Revoltados com a aprovação na Câmara do projeto que altera o Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) cobrado sobre os combustíveis, os Estados buscam uma ação conjunta para barrar a mudança que tem potencial para retirar R$ 24 bilhões dos cofres dos governadores. Eles já antecipam uma disputa jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF) caso o projeto seja aprovado também no Senado.
Como alternativa, os secretários de Fazenda dos Estados avaliam a possibilidade de congelar por 60 dias o preço de referência usado para a cobrança do ICMS sobre os combustíveis. Também está na mesa de negociação a diminuição do número de vezes que esse preço é alterado. Hoje, a frequência de atualização do preço é de 15 dias, o que retroalimenta a alta dos preços ao consumidor
A maioria dos Estados estava inflexível ao congelamento proposto pelos governos do Maranhão e de Minas Gerais, mas o quadro mudou com a pressão colocada pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (Progressistas-AL), que numa votação relâmpago do na noite de quarta-feira passou como um trator sobre os governadores e conseguiu aprovar o projeto com votação de 392 votos a favor e apenas 71 contrários. Não deu tempo nem mesmo de fazer uma mobilização. Lira comprou a campanha do presidente Jair Bolsonaro de colocar a culpa nos Estados pela alta dos preços.
O projeto, porém, é considerado inconstitucional pelos Estados por interferir na sua autonomia de legislar sobre o seu próprio tributo, além de ferir a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) que exige medidas compensatórias para renúncias de receitas. Os governos regionais consideram que a aprovação do projeto foi uma resposta política e não econômica, que não resolverá o problema dos preços elevados dos combustíveis.
“A tendência é fazer um contraponto a esse grande bode colocado na sala. Talvez o menor dos males seja alinhar para um congelamento de preços até dezembro”, antecipou o secretário de Fazenda de Alagoas, George Santoro, que na última reunião do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), depois de um clima tenso, pediu vistas à proposta do Maranhão e de Minas Gerais de congelamento do preço de referência. O assunto voltou a ser discutido pelos secretários de Fazenda.
Santoro reconheceu que é difícil “competir” com as emendas parlamentares que têm garantido a aprovação de projetos sem discussão técnica. “Infelizmente estamos vivendo momentos complicados. Com o orçamento das emendas parlamentares, o Congresso fica com poder gigantesco e não mais interlocução técnica”, criticou.
Estratégia no Senado
Em reunião nessa quinta-feira do Comitê Nacional dos Secretários de Fazenda dos Estados (Comsefaz), os secretários combinaram de pedir ajuda ao presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Todos os secretários entendem que o projeto é inconstitucional. Cada secretário vai avaliar a posição de sua bancada para articular apoio. A estratégia em discussão mais provável é congelar o preço de referência para a cobrança do ICMS até o final do ano para ter tempo de aprofundar a discussão no Senado.
“Os secretários convergiram na ação de trabalhar para sensibilizar e persuadir os senadores do equívoco que é o projeto aprovado na Câmara e pedir a não aprovação do mesmo, já que não resolve o problema do preço dos combustíveis”, disse o diretor institucional do Comsefaz, André Horta.
Para o secretário de Fazenda do Rio Grande do Sul, Marco Aurélio Cardoso, o projeto faz uma distorção enorme em cima da cobrança do ICMS, que já é um imposto com muita judicialização. “Temos vários procuradores e juristas que dizem que ele é inconstitucional e não ataca o fator que causa o aumento do imposto”, afirmou. Ele lembrou que a zeragem do PIS/Cofins pelo governo federal durante alguns meses não impediu a alta dos preços.
Se aprovado pelo Senado, as assembleias legislativas terão que aprovar a regulamentação da medida e mudar os projetos de orçamento dos Estados já enviados, processo que pode demorar mais de um mês. Como a medida tem apelo popular, essa regulamentação não é considerada um empecilho pelo comando da Câmara. Essa é uma das razões que os governadores estão pisando em ovos com o tema.
O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), condicionou a “boa vontade” com a mudança na cobrança do ICMS a uma avaliação efetiva do impacto no preço dos combustíveis. “É algo que interfere ali no dia a dia e na previsibilidade do orçamento dos Estados. Vamos considerar essas informações, vamos permitir esse diálogo”, disse Pacheco.
Minas Gerais, o Estado do presidente do Senado, informou ao Estadão que vai perder R$ 3,6 bilhões por ano em arrecadação de ICMS dos combustíveis. Redução que também terá impacto direto nos cofres dos 853 municípios mineiros, uma vez que 25% (R$ 900 milhões) são destinados às prefeituras.
O presidente da Federação Brasileira de Associações de Fiscais de Tributos Estaduais (Febrafite), Rodrigo Spada, alertou que o projeto deveria vir acompanhado de estudo do impacto financeiro e orçamentário para atender a LRF. “Vejo com uma medida que vai ser judicializada e que fere o Pacto Federativo e a LRF”, afirmou. Segundo ele, a Febrafite vai atuar no Senado para defender os recursos dos Estados e municípios . A perda dessa arrecadação, diz ele, vai prejudicar as políticas públicas, sobretudo de saúde e educação.
O setor de óleo e gás espera que o Senado faça ajustes na proposta, disse a diretora executiva de Downstream do Instituto Brasileiro de Petróleo e Gás (IBP), Valéria Lima. Segundo ela, a mudança para a alíquota fixa é positiva, mas os deputados retiraram da versão final do texto o benefício da monofasia, o que pode sofrer questionamentos judiciais.
Enquanto a monofasia fixa a cobrança do imposto no produtor ou importador e por uma única vez, a substituição tributária apenas antecipa o pagamento das obrigações no início da cadeia, mas mantém a tributação das demais operações, permite recolhimentos adicionais e alimenta a guerra fiscal entre os Estados. Lima destaca ainda que o texto não define quais combustíveis serão abarcados pela nova lei.
“O primeiro parecer era muito completo e em linha com a previsão constitucional, mas um acordo na semana passada gerou o novo substitutivo que ficou no meio do caminho”, afirmou. Para ela, existe a percepção de que o ICMS sendo ad valorem (um porcentual sobre o preço de venda) é um problema. “A mudança pode, no futuro, trazer mais estabilidade aos preços. Mas é preciso destacar que o ICMS é apenas uma das variáveis que compõem o preço dos combustíveis.”
Pelo texto aprovado na Câmara, a cobrança passa a ser com base em um valor fixo por litro – a exemplo de impostos federais PIS, Cofins e Cide -, modelo conhecido como “ad rem”. Ele substitui a cobrança atual, que utiliza um porcentual sobre o valor do preço de venda.
O ICMS hoje incide sobre o preço médio ponderado ao consumidor. Quando a Petrobras reajusta o combustível, a arrecadação dos Estados também cresce, mesmo que as alíquotas permaneçam inalteradas.
Estados ameaçam ir ao STF contra mudança no ICMS
Eles já antecipam uma disputa jurídica no Supremo Tribunal Federal (STF) caso o projeto seja aprovado também no Senado