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Política & Poder

‘A agenda de Bolsonaro não é a agenda de bolsonaristas’, diz cientista política

O combate à chamada ideologia de gênero e o repúdio à corrupção reúnem mais apoios no grupo que levou o ex-capitão ao Planalto

Redação Jornal de Brasília

23/10/2021 7h31

Tanto os eleitores de Jair Bolsonaro em 2018 que permanecem fiéis ao líder como aqueles que já desistiram de segui-lo têm pouco consenso entre si em relação ao que acreditam. O combate à chamada ideologia de gênero e o repúdio à corrupção reúnem mais apoios no grupo que levou o ex-capitão ao Planalto, mas são exceções, diz a cientista política Carolina de Paula, do Instituto de Estudos Sociais e Políticos da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (IESP-UERJ).

Em entrevista ao Estadão, ela explica que, na pesquisa qualitativa “Bolsonarismo no Brasil”, pontos do ideário bolsonarista não foram consensuais e às vezes ficaram minoritários ou foram repudiados pelos seguidores do presidente. Foi o caso do apoio ao retorno da ditadura, mencionado por poucos pesquisados. E da postura de Bolsonaro sobre a pandemia, que espantou apoiadores.

“Acho que o conservadorismo (no Brasil) é muito menor do que a gente imaginava”, diz Carolina de Paula. “No sentido de que o conservadorismo conseguiu penetrar, faz parte da cultura brasileira, mas é muito menor.”

Para detectar os valores dos eleitores de Bolsonaro – os fiéis e os arrependidos – os pesquisadores montaram 24 grupos focais mistos de homens e mulheres. Os participantes se reuniram online, em média por uma hora e quinze minutos. Ficavam nas cidades de São Paulo, Rio, Recife, Goiânia, Belém e Curitiba. A amostra seguiu o perfil bolsonarista indicado por pesquisas quantitativas. Foram usados dois filtros: religião (evangélico ou não evangélico) e arrependimento de voto.

O estudo foi feito pelo Laboratório de Estudos de Mídia e Esfera Pública (Lemep) do IESP-UERJ. Teve apoio do Instituto para Reforma das Relações entre Estado e Empresa (IREE). Também são autores do trabalho os pesquisadores João Feres Júnior, Walfrido Jorge Warde Júnior e Rafael Valim.

Abaixo, os principais trechos da entrevista com Carolina de Paula

Como os problemas do governo Bolsonaro impactam os bolsonaristas?

A pesquisa não tinha foco eleitoral, tinha foco em valores, mas a gente sabe que o voto econômico é importante. Então, a economia com certeza vai ter um peso muito grande nas eleições. A pesquisa mostra que ela repercute mesmo entre os mais fiéis. Vários temas que a gente discute não colam. Mas a questão econômica pega, atinge esse eleitor. Com certeza, o ponto central do Bolsonaro vai ser a agenda econômica.

Quer dizer, a questão econômica consegue ultrapassar essa blindagem que o Bolsonaro teria junto a essas pessoas?

Sim. Eles percebem que há uma crise, um problema. Então, eles identificam a crise, identificam o problema, a realidade dessas pessoas, os parentes perdendo emprego. Mas identificam que é muito decorrência da ação dos governadores e prefeitos, que fecharam a cidade, o Estado. Então, existe também isso. O Bolsonaro seria isento, nesse sentido, porque queria manter a economia, queria manter aberto. Esse eleitor que a gente entrevistou, esse mais fiel, reproduz muitas das narrativas que o Bolsonaro tentou emplacar, e conseguiu emplacar com sucesso, para esse público muito específico. A gente vê esse público, ele é significativo, mas é pequeno para dar sustentação eleitoral para o Bolsonaro.

A pesquisa focou valores que norteariam os bolsonaristas. Quais seriam os mais fortes?

Quando a gente fala em família, em casamento entre pessoas do mesmo sexo, isso não é consenso. Mas quando a gente fala em família, educação das crianças… Isso sim é um dos valores mais fortes. A corrupção também é uma pauta forte para esse público e que motivou muito o voto em 2018. Quando a gente fez (a pesquisa), não tinha estourado a questão da CPI (da Covid). O que a gente percebe? Para alguns, essa agenda da corrupção foi diminuindo. São aquelas pessoas que deixaram de votar no Bolsonaro e estão aí à procura de um novo nome para 2022. Esses temas são os que mais têm consenso. Por exemplo, na questão do aumento da posse e porte de armas, existe uma tendência maior de ser contra esse aumento, que é uma agenda do Bolsonaro, mas não é uma agenda do eleitor do Bolsonaro. É uma agenda de um público muito restrito.

Parte dos bolsonaristas desiludidos dá sinal de que pode votar no Lula. Por que?

Eles não encontram um nome alternativo. São, inclusive, pessoas que nunca votaram no PT e dizem que se for agora Bolsonaro e Lula, votam no Lula. Porque é aquela ideia de comparação. Eles não gostam de nenhum dos dois. Se tivesse outro nome seria o que eles gostariam. Especialmente nesse público dos arrependidos. É um público muito ligado à agenda da corrupção, que gosta da Operação Lava Jato, fica triste por ela ter acabado. A ideia é tirar o Bolsonaro.

Os arrependidos diferem muito dos bolsonaristas fiéis?

O que a gente percebe é que esses arrependidos têm um perfil mais assim de uma escolaridade um pouco mais alta, e era aquele público que estava motivado, gostava muito, do Sérgio Moro. Digamos assim, era aquele eleitor mais lavajatista. Mas se a gente tivesse de dizer, seria este perfil de escolaridade maior, que é interessado por política e tem a agenda de corrupção muito forte.

Foi possível identificar um episódio decisivo para separar os bolsonaristas fiéis dos arrependidos?

Teve dois episódios, a coisa (saída do governo) do Moro e a covid. Covid com certeza também é definitiva para a rejeição dele (Bolsonaro) e para esse público ficar muito frustrado. A gente percebe que são pessoas que o rejeitam e não vão voltar a votar, independente do que for. E a questão da covid bateu muito. As pessoas veem como desrespeito aos mortos. Então, esse público ficou muito frustrado, muito irritado com a postura do Bolsonaro. E essa coisa mais geral, do modo dele se comportar. Eles achavam que Bolsonaro sendo eleito iria mudar o discurso, entrar na liturgia do cargo, falar de um modo mais adequado para um presidente. Então, isso incomodou desde lá de trás.

Chegou a ser mostrado aos grupos o vídeo com Bolsonaro falando “E daí” sobre a covid?

A gente mostrou um parecido, que é aquele da gripezinha. E aquele outro em que ele fala assim: “Não sei por que essa pressa, que as pessoas têm com a questão da vacina”. Ele meio que dizendo: as coisas são assim, são devagar mesmo, vacina demora muito para ser feita, não sei por que as pessoas estão com essa ansiedade. Por isso que a gente identifica que, dentro deste perfil dos arrependidos, é o que eles falam assim: “Nossa, isso foi um absurdo, uma irresponsabilidade muito grande. Agora, o que a gente vê entre os fiéis? O que eles avaliam? Que Bolsonaro estava sendo cuidadoso com as pessoas, quando ele falava que demora tempo. E as pessoas repetem, é interessante que elas repetem o mesmo discurso que ele está fazendo no vídeo. “As pesquisas mostram que as vacinas levam quatro anos, então essa vacina aí está sendo muito rápida.” As pessoas repetem muito o que ele diz. É um comportamento que ele reforça nas lives, a gente percebe a repetição da narrativa dele, no vídeo instantâneo, que a gente mostrou, e o no próprio discurso imediato delas tem essa repetição.

Pelo que surgiu na pesquisa, dá para tentar projetar como vai ser o discurso do Bolsonaro em 2022?

Eu acredito que a questão da corrupção é uma bandeira bem arriscada para ele retomar. Quando a gente olha para as pesquisas quantitativas (é) bem diferente de 2018. Quando a gente perguntava “Qual é o principal problema do Brasil?”, em 2018 era a corrupção, estava no topo; hoje em dia não é. Está lá em terceiro, quarto lugar. Acredito que a questão do PT ainda deva voltar, porque ainda aparece nesses grupos de apoio. O PT é visto como o mal do Brasil e tudo o mais. Então, o antipetismo ainda deve reverberar nessa eleição. Mas a agenda da corrupção deve ficar mais escondida.

Isso é suficiente para repetir o quadro da eleição de 2018 no ano que vem?

A gente está vendo que não. Tanto que as pesquisas mostram que ele (Bolsonaro) vai ter dificuldade. Então ele precisa ou expandir o eleitorado dele, com esse novo programa (de transferência de renda), porque ele chegou a ter o público, conseguiu entrar naquele público do Nordeste, com renda até um salário mínimo. Ele teve um período de crescimento dentro desse eleitorado, quando teve o primeiro auxílio mais alto, com valor lá de R$ 600 a R$ 1.200. Então, ele vai precisar expandir o eleitorado dele. Esse mesmo eleitorado que ele teve em 2018, a gente viu que ele já perdeu. Esses arrependidos não voltam, pelo que a gente vê na qualitativa, a votar nele.

Como se resumem as conclusões da pesquisa?

Acho que o conservadorismo é muito menor do que a gente imaginava. No sentido de que o conservadorismo conseguiu penetrar, faz parte da cultura brasileira, a gente sabe, mas é muito menor. O Bolsonaro não trouxe essa coisa, não inventou um novo conservadorismo. E ele aproveitou muito da questão contextual. Digamos, ele conseguiu capturar o espírito de 2018, da melhor forma, quando a gente trata da motivação do voto. Ele soube trazer para ele o antipetismo. E ele era uma pessoa muito desconhecida, né? Então agora, quando os eleitores começam a passar por esse momento de crise, começam a avaliá-lo, dizendo que ele não era a pessoa ideal. E outra: a questão da corrupção volta a aparecer como um problema do Brasil mesmo. Então a gente vê esse público, por exemplo, que desistiu de apoiar o Bolsonaro, ele acredita que realmente a agenda da corrupção vai ficar para sempre aí no Brasil. É muito difícil de resolver. Então, ele dá um choque de realidade nessas pessoas que tinham uma esperança. Ele traz essa realidade que o jogo político, a corrupção, faz parte também da política. As pessoas passam a valorizar temas que estavam fora da agenda em 2018. Por exemplo, a questão da saúde, que é o tema do momento e que vai guiar a eleição, junto com a economia.

Estadão Conteúdo

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