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Brasília

Perfil – mãe de menina queimada com água fervente se arrepende de ter confiado na irmã

A menina magra, alta, de pele preta e cabelo cacheado estava com 18% de queimaduras gravíssimas na pele que adorava estar maquiada

Redação Jornal de Brasília

23/04/2024 15h21

Foto: Arquivo Pessoal/Agência Ceub

Por Milena Dias
Agência de Notícias Ceub/Jornal de Brasília

A dona de casa Adriana Pereira recebeu um vídeo chocante no grupo da família no WhatsApp. Eram imagens de uma mulher jogando uma panela de água quente em uma adolescente. Essa agressora ainda bateu e xingou a menina. As imagens que chegavam pelo celular eram repugnantes e doloridas.

Quando Adriana assistiu àquelas imagens, desesperou-se e quis “voar”, de qualquer forma, de Nova Xavantina (MT),  no interior do Mato Grosso, para chegar o quanto antes a Brasília, a mais de 670 km de distancia. Mas ela não tinha dinheiro para a passagem. O caso ocorreu em Samambaia, região administrativa a cerca de 30 km da capital federal.

A adolescente naquele vídeo era Maria, a filha dela, de 14 anos de idade.  A agressora, naquele vídeo, era a pessoa que um dia mais confiou: a própria irmã, que gravou e enviou o vídeo.

“Não vou deixar minha filha com mais ninguém. A pessoa que eu mais confiava que ia cuidar bem da minha filha fez isso. Então, agora eu não confio em mais ninguém”.

No vídeo (que inclusive circulou nas redes socias), Alessandra Pereira, de 42 anos, quis mostrar a tortura.

Segundo a investigação policial, a agressora confessou que cometeu o crime porque acreditava que a sobrinha teria um relacionamento com o marido dela.

Depois que viu os machucados, levou a sobrinha para a casa de outro familiar e fugiu. A agressora foi encontrada, pela Polícia, 11 dias depois do crime, em 14 de abril, escondida na quitinete de um amigo na Asa Norte, em Brasília. De acordo com a Polícia, Alessandra pode cumprir de quatro a 10 anos de prisão por tortura grave ou gravíssima.    

Dores

Tudo ocorreu no dia 3 de abril. Foi quando Adriana Pereira recebeu uma das notícias mais tristes da vida dela. Só não foi pior que a morte do outro filho, no ano passado. Hoje ela tem quatro filhos. E sua filha do meio estava com o peito, as costas, o rosto, a cabeça e parte dos braços queimados.

A menina magra, alta, de pele preta e cabelo cacheado estava com 18% de queimaduras gravíssimas na pele que adorava estar maquiada. Quando Adriana ficou sabendo da tortura surpreendente, abriu a carteira e a gaveta, olhou embaixo do colchão. Olhou em todos os cantinhos. “Mas eu não achei nenhum centavo no bolso”, recordou. Ela só queria comprar uma passagem para perto da filha.  

Adriana, de 41 anos, é empregada doméstica desempregada. O marido e pai de Maria é pedreiro. Desesperada, procurou uma sobrinha chamada Samara, que mora em Brasília. A mãe queria alguém pra ficar do lado da filha até que ela conseguisse o dinheiro para vir de Nova Xavantina (MT). E Samara a buscou para ajudar. O patrão dela doou a passagem e Adriana fez a viagem mais longa de sua vida. As 13 horas dentro do ônibus pareceram meses.

Quando chegou, encontrou a filha no Hospital Regional da Asa Norte (HRAN), referência pública no tratamento de queimados em Brasília. A adolescente estava com cabeça raspada, com muita dor e aguardando por uma cirurgia de reconstrução de pele. Treze dias depois, ela foi operada. No dia em que conversei com Adriana, a filha tinha saído do centro cirúrgico. Nesse dia, os médicos tiraram parte da pele na coxa de Maria e reconstruíram as áreas do corpo queimadas. Nesse dia, Maria gritou e chorou de tanta dor.

Busca por ajuda

Nesse dia também, Adriana se sentiu culpada por confiar sua filha à própria irmã. Mas nesse dia, quando os médicos disseram que tudo havia ocorrido bem e que Maria Luíza deveria receber alta entre 3 e 7 dias, Adriana sentiu a certeza de que iria voltar pra casa em breve.

Ela só precisa esperar a alta, doações para as passagens, para os medicamentos e de roupas. As roupas que Maria Luíza tinha na casa da tia foram jogadas fora pela família da agressora. “Pra não dizer pra você que ela não tinha ficado com nada, ela ficou com a calcinha que ela veio internada, um shortinho e um casaco”, contou Adriana indignada.

“Um remedinho, filha”

Enquanto falava comigo por ligação, Adriana pediu licença pra cuidar da filha que estava na enfermaria do hospital.

 “Filha, bebe o remedinho aqui. Abre a boca. Pronto, agora deita direitinho. Deita direitinho”.

 Adriana não vê a hora de colocar a filha pra deitar na cama dela em Xavantina.

Logo em seguida, agradeceu aos médicos e aos enfermeiros. “Boa noite pra vocês. Obrigada por hoje. Ela vai ficar bem.” Adriana é muito grata pelo trabalho dos profissionais de saúde e da equipe de limpeza do hospital.

Adriana queria que a filha fizesse um curso de maquiadora porque tem muito talento. “Você nunca vai dizer que foi uma menina de 14 anos que fez essa make profissional que ela faz”, me disse ela. Mas lá no interior ela não conseguiria esse certificado. Por isso, depois de pensar muito ela resolveu mandar a filha para Brasília. “Minha filha vai poder ganhar um dinheirinho”.

Aqui teria uma tia, a Alessandra, que poderia cuidar da menina. Alessandra era a pessoa que Adriana mais confiava. Era. Maria não chegou a fazer o curso que tanto queria. Nem fazer aula em uma escolhinha de futebol, outro talento da menina.

Adriana só queria oportunidades de cidade grande pra filha. Ela diz que faria qualquer coisa pelos filhos.  “Às vezes, você sai na rua pra comprar uma roupa pra você, mas você vê alguma coisa a cara da sua filha, e você fala: ah não, vou ter que levar isso aqui pra ela. A gente vive em função deles. Às vezes, pode ser o último 50 reais que eu tenho na minha conta, mas se meu filho estiver precisando eu mando pra ele na hora”.

“Quando eu voltar pra casa, eu vou precisar de dinheiro pras pomadas, para os medicamentos e para os antidepressivos dela. E no momento eu não vou poder voltar a trabalhar porque não posso deixar ela sozinha”.

Aquela notificação do vídeo no WhatsApp marcou Adriana pra sempre. Mas agora ela tem esperança de que a próxima notificação em seu celular seja uma doação para passagem, para roupas novas, pomadas, medicamentos, peruca e curativos para as cicatrizes.

Doação

A família organizou uma conta para receber as doações pelo PIX 057.255.461.36. Não há como enfrentar tantas dores sem recursos.

A mãe acredita que todos os sonhos futuros de Maria vão se realizar sem dores.  Adriana quer reconstruir, como os médicos fizeram com a pele de Maria,  a vida dela e da filha.

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