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Política & Poder

Aprovação de leis de violência contra mulher avança com bancada feminina maior no Congresso

O número é mais que o dobro do registrado na legislatura anterior (2015-2018), período em que cinco leis sobre o tema entraram em vigor

Redação Jornal de Brasília

26/10/2021 6h05

Agosto Lilás: Uma em cada quatro mulheres sofreu algum tipo de agressão durante a pandemia

Imagem ilustrativa

Desde 2019, ao menos 13 leis federais relacionadas à proteção e prevenção da violência contra a mulher foram aprovadas na Câmara dos Deputados e no Senado. O número é mais que o dobro do registrado na legislatura anterior (2015-2018), período em que cinco leis sobre o tema entraram em vigor. O crescimento, avaliam analistas, coincide com o aumento da visibilidade de casos de violência doméstica durante a pandemia, e com a maior presença e articulação feminina no Parlamento federal.

Os números foram compilados pela promotora do Tribunal de Justiça de São Paulo e conselheira do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) Gabriela Manssur. “Tivemos nos últimos dois anos uma aprovação maior que nos anteriores, principalmente pelo aumento da violência e visibilidade dessas situações”, afirmou.

Para Gabriela, isso não é só reflexo do aumento de 50% do número de parlamentares mulheres, em comparação com a legislatura anterior – embora elas ainda representam 15% das cadeiras no Congresso, enquanto são mais de 50% da população brasileira -, mas de uma atuação em conjunto na bancada feminina.

Mesmo composta por parlamentares de diferentes correntes políticas, com divergências em relação a questões políticas e econômicas, a bancada reuniu consenso em torno de projetos relacionados à violência, relatam a atual coordenadora adjunta, Luiza Canziani (PTB-PR), e a ex-coordenadora Tabata Amaral (PSB-SP).

“A bancada se mobilizou para aprovar diversas leis que superaram a ‘tradição’ de apenas se votar projetos relacionados a mulheres no dia 8 de março, às vezes, apesar do que queriam as lideranças partidárias e os presidentes”, disse Tabata. “No caso de pautas relacionadas à família, como a preservação do desenvolvimento pleno de crianças, combate da exploração sexual infantil e violência contra a mulher, há unanimidade na defesa”, completou Luiza.

Entre os assuntos abordados por leis aprovadas nesta legislatura estão o estabelecimento de normas para combater violência política contra a mulher; a determinação da frequência de agressores a centros de educação e de reabilitação e acompanhamento psicossocial como medida protetiva; a obrigação de que agressores arquem com custos de serviços prestados pelo SUS a vítimas de violência doméstica e familiar; e as duas leis consideradas por juristas de maior impacto no combate à violência, que definem como crime a violência psicológica e a perseguição.

Segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Municípios divulgada em agosto, o aumento de casos de violência contra a mulher durante a pandemia foi de 20% em 2.383 cidades pesquisadas.

Sancionadas em 2021, as legislações suprem lacunas que dificultavam o enquadramento legal de situações de violência e risco para mulheres, e submetiam casos à necessidade de interpretação subjetiva, afirmou a integrante da Promotoria Especializada de Enfrentamento à Violência Doméstica e Familiar do Ministério Público de São Paulo Silvia Chakian. “O aplicador da lei e principalmente o Ministério Público ficavam de mãos atadas diante de alguns comportamentos violentos que não tinham correspondência nos crimes da lei penal”, disse. “Agora existem mais ferramentas para buscar a responsabilização desses autores.”

Gabriela Manssur estima que entre 80 e 90% dos casos que recebe são de violência psicológica. Ela destaca que a inclusão desse tipo de violência no Código Penal pode contribuir para a conscientização sobre o tema.

Após três anos sofrendo violência psicológica e mais recentemente, física, pelo ex-marido, a estudante de medicina de Belém (PA) R.D., 23, buscou, em agosto, proteção judicial contra as ameaças que recebe do antigo companheiro. Agora ela aguarda a apresentação das denúncias pelo Ministério Público para a condução do julgamento de seu caso, em fase de investigação, na Justiça do Pará.

A denúncia agora tem chance de ser apoiada pelas duas novas tipificações do código penal. “A violência psicológica é o que até hoje me causa traumas, medos. Mesmo depois do relacionamento, segue ecoando”, afirma a estudante, que espera que as novas previsões sirvam de arcabouço legal no processo contra o ex-marido. “Desejo muito que essas leis me respaldem”, diz, ao mencionar que ainda vive com medo de ameaças do ex-companheiro.

No momento, ela recebe assessoria do projeto Justiceiras, idealizado por Gabriela, que atende vítimas de violência. Segundo a promotora, antes da legislação, a perseguição não era passível de ser denunciada. “Peguei vários casos de stalking que não consegui enquadrar em nenhum tipo penal. Agora com a lei de stalking, temos uma prevenção a esse efeito intimidatório”, afirma.

Alcance limitado

Apesar do avanço de pautas relativas a violência, a atuação parlamentar pela garantia da paridade de gênero ainda esbarra em gargalos no Congresso quando versa sobre outras esferas. É o caso da reserva de cadeiras legislativas por gênero. Debatida no âmbito da reforma eleitoral neste ano, a proposta ficou fora do texto final da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 28/2021, aprovada pela Câmara e Senado.

Mesmo entre deputadas da bancada feminina, não há consenso sobre a instauração de cota nas casas legislativas, ainda que haja unanimidade na defesa do aumento da representatividade feminina na política. “Foi uma discussão complicada. Há algumas deputadas contrárias à reserva de cadeiras para mulheres. E além de conversar com as deputadas da própria bancada, pois há uma resistência em relação a cotas, é preciso a atuação também no convencimento de deputados”, afirma Luiza Canziani. Segundo Tabata Amaral, ainda há resistência de líderes partidários ao tema.

Segundo a pesquisadora em direito e gênero da FGV Luciana Ramos, principalmente no caso de pautas que promovem o avanço do direito das mulheres no âmbito político, o aumento de deputadas nesta legislatura não se reflete necessariamente no avanço da discussão. “O grupo de mulheres no parlamento é muito diverso”, afirma. “E o perfil de mulheres que entrou é muito conservador.”

Para a especialista, entretanto, o debate é necessário para que o País atinja o aumento significativo da representatividade feminina no Congresso nos próximos anos. “Estamos indo contra a agenda Planeta 50-50 da ONU, que estabelece a meta para 2030. Estamos discutindo algo para chegar na metade do que seria a paridade depois de 2030.”

Outras pautas que visam paridade de direitos, como o aumento da licença paternidade para períodos de tempo mais próximos do concedido a mulheres, também sofrem grande resistência, afirma Tabata. “A gente não conseguiu colocar até hoje entre os projetos que serão levados a plenário como pauta da bancada feminina. Se cria argumentos de que é um projeto anti-econômico”, afirma.

Estadão Conteúdo

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