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Política & Poder

Efeito Toffoli: anulação de provas gera corrida de delatores da Lava Jato para derrubar multas

O efeito Toffoli se espalha em varas de primeira instância e tribunais que foram base da operação

Redação Jornal de Brasília

14/09/2024 0h30

Foto: Rosinei Coutinho/STF

Um ano após anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht, o ministro Dias Toffoli, do Supremo Tribunal Federal, acumula em seu gabinete dezenas de processos derivados de sua decisão que abriu um ciclo de desconstrução de medidas tomadas no âmbito da Operação Lava Jato. Das 46 petições em tramitação no gabinete de Toffoli em Brasília, 24 estão ligadas ao processo que dinamitou a mais famosa e polêmica investigação de combate à corrupção do País. O efeito Toffoli se espalha em varas de primeira instância e tribunais que foram base da operação.

Na lista de petições relacionadas à implosão da Lava Jato, está por exemplo, o processo no qual Toffoli anulou todos os procedimentos e investigações envolvendo um dos principais delatores da Operação: Marcelo Odebrecht.

Conforme decisão da Segunda Turma do STF, caberá ao juiz responsável por cada procedimento analisar as provas do caso e avaliar se as ações ficam de pé mesmo com a exclusão das provas entregues pela empreiteira à Justiça.

A decisão que aniquilou as informações entregues pela empreiteira à Justiça ainda não tem data para passar pelo crivo da Segunda Turma do Supremo. Em fevereiro, o grupo suspendeu o julgamento de três recursos contra a decisão de Toffoli até a finalização da conciliação sobre os acordos de leniência da Operação Lava Jato. No final do mês passado, foi estendido prazo por mais 30 dias para que as autoridades e empresas cheguem a um consenso.

Decisão de ministro cria ramificações

Enquanto isso, a decisão de Toffoli cria ramificações: se Marcelo Odebrecht usou um caminho pavimentado por Lula para conseguir se livrar das ações da Lava Jato, alvos da Operação usam a decisão que beneficiou o ‘príncipe das empreiteiras’ em seu favor.

O mesmo acontece com o despacho sobre outro alvo emblemático da Lava Jato, o ex-governador do Paraná Beto Richa. Toffoli anulou todos os atos praticados pela antiga força-tarefa da Lava Jato em Curitiba e pelo ex-juiz Sérgio Moro envolvendo Richa nas Operações Rádio Patrulha, Piloto, Integração e Quadro Negro.

Parte das 24 petições que tramitam no gabinete de Toffoli apresenta um denominador comum: foram impetradas por delatores da Lava Jato, muitos deles da lista dos 77 ex-executivos da Odebrecht, e alguns pedindo inclusive a suspensão das colaborações e a devolução de multas (veja abaixo a lista completa).

Entre eles está o ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque, preso no mês passado para cumprir uma pena “definitiva” de 39 anos de prisão. Toffoli ainda não decidiu sobre a petição, que foi impetrada logo após o mandado de prisão ser expedido.

Antes da prisão de Duque ser decretada, a defesa chegou a pedir que a medida não fosse determinada até que a Justiça Federal resolvesse “questões apuradas no âmbito da Operação Spoofing” – investigação sobre hackers que invadiram comunicações de procuradores e de Moro. Segundo os advogados do ex-chefe da Petrobras, tais questões poderiam “redundar na anulação de condenações” proferidas pela 13ª Vara Federal de Curitiba, base da Lava Jato.

Enquanto os alvos da operação usam Lula, Richa e Odebrecht como ímãs para direcionar pedidos a Toffoli e tentar anular seus processos na Operação já no STF, as respostas para os pedidos têm sido a mesma: o ministro destaca o efeito erga omnes da decisão que derrubou as provas da leniência da Odebrecht – a expressão tem relação com o caráter do despacho do ministro, ou seja, vale para todos.

Com isso, Toffoli sinaliza aos investigados que recorrem a seu gabinete que procurem os juízos competentes – os que cuidam de seus respectivos casos – para fazer as mais diversas solicitações: trancamento de processos, suspensão de investigações e até anulação de delações.

Em seus despachos, Toffoli repete: “Como tenho feito desde que assumi a relatoria da Reclamação 43.007, advirto que nos feitos, seja de que natureza for, em que houve a utilização de elementos de prova declarados imprestáveis, o exame a respeito do contágio de outras provas, bem como sobre a necessidade de se arquivar inquéritos ou ações judiciais deverá ser realizado pelo juízo natural do feito, consideradas as balizas fixadas naquela reclamação e as peculiaridades do caso concreto.”

Esse foi o caminho indicado, por exemplo, para o lobista Adir Assad, que pediu a suspensão da multa do acordo de R$ 50 milhões que fechou em 2017. Toffoli sinalizou à defesa que o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, seria o foro adequado para analisar o pedido.

Indicação semelhante ocorreu com o ex-presidente da OAS Léo Pinheiro. O ministro disse que a solicitação de suspensão da multa deveria ser apresentada a seu colega Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo.

Nessa linha, os efeitos colaterais da decisão sobre a leniência da Odebrecht vão aportando em juízos de primeiro grau, tribunais federais e até no Superior Tribunal de Justiça.

Efeitos internacionais

Também há implicações sobre as cooperações internacionais – os elementos não podem ser enviados a outros países para abastecer apurações estrangeiras. E, então, as consequências práticas do despacho de Toffoli são sentidas.

É o caso da anulação dos acordos de colaboração premiada e de não persecução penal de Jorge Luiz Brusa, a quem a força-tarefa da Lava Jato atribuiu suposta lavagem de dinheiro. Os pactos foram derrubados com base na decisão de Toffoli, o que levou à ordem de devolução de multas de R$ 25 milhões.

Brusa chegou a acionar Toffoli antes de recorrer à 13. Vara Criminal Federal de Curitiba. Em março, o ministro negou o pedido e sinalizou que a defesa deveria acionar o “juízo natural do feito” – a vara que homologou os acordos -, e que ela teria condições para analisar o caso “com a cautela e a verticalidade necessárias”.

Cronologia

As 24 petições que tramitam no gabinete de Toffoli estão ligadas à reclamação que presidente Luiz Inácio Lula da Silva ajuizou em 2020 em busca da íntegra do acordo de leniência da Odebrecht.

O processo se agigantou, passou a abarcar os diálogos apreendidos na Operação Spoofing e culminou na decisão que anulou as provas da empreiteira nas ações contra o chefe do Executivo. Desde então, outros réus da Lava Jato passaram a pedir extensão da decisão que beneficiou Lula.

Toffoli herdou o processo do antigo relator, o ministro Ricardo Lewandowski – hoje ministro da Justiça – nessas condições com pedidos de uma série de personagens da Lava Jato, que já conseguiram decisões benéficas – os empresários Walter Faria e Paulo Skaf, o ex-ministro Paulo Bernardo Silva, o prefeito do Rio Eduardo Paes, o ex-presidente da Eletronuclear, almirante Othon Luiz Pinheiro da Silva, e o ex-ministro Edison Lobão.

Incomodado com o ‘tumulto do processo’, Toffoli assinou, no dia 6 de setembro do ano passado, o despacho que anulou as provas da leniência da Odebrecht. Se antes o ministro aplicava a decisão do STF sobre Lula a cada um dos réus que pediam a extensão do entendimento, agora a anulação valeria para todos os réus.

Assim, estes poderiam usar a decisão de Toffoli para dirigir os pedidos de anulação e trancamento de processos judiciais a juízos de primeiro grau. Um movimento semelhante aconteceu quando o Supremo Tribunal Federal declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para julgar Lula e declarou Moro suspeito: coube aos juízos que cuidavam das ações do petista a avaliação e interpretação do impacto da decisão e a consequente anulação das ações.

O ministro tentou organizar a Reclamação. Começou a separar os novos pedidos de extensão em petições à parte, como ocorre até hoje. Antes disso todas as solicitações eram encaminhadas e decididas com o cabeçalho da Reclamação. As petições eram encaminhadas para Toffoli em razão da conexão com o processo principal. Foi o que aconteceu, por exemplo, com o caso do empresário Marcelo Odebrecht, o “príncipe das empreiteiras”

Processos

– Os delatores Vinicius Veiga Borin, Marco Pereira de Sousa Bilinski e Luiz Augusto França pediram a Toffoli o trancamento de uma ação penal por lavagem de propinas. O ministro negou o pedido e indicou que ele deve ser encaminhado à Justiça Federal em São Paulo. A defesa recorreu.

– Processo em segredo de Justiça de Mário Frederico de Mendonça Góes – acusado de ser operador de propinas da Petrobrás e carregador de malas de dinheiro para o ex-diretor da estatal Renato Duque. Foi distribuído ao gabinete de Toffoli por prevenção em razão do processo que anulou todas as investigações e as ações de Marcelo Odebrecht. A Reclamação de Lula aparece como processo relacionado.

– O deputado federal Julio Luiz Baptista Lopes pede o trancamento de uma representação criminal e de um processo que tramita no Tribunal Superior Eleitoral sobre supostas propinas nas obras da Linha 4 do Metrô carioca, entre 2007 e 2014. O ministro negou o pedido e indicou que ele deve ser encaminhado ao juízo do caso.

– Os ex-executivos da CCR Luiz Carlos Brum Ferreira e José Braz Cioffi, que fecharam delação na Operação Integração, pedem a revogação de seus acordos – antes requisitaram a extensão de decisões que beneficiaram Beto Richa, mas Toffoli sinalizou que a solicitação deve ser encaminhada ao juízo competente, no caso o Superior Tribunal de Justiça, que homologou as delações.

– O ex-funcionário do Setor de Operações Estruturadas da Odebrecht Olívio Rodrigues Júnior, um dos 77 delatores da empreiteira, pede que “preservados os benefícios do acordo”, sejam trancados dez processos contra ele. O caso ainda não foi analisado por Toffoli.

– O ex-diretor de Serviços da Petrobras Renato Duque – condenado por corrupção e lavagem de dinheiro – pede extensão dos efeitos da reclamação de Lula. A solicitação corre em segredo de Justiça Duque foi preso no último dia 17, para cumprir uma pena “definitiva” de 39 anos na Lava Jato.

– Peter Weinzierl, ex-diretor executivo do banco austríaco, processado nos EUA por lavagem de dinheiro, pede acesso à íntegra do acordo de leniência da Odebrecht e acordos de delação citados em acórdão do Conselho de Administração de Recursos Fiscais. Toffoli concedeu acesso às informações da Operação Spoofing. Recurso está sob análise da Segunda Turma do STF.

– Petição do advogado Rodrigo Tacla Duran – alvo da Operação Lava Jato, apontado como operador financeiro da Odebrecht em esquemas de corrupção, que acusa Moro e o ex-procurador da República Deltan Dallagnol. O processo corre em segredo e foi distribuído para Toffoli em razão do procedimento em que o ministro anulou todos os atos praticados pelos protagonistas da Lava Jato contra Duran na Operação Integração.

– O ex-executivo da Odebrecht Luiz Eduardo da Rocha Soares, um dos 77 delatores da empreiteira, pede o trancamento de cinco ações penais contra ele, “preservados os benefícios do acordo”. O caso ainda não foi analisado por Toffoli.

– O deputado Paulinho da Força e seu ex-secretário parlamentar Marcelo de Lima Cavalcanti pedem o trancamento de uma ação no Tribunal Regional Eleitoral de São Paulo sobre supostas propinas da Odebrecht no valor de R$ 1 milhão. O caso ainda não foi analisado por Toffoli.

– Carlos Habib Chater, alvo da primeira fase da Lava Jato como dono do Posto da Torre, localizado em Brasília, pedia acesso às provas da Operação Spoofing. Toffoli autorizou, mas, segundo a defesa, a Justiça Federal do Distrito Federal não cumpriu a decisão.

– petição em que Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS acusado de corrupção, lavagem de dinheiro e organização criminosa, pede extensão da decisão que beneficiou Marcelo Odebrecht. Em março, Toffoli concedeu a ele acesso às informações da Spoofing, mas negou o pedido para suspender seu acordo de delação premiada – fechado em 2019 com previsão de pena de 30 anos e R$ 45 milhões em multa. Nova petição foi apresentada em junho.

– Petição do marqueteiro João Santana e de sua mulher, Mônica Moura, delatores. Toffoli anulou as provas do acordo de leniência da Odebrecht nos processos contra o casal, mas indicou que o juiz do caso deveria decidir sobre o arquivamento de três ações penais, em trâmite na Justiça Eleitoral do Distrito Federal. Eles recorreram, pedindo os arquivamentos e ainda a restituição de bens que foram bloqueados pela Justiça. O caso será analisado pela Segunda Turma do STF.

– O empresário Raul Schmidt Felippe Júnior, apontado como suposto operador de propinas a funcionários da Petrobras, pede a extensão da decisão que beneficiou Odebrecht, para que sejam declarados nulos todos os atos praticados contra ele pela força-tarefa da Lava Jato e por Moro. O caso ainda não foi analisado por Toffoli.

– Ex-diretor de subsidiária da Odebrecht, Newton de Lima Azevedo Júnior pede a “nulidade de atos decorrentes do acordo de colaboração por ele firmado no âmbito da Operação”. Em julho, Toffoli negou o pedido. O delator recorreu, mas o tema ainda não entrou na pauta da Segunda Turma.

– O sueco Bo Hans Vilhelm Ljungberg, investigado por suposta intermediação de pagamentos de propina a funcionários da Petrobras em contratos na área de compra e venda de petróleo da estatal, pede o trancamento de todos os processos que o citam na Lava Jato. O caso ainda não foi analisado por Toffoli.

– Petição da Odebrecht em que Toffoli anulou pedido de informações do Ministério Público Federal à Novonor (antiga Odebrecht) sobre contas mantidas pela empreiteira em Andorra – principado entre a França e a Espanha, nos Pirineus – com o questionamento se elas eram usadas para o pagamento de propinas. A Procuradoria-Geral da República recorreu da decisão. O caso ainda não tem data para ser analisado na Segunda Turma

– Petição de Marcelo Odebrecht para anulação de seus processos na Operação Lava Jato. A Segunda Turma determinou que cabe ao juiz de cada caso analisar as provas dos processos e avaliar se as ações foram prejudicadas ou não pela derrubada das provas da leniência da Odebrecht.

– Petição do advogado Rodrigo Tacla Duran para que Toffoli declare a impossibilidade do compartilhamento de documentos, mediante cooperação nacional, baseados nas provas da leniência da Odebrecht, que foram anuladas. Duran diz que é alvo de uma ação penal da Espanha que foi abastecida com informações declaradas “imprestáveis” pelo STF.

– Petição em que Toffoli determinou uma apuração sobre suposta “apropriação indevida de recursos públicos por parte da Transparência Internacional e seus respectivos responsáveis, sejam pessoas públicas ou privadas”. Foi instaurada após o deputado Rui Goethe e distribuída a Toffoli por prevenção à reclamação de Lula em razão das supostas indicações de atos de improbidade por parte de procuradores da Lava Jato.

– O ex-presidente da Alusa Engenharia, José Lázaro Alves Rodrigues, acusado de pagar supostas propinas em obras na Refinaria Abreu e Lima, pedia a anulação da ação penal. Em abril, Toffoli declarou a incompetência da 13ª Vara Federal de Curitiba para analisar o caso, remetendo os autos para a Justiça Federal de Pernambuco, que vai avaliar se poderão ser aproveitadas algumas informações.

– Petição na qual Toffoli suspendeu a multa de R$ 10,3 bilhões do acordo de leniência fechado entre o grupo J&F e o Ministério Público Federal no bojo da Operação Lava Jato. Também concedeu acesso às mensagens da Operação Spoofing. A Procuradoria-Geral da República recorreu da decisão, mas o pleito ainda não foi analisado.

– O ex-tesoureiro do PT João Vaccari Neto pedia a extensão da decisão que anulou as provas da leniência da Odebrecht para duas ações a que respondia na Justiça Eleitoral de Brasília sobre supostos repasses ao PT e a contratação de navios-sonda envolvendo o Estaleiro Enseada Paraguaçu. Toffoli acolheu o pedido em agosto do ano passado e, em abril, pediu mais informações ao juízo.

– Petição de Tacla Duran para que Toffoli suspendesse seis procedimentos investigatórios criminais e duas ações penais em trâmite perante a 6ª Vara Federal Criminal de São Paulo.

Estadão Conteúdo

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