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Política & Poder

Não pedi para ficar, diz chefe da PF mantido no cargo após ingerência política

Como revelou a Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (5), o diretor-geral da PF, Márcio Nunes, tentou trocá-lo, mas não conseguiu

FolhaPress

05/05/2022 21h06

Foto: Evaristo Sá / AFP

Fabio Serapião e Camila Mattoso
Brasília, DF

Chefe da Polícia Federal de Alagoas, o delegado Sandro Valle Pereira disse ao jornal Folha de S.Paulo não saber o que aconteceu para ter sido mantido no cargo. Afirma não ter feito pedido para ficar, mas que não pode dizer se alguém pediu por ele.

Como revelou a Folha de S.Paulo nesta quinta-feira (5), o diretor-geral da PF, Márcio Nunes, tentou trocá-lo, mas não conseguiu, o que é inédito na história recente do órgão.

O nome do substituto já tinha sido escolhido, e o processo oficial para nomeação estava iniciado, mas foi paralisado após ingerência política. O veto, segundo pessoas que acompanham o caso, foi informado ao diretor-geral pelo ministro da Justiça, Anderson Torres.

Em nota, a assessoria da PF não respondeu aos questionamentos sobre as razões de a substituição ter sido suspensa nem de quem partiu a ordem política.

“Não sei por que eu fui mantido. Eu reputo isso tudo a uma questão política ou a uma questão gerencial, de insatisfação. Jamais eu pediria para ficar aqui. Não sei dizer se outros gostam do meu trabalho e pediram por mim”, afirma Valle Pereira.

O delegado foi escolhido na gestão do diretor-geral Paulo Maiurino. Na sua posse, o presidente do STJ (Superior Tribunal de Justiça), Humberto Martins, esteve presente.

Valle Pereira diz ter sido avisado da exoneração no dia 24 de março. Em seguida, foi a Brasília sem comunicar superiores sobre sua viagem.

“Fui tentar contato com alguém na direção [da PF], mas não consegui. Foi logo depois do tsunami da minha saída”, conta. Afirma ter ficado a maior parte do tempo dentro de um hotel e que não saiu para encontrar políticos.

Em nota, a PF afirma que não há registro de agendas dele não atendidas.

A troca iria ocorrer em meio a supostos problemas e reclamações de delegados em relação à gestão de Valle Pereira em Alagoas.

Um dos relatos que chegaram à equipe do diretor-geral em Brasília foi sobre uma suposta tentativa do chefe de Alagoas de obter informações de um inquérito sigiloso em andamento no estado que resvalava em um político alagoano. Ele nega.

“Não seria republicano eu pedir pra ficar nessa cadeira. Fui colocado no precipício, e aí levaram para o lado que eu tinha contatos com fulano, beltrano, que eu tinha pegado inquérito sigiloso. Nunca existiu isso”, afirma.

Sobre a suposta tentativa de obter dados da apuração sigilosa, o delegado disse nunca ter buscado informações, mas que conversou com dois delegados subordinados a ele, um deles responsável pelo inquérito.

Ele diz ter procurado o delegado regional de combate à corrupção da superintendência pouco antes da deflagração da operação realizada com base no inquérito sigiloso e confirma ter conversado com o delegado do caso dias após o cumprimento das medidas cautelares solicitadas pela PF.

O superintendente diz ter acionado o policial do inquérito para questionar se a investigação deveria permanecer na Polícia Federal uma vez que, segundo ele, não envolvia desvio de verbas federais.

Como o investigador respondeu ter preferência pela manutenção do caso na esfera federal, Valle Pereira diz ter concordado e parabenizado pela condução da operação.

“Depois que foi deflagrada, eu perguntei para ele. Me causou preocupação de questão política, porque como é que esse trabalho chegou aqui, porque em essência não é nosso. Não tem desvio de verba federal, aquela coisa toda”, disse.

A Polícia Federal, que é a polícia judiciária da União, atua em casos de desvios que envolvem verbas federais. Quando se trata de dinheiro estadual, as apurações são conduzidas pela Polícia Civil, que é a polícia judiciária estadual.

“Para mim é tudo motivado por questões políticas, eu estou com a consciência tranquila. Em nenhuma hora interferi. Acho assim, você deflagra uma operação nessa monta e o superintendente não sabe de nada? Ele é o primeiro a ser cobrado pela imprensa e pela direção. Então a gente tem que saber o mínimo”, afirma.

Como mostrou a Folha de S.Paulo, a troca de comando em Alagoas era uma das mudanças em chefias de superintendências previstas após Nunes assumir o comando da PF, em 25 de fevereiro.

Nunes é o quarto diretor-geral da PF em menos de quatro anos do governo de Bolsonaro e substituiu o delegado Paulo Maiurino, cuja curta gestão de dez meses foi marcada por crises internas.

A dança de cadeiras no comando da Polícia Federal teve início com a demissão de Maurício Valeixo em abril de 2020, ocasião em que o então ministro da Justiça, Sergio Moro, deixou o cargo acusando Bolsonaro de tentar interferir na PF com o objetivo de abafar investigações que pudessem atingir familiares e amigos.

Em reunião ministerial ocorrida dois dias antes da queda de Valeixo e Moro, e que foi tornada pública posteriormente por ordem do STF, Bolsonaro falou que iria interferir na PF, mesmo que para isso tivesse que trocar ministros.

Dois anos após esse episódio, a PF encerrou o inquérito dizendo não ter havido indícios de que Bolsonaro interferiu para proteger aliados e familiares ao trocar o comando do órgão.

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