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Política & Poder

Governador do AM condecorou coronéis investigados por operação que matou 8

A operação, em agosto de 2020, terminou com oito homicídios. Entre as vítimas estavam dois jovens indígenas mundurucus e um adolescente

FolhaPress

26/05/2023 8h56

Foto: Diego Peres/Secretaria de Comunicação do governo do Amazonas

VINICIUS SASSINE
MANAUS, AM

O governador do Amazonas, Wilson Lima (União Brasil), condecorou dois coronéis da Polícia Militar suspeitos de ordenar, viabilizar ou comandar uma operação de extermínio em comunidades ribeirinhas e indígenas na região do rio Abacaxis, as cidades de Nova Olinda do Norte e Borba.

A operação, em agosto de 2020, terminou com oito homicídios. Entre as vítimas estavam dois jovens indígenas mundurucus e um adolescente.

Houve tortura de pelo menos quatro pessoas, sendo uma delas criança; lesões corporais graves em três vítimas, das quais duas são crianças; desaparecimento de corpos; e incêndio de três casas em uma aldeia, como mostrou investigação da PF (Polícia Federal).

Em abril deste ano, a PF indiciou os coronéis Louismar Bonates, que era o secretário de Segurança Pública do Amazonas durante a chacina, e Ayrton Ferreira do Norte, comandante-geral da PM durante a operação no interior do estado.

Lima condecorou os dois policiais, “como prova do reconhecimento das suas qualidades e valores”.

Em maio de 2022, o governador concedeu aos dois e a mais 12 oficiais da PM a medalha comemorativa do aniversário da PM do Amazonas. Também receberam o prêmio oito oficiais das Forças Armadas e de outras polícias e 50 autoridades civis, entre as quais o então presidente Jair Bolsonaro (PL). Lima é bolsonarista e atua no mesmo campo político do ex-presidente.

Segundo a justificativa publicada no Diário Oficial do Amazonas, a medalha premia oficiais que “tenham se tornado dignos de reconhecimento da corporação, bem como àqueles que suas qualidades ou valores o governo julgar merecê-la”.

A medalha é uma “prova de reconhecimento das suas qualidades e valores, que a corporação julgou merecê-la”, conforme a justificativa presente no decreto do governador.

O ex-secretário de Segurança Pública recebeu nova medalha em novembro de 2022, também por meio de um decreto do governador publicado no Diário Oficial. Desta vez, foi a medalha Imperador Dom Pedro II, como “prova do reconhecimento dos serviços prestados ao Corpo de Bombeiros Militar do Estado do Amazonas”.

Antes, em março de 2022, o ex-comandante da PM foi incluído em ato administrativo da polícia que definiu pagamento de “gratificação de curso com incidência de 25%”, calculada sobre a remuneração. O pagamento deveria ser retroativo a janeiro.

A Folha questionou o Governo do Amazonas e a Secretaria de Segurança Pública sobre os atos favoráveis aos dois coronéis da PM. Não houve resposta.

Em nota enviada na quarta (24), em resposta a questionamentos do jornal para reportagem que revelou detalhes da investigação da PF, o governo afirmou que colabora com a apuração.

“A Secretaria de Segurança Pública esclarece que a operação oficial da PM foi deflagrada depois que dois PMs foram assassinados a tiros no local por traficantes que subjugavam a comunidade”, disse. “Estamos colaborando com a investigação e temos certeza de que, ao final, a Justiça vai prevalecer.”

O governo não respondeu se Lima avalizou a operação feita em 2020.

A Folha de S.Paulo não conseguiu contato com o ex-secretário e com o ex-comandante indiciados. A reportagem enviou questionamentos sobre a atuação dos dois ao Governo do Amazonas e à Secretaria de Segurança Pública, para saber a posição dos dois coronéis a respeito das acusações. “Os dois citados não fazem mais parte da estrutura do governo estadual”, disse a administração.

Bonates foi exonerado do cargo de secretário de Segurança Pública em agosto de 2021, um ano após a chacina. O governo citou “motivos de saúde”. Ferreira deixou o comando-geral da PM em outubro do mesmo ano.

Conforme a PF, o que ocorreu na região do rio Abacaxis foi uma atuação típica de grupo de extermínio, com apoio institucional para ocultação dos crimes. A polícia citou a ocorrência de crime contra a humanidade na operação.

Segundo a PF, a ofensiva policial teve início após um secretário da gestão estadual tentar entrar em terra protegida da União, sem autorização, para pesca esportiva. Esse integrante do governo local alegou ter sido atingido por um disparo de arma de fogo e afirmou, segundo testemunhas citadas pela PF, que voltaria armado ao local.

Na sequência, um grupo de policiais foi à região, sem uniformes e sem mandados de busca ou de prisão, conforme a PF. Dois policiais foram baleados e morreram, e outros dois ficaram feridos.

A PM do Amazonas, então, desencadeou uma ação nas comunidades com o propósito oficial de combate ao tráfico de drogas. Porém o que houve, de acordo com a PF, foi uma ação de extermínio motivada por vingança, com anuência e organização de integrantes da cúpula da segurança pública do governo do estado.

Os crimes apontados pela PF são homicídio qualificado, tortura, lesão corporal, roubo, ameaça, invasão de domicílio, incêndio criminoso, abuso de autoridade e associação criminosa.

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