não falava e não é de falar muito, já dona Adélia, minha mãe, por outro lado”. Benedito é analfabeto, mas dona Adélia era alfabetizada.

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