A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) em tramitação no Congresso para anistiar partidos políticos por irregularidades em eleições passadas, inclusive descumprimento da cota de gênero e raça das candidaturas, é vista por especialistas como uma das iniciativas mais corporativistas do Legislativo desde a redemocratização.
Pesquisadores avaliam que a tramitação do texto não deve avançar neste ano, por causa das disputas internas travadas entre os presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG), mas veem como possibilidade concreta que a proposta volte a ganhar tração em 2024.
O tema foi debatido durante a 8ª edição do seminário Caminhos contra a Corrupção, iniciativa do Estadão em parceria com o Instituto Não Aceito Corrupção. A mesa “Diagnóstico dos Partidos Políticos: Como fazer com que pactuem compliance e accountability?” teve a participação dos cientistas políticos Marcelo Issa e Ana Cláudia Santano e do promotor de Justiça de Minas Gerais, Rodrigo Mazieiro. A conversa foi mediada por Katia Brembatti, presidente da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).
“O que a gente vê nos últimos anos são tentativas do Congresso Nacional no sentido de anistiar sanções aplicadas ou aplicáveis aos partidos políticos, flexibilizar regras e obrigações que os partidos devem cumprir, especialmente junto à Justiça Eleitoral, e fragilizar também os mecanismos de transparência e de controle social sobre o recursos públicos que recebem. Essa última tentativa, chamada PEC da Anistia, eu diria que foi a mais ambiciosa de todas”, afirma Marcelo Issa, da Transparência Partidária.
Rodrigo Mazieiro considera que as investidas do Congresso para flexibilizar a legislação eleitoral são “cíclicas”. Em 2019, por exemplo, os parlamentares aprovaram anistia às multas aplicadas aos partidos políticos.
O promotor mineiro vê com ceticismo a possibilidade de as próprias siglas criarem programas de integridade para prevenir e fiscalizar irregularidades no uso de verbas públicas. O financiamento privado de campanhas no Brasil foi proibido pelo Supremo Tribunal Federal em 2017. Os partidos políticos recebem o Fundo Eleitoral, para custear as candidaturas, e o Fundo Partidário, para despesas correntes.
“Não há vontade política em produzir normas jurídicas que obriguem os partidos políticos a implementarem programas de integridade. Acho que, por enquanto, é uma utopia, infelizmente”, declarou.
Para Ana Cláudia Santano, da Transparência Eleitoral Brasil, a transparência eleitoral e partidária avançou no Brasil por iniciativas da Justiça Eleitoral. Na visão da especialista, poucos partidos têm estrutura satisfatória e falta coordenação entre os diretórios nacional, estadual e municipais, o que dificulta o cumprimento das exigências previstas em lei. “Quando a Justiça Eleitoral toma a atitude de dizer como fazer, todo mundo ganha”, declarou.
Ela ressalta que a legislação eleitoral é complexa inclusive para os especialistas no tema e que, por vezes, resoluções publicadas pela Justiça Eleitoral não levam em consideração a realidade local.
Estadão Conteúdo