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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

Suicidologia

A ideia desta coluna é alertar as autoridades competentes da importância deste debate no meio acadêmico, além de, minimamente, trazer alguma luz acerca do tema, na intenção de despertar a curiosidade de alunos de psicologia

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

16/01/2024 11h05

Foto: Marcelo Camargo/Agência Brasil

Eventos recentes ocorridos na capital do país, como as mortes de mãe e filho e de dois policiais militares, me chamaram atenção para um assunto de extrema importância e muito delicado, em especial, para meios de comunicação: o autoextermínio. Por isso, a coluna desta semana vai tratar o estudo deste assunto, a suicidologia.

A American Psychological Association define suicidologia como a ciência que estuda os  fenômenos suicidas e seus desdobramentos de forma multiprofissional. Normalmente mais estudado pela psiquiatria e psicologia, o autoextermínio tem sido um vasto campo para diversas disciplinas das áreas da saúde, humanidades e ciências sociais.

É de suma importância que o psicólogo tenha total domínio deste assunto, mesmo que não seja um especialista. Para tanto, aconselho estudar mais profundamente os escritos de Edwig Schneidman, ex-professor da universidade da Califórnia, considerado por muitos o pai da suicidologia moderna, com seus estudos a respeito do suicídio e tanatologia, em especial as autópsias psicológicas. É fundamental que as universidades e centros de formação de psicólogos espalhados por todo Brasil dediquem pelo menos um semestre no estudo da suicidologia.

A ideia desta coluna é alertar as autoridades competentes da importância deste debate no meio acadêmico, além de, minimamente, trazer alguma luz acerca do tema, na intenção de despertar a curiosidade de alunos de psicologia.

Mas o que vem a ser o suicídio?

A palavra deriva do latim e significa aquele que mata a si mesmo — sui (a si) cida (que mata). Trata-se de um fenômeno de difícil entendimento desde os tempos mais remotos até a atualidade. Sua alta complexidade e múltiplos fatores talvez sejam um dos maiores complicadores para o entendimento ou mesmo o estudo do assunto. Somos naturalmente mutifacetados, constituídos de uma complexidade rizomática e autopoética, o que, por si só, já se revela como um dificultador no trato do assunto por parte daqueles que apenas se baseiam no aprendizado das abordagens clinicas.

O primeiro ponto a ser destacado é o pensamento multiprofissional, onde a psicologia dá as mãos à psiquiatria, ao serviço social, a gestores, docentes, gestores e à família, entre outros agentes de importância na vida do sujeito praticante do ato. Diferente da solidão do consultório, esta deve ser uma pratica conjunta, que requer muita técnica, sensibilidade e substancial aporte teórico por parte dos atores envolvidos no processo. Afinal, como bem aborda Vanessa Rodrigues Souza de Oliveira em sua obra, “Suicidologia para Psicólogos”, como combater o inimigo sem conhecê-lo antes?

Assim, não adianta o psicólogo acreditar que vai ser bem sucedido no combate ao comportamento autodestrutivo de seu paciente sem se aprofundar de forma ética nos diversos fatores que envolvem o comportamento.

Compreender como podemos intervir na subjetividade de nossos pacientes já é, de alguma forma, muito pretensioso de nossa parte. Assim, é fundamental uma avaliação precisa e cuidadosa. E para isso, não basta apenas os anos de faculdade. É preciso que o psicólogo se aprofunde nos conceitos envolvidos na avaliação psicológica, em especial, na avaliação da dinâmica da personalidade de seus pacientes.

Neste sentido, me coloco contrário ao Código de Ética Profissional do Psicólogo e afirmo que não basta a observação clinica como parâmetro avaliativo. É preciso um profundo conhecimento dos instrumentos, da teoria da personalidade, das psicologias e, acima de tudo, um pensamento clínico rizomático, como dito acima. Somente estando em posse de tais  informações, o psicólogo pode minimamente compreender o quadro geral e quais fatores devem ser priorizados na intervenção se o caso for passível de atendimento.

Compreender se os fatores envolvidos são de ordem biológica, estrutural ou mesmo social é condição sine qua non para o inicio do “tratamento”. Neste sentido, o psicólogo necessita internalizar que todo ato que cause dor, sofrimento, ferimento ou mesmo morte de si mesmo, independente da intensidade, causa ou intencionalidade do ato, deve ser visto, trabalhado e tratado como um comportamento suicida.

Por isso, atos de automutilação (agora mais frequentes em adolescentes, em especial do gênero feminino), por exemplo, devem ser considerados como um ato de autodestruição, mesmo que guardadas as devidas proporções.

É sempre bom lembrar que o ato em si normalmente não é o objetivo do seu praticante, porém, os diversos fatores incidentes sobre o indivíduo podem fazer com que seu sofrimento psicológico seja de tal extremidade, que o ato de tirar a própria vida seja visto como a única saída para aliviar seu sofrimento. Desta forma, não é a morte em si o objetivo, como abordado,  mas o fim do sofrimento.

Este pensamento aparenta ser óbvio, mas, em países subdesenvolvidos como o nosso, onde a educação é precária, os tabus, os mitos e as crenças populares assumem o papel da verdade e da ciência, o que dificulta naturalmente ao sujeito a busca por ajuda. Quantos de nós não foi criado ouvindo: “Homem não chora” ou “Isso é besteira, coisa de gente fraca”?!

É importante levantarmos esta bandeira. Nós, profissionais da saúde, precisamos falar mais sobre este assunto em nossos meios, nas escolas, nas universidades, nos centros sociais, nos espaços públicos e privados, já que, mesmo tendo aumentado seu estudo, o suicídio ainda é um mistério com muitas perguntas sem respostas. Pois como bem disse o filósofo Francês Albert Camus, em seu ensaio “O Mito de Sísifo”:

“Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Julgar se a vida vale ou não vale a pena ser vivida é responder à pergunta fundamental da filosofia.”

Pensando a partir desta visão filosófica, fica mais claro entender o motivo dos psicólogos terem de se aprofundar nos protocolos de avaliação, as patologias, bem como na compreensão da  subjetividade humana.

Afinal, parafraseando o ditado popular: Melhor “saber” prevenir do que remediar…

Até a próxima.

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