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Política & Poder

Portal lançado por Bolsonaro para exaltar ‘entregas’ e agenda positiva do governo fica vazio

O site Agenda + Brasil foi pensado como contraponto à imagem negativa do governo, que àquela altura começava a ser agravada pela pandemia

Redação Jornal de Brasília

13/08/2021 12h31

Brazilian President Jair Bolsonaro gestures during the signing ceremony of the Provisional Measure that changes the rules for fuel trade, at Planalto Palace in Brasilia, on August 11, 2021. – Bolsonaro questioned once again the reliability of the upcoming elections in Brazil, a day after Congress rejected a proposal to alter the electronic voting system that he criticizes, and added that the bill was not approved because part of the lawmakers had been blackmailed, but did not give further details. (Photo by EVARISTO SA / AFP)

Joelmir Tavares
FolhaPress

O lançamento de um portal sobre os feitos do governo federal, em março de 2020, teve pacote completo: cerimônia oficial no Palácio do Planalto com o presidente Jair Bolsonaro e alguns dos principais ministros, plateia de convidados, hino nacional, discursos e muitos aplausos. Com a promessa de ser um canal direto de comunicação com os cidadãos para dar transparência a projetos prioritários da atual gestão, o site Agenda + Brasil foi pensado como contraponto à imagem negativa do governo, que àquela altura começava a ser agravada pela pandemia da Covid-19.

Quem entrava na página www.gov.br/agendamaisbrasil até esta quinta-feira (12), porém, dava de cara com uma tela em branco com uma logomarca e a mensagem: “site em manutenção”. O governo não informou desde quando o conteúdo está indisponível, mas uma consulta à plataforma Wayback Machine, repositório que mantém um histórico de páginas da internet, mostra que ao menos desde agosto de 2020 o site está nessa situação.

Na mesma época, a divulgação do link nos canais oficiais também foi interrompida. Especialistas em transparência e comunicação pública consultados pela Folha dizem que o abandono evidencia problemas como descontinuidade de políticas e opacidade nos dados governamentais. Bolsonaro está hoje em seu pior patamar de aprovação, de acordo com o Datafolha. Segundo pesquisa do instituto em julho, o governo é considerado ruim ou péssimo por 51% da população, e 54% dos brasileiros defendem que o presidente sofra um processo de impeachment.

Coordenado pela Casa Civil, que à época era comandada pelo hoje ministro da Defesa, general Braga Netto, o Agenda + Brasil reunia inicialmente 20 projetos, como a nova Previdência, o Médicos pelo Brasil (que substituiu o Mais Médicos), o Criança Feliz, o Escolas Cívico-Militares e a Operação Acolhida. A ideia era exaltar programas e obras dentro de 12 temas, entre eles educação, saúde, infraestrutura, combate à corrupção e segurança pública.

Os materiais do lançamento abusaram de jargões internos, anunciando que o site destacaria “as entregas que estão transformando o país” e a “evolução da carteira de projetos”, além de mostrar que “as demandas da população estão sendo priorizadas”. Também daria visibilidade à “agenda positiva” do governo, pilar da guerra de narrativas encampada pelo bolsonarismo.

A campanha de divulgação virtual, que carregava a hashtag #OBrasilJáMudou, envolveu também uma série de vídeos com Bolsonaro e ministros com elogios ao portal. Participaram auxiliares que eram estrelas da Esplanada, como Paulo Guedes (Economia), Sergio Moro (Justiça e Segurança Pública), Luiz Henrique Mandetta (Saúde) e Abraham Weintraub (Educação) -os três últimos já fora da equipe.

Em sua gravação, Guedes falou com entusiasmo das reformas administrativa e tributária, que ainda hoje estão em discussão no Congresso e não foram aprovadas, e de um ambicioso plano de desestatizações, cujos resultados até agora frustraram a expectativa do mercado. Já Weintraub fez um apelo: “Tem muita coisa acontecendo. Eu peço apenas para vocês buscarem informação conosco. Tem alguns grupos privados [que] ficaram muito mal-acostumados com as relações incestuosas que tinham no passado. E hoje em dia esses grupos estão desesperados para tirar a proximidade que hoje nós temos com vocês e colocar intriga e mentira na cabeça das pessoas”.

A intenção do governo era que os projetos considerados vitrines de cada pasta estivessem detalhados no portal, com histórico e metas cumpridas, o que permitiria acompanhamento em tempo real da execução. O cidadão poderia também cadastrar um número de WhatsApp para receber atualizações. Parlamentares da base bolsonarista, como a deputada federal Carla Zambelli (PSL-SP), também se engajaram nas propagandas sobre o espaço. As últimas publicações de perfis oficiais da administração a respeito do tema datam dos meses de junho e julho de 2020.

Em seu discurso na solenidade de apresentação, Bolsonaro afirmou que o canal também poderia ser usado para denúncias de corrupção e de mau uso de dinheiro público. O presidente disse que a criação do site fora iniciada por Onyx Lorenzoni -que tinha trocado menos de um mês antes a Casa Civil pelo Ministério da Cidadania- e concluída por Braga Netto.

O general ministro afirmou na ocasião: “É uma ferramenta dinâmica, que receberá atualizações ao longo do tempo e que ouvirá as necessidades do cidadão. É uma agenda viva”. Não foi o que aconteceu. Para Mandetta, que foi demitido por causa das discordâncias de Bolsonaro em relação à gestão da pandemia e hoje faz oposição ao presidente, o vazio deixado no portal é “mais uma constatação de que o governo é errático”. “Falta visão e projeto de nação. [Bolsonaro] não consegue nem sequer demonstrar a sua vontade de para onde levar o país”, diz à Folha o ex-ministro, que é pré-candidato à Presidência em 2022 pelo DEM.

“O presidente não administra, não é líder, não se reúne com os ministros e não tem noção de indicadores de políticas públicas. Se ele mantém [o Agenda + Brasil] no ar, ele vai ter que confessar lá que projetos estão atrasados, não foram concluídos. Viraria um tiro no pé”, opina.

Segundo Mandetta, projetos que eram tocados por sua pasta e tinham destaque no portal na época do lançamento perderam tração ou foram paralisados após sua saída. “No caso do Médicos pelo Brasil, nós fizemos todo o estudo, mas eles nunca realizaram o concurso e não tiraram do papel. Era um projeto fundamental para as cidades, as periferias. Seriam 15 mil profissionais em áreas de difícil provimento que poderiam ter atuado inclusive na pandemia.”

Diretor-executivo da organização Transparência Brasil, Manoel Galdino diz que o abandono da página vai na direção oposta à de um governo que quer ser transparente. Ele considera, no entanto, que o problema maior não é nem encerrar o site, já que é natural haver mudanças de ideia e de estratégia. “O mais grave é a falta de prestação de contas. Deveriam explicar por que não vão mais usar essa ferramenta de comunicação. Já que é um canal em que o governo se propôs justamente a ser transparente, o correto seria se explicar e dizer onde as informações podem ser encontradas.”

Para Galdino, que é doutorado em ciência política pela USP, a justificativa de que as informações compiladas no portal estão disponíveis, em tese, em outros locais é incompleta. Ele lembra que a promessa era a de um site claro e de fácil compreensão, o que nem sempre ocorre nas demais fontes. Do ponto de vista da comunicação pública, a criação da página foi reflexo da “estratégia de apagamento adotada pelo governo, para fazer prevalecer uma versão construída da realidade”, na visão da doutora em comunicação e cultura pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Joseti Marques.

“Esse novo portal pretendia ser um instrumento para confrontar a realidade dos fatos”, diz a jornalista, que foi ouvidora da EBC (Empresa Brasil de Comunicação) e é crítica ao atual governo. “O Portal da Transparência já vinha sendo aprimorado e modernizado, cumprindo a função de transparência da gestão pública e controle social”, observa.
Joseti afirma ainda que “os estrategistas desse governo parecem querer o predomínio de seu próprio modelo de discurso”, mas que “o fato de terem abandonado a ideia do portal é um indício de que estão perdendo a batalha da comunicação”.

Em resposta à reportagem, a Casa Civil não explicou os motivos da manutenção tão prolongada no site nem quando ela começou. O órgão afirmou que “o cidadão pode fazer o acompanhamento da execução dos programas e projetos do governo federal pelo Portal da Transparência (www.transparencia.gov.br)” e que “os projetos prioritários continuam a ser tocados diretamente pelos ministérios, sob a coordenação da Casa Civil”.

A Presidência da República não se manifestou.

Levantamento feito pela Folha no ano passado mostrou que o governo Bolsonaro acumula desde janeiro de 2019, quando tomou posse, ao menos 13 medidas para dificultar ou sonegar informações do país -decisões que, no fim, acarretaram a redução da transparência oficial. Portal lançado por Bolsonaro para exaltar ‘entregas’ e agenda positiva do governo fica vazio

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