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Saúde

Maternidade compulsória: eu quero mesmo ter filhos?

E quando a certeza se torna dúvida e, então, arrependimento? Veja a melhor forma de entender se o seu desejo de ser mãe é genuíno

Redação Jornal de Brasília

05/04/2022 16h17

gravidez

Foto: Agência Brasil

Evellyn Luchetta e Geovanna Bispo
Jornal de Brasília/Agência de Notícias do CEUB

Nem todas as mulheres que decidem ter filhos se arrependem ou sentem que foram coagidas pela maternidade compulsória. Para muitas, o sonho sempre esteve ali e as dificuldades enfrentadas no percurso são fases de algo escolhido. As psicólogas especialistas concordam: é sempre necessário se questionar antes de decidir. 

‘É muito importante se perguntar sobre qual é o motivo e se questionar a respeito disso, sobre como isso impacta a vida, quando é uma escolha, porque nem sempre é. Além disso, buscar a compreensão da dimensão da maternidade e do papel que vai ser desempenhado a partir da escolha”, aconselha Tamara Levy, psicóloga. 

Para a profissional, a pergunta é mais bem feita quando acompanhada por uma psicoterapeuta, já que é um assunto sensível e muito delicado. “Às vezes se descobre que não quer ser mãe já sendo mãe, a sociedade faz com que a mulher acredite que dá para amar 24h uma criança, e não é possível amar o tempo todo, né? Por ser difundida dessa maneira, a maternidade faz com que as mulheres que nutriram por toda a vida o desejo de serem mães, se encontrem nesse lugar de não gostar”, completa. 

A também psicóloga Fernanda Allegretti concorda e ainda acrescenta que se conhecer é essencial. “Primeiro de tudo conhecendo a si mesma. A autorreflexão, juntamente com esse processo terapêutico, tende a ajudar bastante nessa forma de se identificar. Colocar uma criança no mundo é uma responsabilidade muito grande. Quando essa mulher pensa sobre o que, de fato, ela quer, ela consegue”. 

Para ela, é melhor decidir não ter, do que se arrepender depois. A psicóloga deixa um recado às mulheres confusas ou culpadas. “É completamente aceitável você não querer ser mãe e não precisa se sentir culpada por isso. Você não vai ser uma desertora do sexo por não ter tido um filho. Decidir não maternar é um ato de rebeldia contra um sistema muito duro e cruel. É um grito para o seu caminho de liberdade”, finaliza.

Quando a criança já está no mundo e o desespero bate, nem tudo está perdido. De acordo com as profissionais, existe um processo complexo, mas possível, nesses casos.

E agora?

Ainda que Cristiane*, a mãe arrependida de Kevin, tenha sua própria força e lute diariamente contra as dificuldades que envolvem o maternar, a rede de apoio que seu marido representa para ela faz a diferença a cada dia. E é exatamente essa rede que pode ser constituída por familiares, amigos ou profissionais, que as especialistas Levy e Alegretti sugerem que as mães arrependidas ou simplesmente mães cansadas procurem. 

Segundo Levy, além de todos os problemas já citados, com a maternidade, a mulher fica isolada, seja por não ser aceita de volta no trabalho, na vida pessoal ou até em si mesma. “O autocuidado é essencial e a rede de apoio também, além de uma compreensão de aceitação dessa frustração”, explica a especialista.

Ao passar por esse turbilhão de mudanças físicas e psicológicas, a melhor forma de se manter sã e entender o que se está passando é procurando especialistas, como psicólogos. “O que ela pode fazer é encontrar maneiras de lidar com isso com psicoterapia, receber o acompanhamento de a que nível isso chegou, para que possamos cuidar de quadros depressivos, para remediar um quadro de depressão”, aconselha Levy.

Uma das mulheres que entenderam a necessidade do apoio profissional foi a dona da página Malternidade. “Queria entender essa história do porque eu odiava ser mãe, porque um filho não se encaixava na minha vida. Enquanto todo mundo adorava ser mãe, eu não gostava, mesmo amando muito a minha filha, a maternidade nunca me fez feliz”. 

Caso as coisas estejam mais difíceis, a reportagem aconselha a procura do Centro de Valorização da Vida (CVV) pelo número 188. Além do número, o centro também conta com um chat no site.

E as crianças, como ficam?

Ao acompanhar o relato online de mães que se declaram arrependidas ou vítimas da maternidade compulsória, a reportagem encontrou julgamentos em comum. Entre eles, o principal: ‘Mas e a criança? Coitada, vai crescer com uma mãe que se arrepende de ter engravidado’. À essas pessoas, surge um grito de esclarecimento feito pelas entrevistadas: ‘Odiar a maternidade nada tem a ver com odiar a criança”. 

Segundo elas, o arrependimento está ligado com o papel que, socialmente, são obrigadas a desempenhar, além do biológico, como a dependência do recém-nascido à mãe nos primeiros dias. A dona da página ‘Malternidade” afirma: “Não é como se eu não amasse minha filha, ao contrário, eu a amo e muito”. Cristiane concorda, para ela, os cuidados que desempenha com Kevin* e persiste mantendo não são nada, se não amor. ‘Existem contextos fora da bolha, a sociedade precisa urgentemente estoura-lás”, diz. 

Para as psicólogas, resta o questionamento: ‘Como separar as duas coisas?’. Levy fala que é simples pois, uma coisa, não tem nada a ver com a outra. “Não gostar de ser mãe é não gostar de desempenhar aquelas funções, aquele papel, de ter que lidar com as frustrações e as consequências da maternidade que se reflete na vida pessoal e profissional, isso em nada tem a ver com a criança. A mãe pode odiar a maternidade e ser louca de amor pelo filho”, ressalta. 

Alegretti ainda exemplifica a situação. “Imagine que uma mulher pergunte como é ser mãe e todos respondem ‘você só vai se sentir completa quando você tiver um filho’ e tudo é muito florido, ser mãe é perfeito. Ela tem o filho e vê que não consegue dormir, se alimentar direito, a criança chora muito. Ela se depara com uma realidade ilusória, onde acreditou no que as pessoas disseram e agora, obviamente, vai se arrepender de não ter pensado melhor, de não ter conversado com outras pessoas, e isso nada tem a ver com a criança, o afeto está lá, mesmo com o cansaço”. 

Outra forma de negar a maternidade compulsória, ou o arrependimento materno, é afirmar que a mãe está doente, depressiva, e por isso se sente daquela forma. Levy explica que o quadro é outro. “Você pode não gostar de uma coisa e não estar doente. Pode ser que se desenvolva um ambiente onde o adoecimento feminino é propício, mas quem não gosta de ser mãe não gosta por ser doente, por ter um problema mental. É o contrário”. 

Para as especialistas, a relação mãe-filho pode ser maravilhosa e a criança não se prejudica pelo arrependimento materno. Mulheres ouvidas e orientadas desenvolvem seu próprio jeito de serem mães. “Cada uma encontra uma forma de maternar e não fazer tal jeito não quer dizer que você não é uma boa mãe, apenas quer dizer que você não faz do jeito que a sociedade quer que seja”, finaliza Alegretti. 

Longe de vista

Se restringindo a páginas nas redes sociais, a alguns poucos artigos de opinião e, menos ainda, estudos acadêmicos, a maternidade compulsória é como um despertar para as mulheres, que, aos poucos, ficam cientes do poder que a sociedade induz sobre suas mentes e corpos. 

Uma das primeiras especialistas a refletir e debater sobre o assunto foi a estadunidense Judith Butler, que escreveu o artigo “Maternidade: instituição social compulsória”. Nele, a filósofa coloca em evidência o modo como foi naturalizado e universalizado a maternidade. Além de trazer diversos questionamentos, sobre como “ser mãe” é encarado pela sociedade como uma “realização”.

Judith ainda questiona sobre a maneira como a maternidade e a vida doméstica é imposta às mulheres desde pequenas, com brinquedos que fazem referência a carrinhos de bebê e bonecas, além dos itens de casa, como fogão e vassoura.

Além de Judith, outra mulher também se envolveu, mesmo que de maneira um pouco diferente, nesse debate. O termo “mãe arrependida” foi trazido pela socióloga israelense Orna Donath. Em seus estudos, ela aborda mulheres que gostariam de “apagar” a experiência da maternidade de suas vidas. 

Donath, em seu livro intitulado “Mães arrependidas”, traz entrevistas com 23 mulheres israelenses onde, em diferentes pontos e por diferentes motivos, dizem ter se arrependido de serem mães. Esse arrependimento não é por não amarem seus filhos, mas por se sentirem limitadas, exaustas e alienadas em seu papel imposto.

Por estar tão enraizado na sociedade em geral, são poucos os que, de fato, refletem sobre o assunto. Para esta matéria, não encontramos nenhum estudo que trouxesse dados numéricos para agregar a análise.

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