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Política & Poder

Embaixador do Brasil ignora convite de Assembleia da França, que aponta falta de cooperação

O gesto, de acordo com parlamentares do país europeu, comprova a falta de cooperação do Brasil com as autoridades francesas sobre o assunto

Redação Jornal de Brasília

13/08/2021 19h25

Foto: Marcos Oliveira/Agência Senado/ND

Ricardo DeIla Coletta e Marianna Holanda
FolhaPress

O embaixador do Brasil em Paris, Luís Fernando Serra, ignorou um convite formal da Assembleia Nacional da França para comparecer a uma audiência que investiga o garimpo ilegal na Guiana Francesa. O gesto, de acordo com parlamentares do país europeu, comprova a falta de cooperação do Brasil com as autoridades francesas sobre o assunto.

A Assembleia Nacional equivale à Câmara dos Deputados no Brasil e organizou uma comissão de inquérito para traçar um diagnóstico de problemas da mineração ilegal no departamento ultramarino francês que faz fronteira com o Amapá.

“Como prova dessa falta de cooperação na questão da mineração ilegal de ouro, o embaixador do Brasil na França não deu seguimento a pedido de audiência da comissão de inquérito, ao contrário do embaixador do Suriname, um país com o qual a cooperação transfronteiriça foi retomada”, escreveram os parlamentares franceses no relatório, datado de 21 de julho.

“A retomada da cooperação com o Brasil é, portanto, um pré-requisito para erradicar o fenômeno da mineração ilegal de ouro”, afirmaram. De acordo com o Itamaraty, o convite para que Serra expusesse a visão brasileira sobre o tema ocorreu em 11 de março. A audiência, por sua vez, estava prevista para o dia 24 do mesmo mês. Portanto, o episódio ocorreu ainda na gestão de Ernesto Araújo à frente do Ministério das Relações Exteriores. Ele pediu demissão no final de março e foi substituído por Carlos França.

Sob condição de anonimato, diplomatas brasileiros disseram à reportagem que não existe nenhuma norma que obrigue um embaixador estrangeiro a comparecer a reunião marcada pelo Poder Legislativo. No entanto, o fato de Serra ter ignorado o convite, dizem, causa danos à capacidade de interlocução com a Assembleia francesa.

Procurado, Serra afirmou à reportagem que já escreveu aos deputados mostrando disposição de encontrá-los para manifestar que “o governo federal colabora com o Executivo francês na tarefa de equacionar os problemas na fronteira comum, a qual queremos que seja exemplar”. Ele não disse quando a mensagem foi enviada.

As relações entre Brasil e França estão estremecidas desde o início do mandato de Jair Bolsonaro (sem partido), que em diversos momentos antagonizou com o presidente francês, Emmanuel Macron. Em 2019, após Macron ter criticado uma onda de queimadas na Amazônia e ter defendido levar o assunto a uma reunião do G-7, Bolsonaro passou a acusá-lo de querer interferir na soberania brasileira sobre a região.

Os choques entre os dois países envolveram também ofensas de Bolsonaro e do ministro Paulo Guedes (Economia) à primeira-dama da França, Brigitte Macron; e o cancelamento de última hora de uma reunião de Bolsonaro com o chanceler francês, Jean-Yves Le Drian, durante visita a Brasília. No horário previsto para o encontro com o chefe da diplomacia francesa, o líder brasileiro fez uma live cortando o cabelo.

Questionado, o Itamaraty disse que o embaixador não compareceu à audiência parlamentar porque o governo brasileiro considera que a comissão de inquérito “não é o foro internacional adequado para tratar do complexo tema da extração de ouro ilegal na região fronteiriça”.

“A mineração ilegal não apenas na Guiana Francesa, mas na faixa setentrional da América do Sul, reveste-se de aspectos diversos cujo tratamento não é feito pela referida comissão de inquérito de forma abrangente”, afirmou o Itamaraty.

A comissão de inquérito é composta de 29 congressistas, que aprovaram por unanimidade o relatório. O documento tem valor consultivo para as autoridades do país europeu. No relatório, assinado por Gabriel Serville, a situação do garimpo na Guiana Francesa é retratada como um problema com forte influência brasileira.

“Em verdade, embora antiga, por causa da existência de numerosas convenções e declarações bilaterais, a cooperação com o Brasil continua insuficiente hoje, ao passo que 95% dos garimpeiros [na Guiana] são brasileiros em situação de imigração ilegal e parte do abastecimento logístico vem de bases localizadas nas margens do rio Oiapoque”, constou do relator.

Nas recomendações do relatório, o autor propõe mudanças em acordos com o Brasil para, entre outros aspectos, permitir que garimpeiros detidos cumpram suas penas em território brasileiro. “Restaurar uma cooperação pragmática e eficaz com o Brasil deve ser uma prioridade da agenda diplomática francesa”, disse o documento.

À reportagem o Itamaraty afirmou que tem trabalhado com o governo francês para aumentar a cooperação na área de fronteira em todos os setores, “inclusive no que se refere ao garimpo ilegal na Guiana Francesa”.

A chancelaria brasileira argumentou ainda que essa cooperação envolve aspectos migratórios, consulares, econômicos, ambientais, de segurança, de transporte e de saúde, entre outros. “Esses temas são tratados regularmente no âmbito da comissão mista transfronteiriça, integrada por órgãos federais, inclusive pelo Ministério de Relações Exteriores”, afirmou o Itamaraty.

“O Brasil e a França possuem e cultivam relações históricas, alicerçadas em interesses comuns. A França é um importante interlocutor da diplomacia brasileira em diversos campos, como defesa e ciência; tecnologia e inovação; comércio e investimentos; acadêmico e cultural; entre outros.”

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