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Vítimas de torturas contam o inferno vivido na Ucrânia

De volta ao lugar onde viveu seu tormento, em um desolado prédio ferroviário, ele conduz os jornalistas a um porão úmido

Redação Jornal de Brasília

21/09/2022 16h59

Foto: Fadel Senna/AFP

Depois que as forças russas se retiraram da região de Kharkiv (nordeste), um ucraniano foi à polícia para explicar o inferno que viveu durante a ocupação, entre chutes e choques elétricos em seus órgãos genitais.

“Oleksander” – um homem de 40 anos cuja identidade a AFP aceitou em manter em segredo, pois tem família na península da Crimeia, na Ucrânia, anexada pela Rússia – diz que, em 22 de março, um grupo de homens armados chegou em duas vans e o prenderam.

Seus captores, diz ele, eram membros da milícia da República Popular de Luhansk, autoproclamada em 2014 com o apoio de Moscou, no leste da Ucrânia.

Veterano da operação militar de Kiev contra os separatistas pró-Rússia no leste, Oleksander insiste que foi um dos alvos prioritários dos rebeldes.

Suas memórias são tão traumáticas quanto dolorosamente confusas. De volta ao lugar onde viveu seu tormento, em um desolado prédio ferroviário, a 3 quilômetros da fronteira russa, ele conduz os jornalistas a um porão úmido. Olhando ao redor, percebe que o lugar não é o certo, então leva os repórteres da AFP para o escritório da alfândega no primeiro andar da estação Kozacha Lopan.

Com um pedaço de pano, ele varre os restos de vidro do chão e se deita, para mostrar como ficou agitado durante os interrogatórios de seus captores, que ligaram um cabo elétrico ao seu pênis.

‘Terapia de eletrochoque’

E ainda assim, tem dúvidas. Este também não é o lugar que procura. Revista os armários, destruídos, entre cartazes ucranianos com o símbolo “Z” das tropas russas estampado, e então finalmente tem certeza: tudo aconteceu no escritório ao lado. Foi lá que foi espancado, chutado e submetido a choques elétricos.

Ele foi chutado na virilha com tanta força que seus captores tiveram que proteger sua cabeça de bater no chão para mantê-lo consciente durante o interrogatório, lembra Oleksander.

“Eu estava aqui, assim, e eles começaram a me chutar em todos os lugares”, explica ele, com as mãos atrás da cabeça, agachado e se contorcendo.

“Eu disse a eles para não me baterem porque eu tenho uma hérnia, mas eles abaixaram minhas calças”, recorda. “Eles chamaram de ‘terapia de eletrochoque’ quando fui eletrocutado”.

“Isso me deu a impressão de que eles estavam jogando metal derretido sobre meu corpo”, afirmou.

Oleksander foi detido por cinco dias na delegacia da pequena cidade de Kozacha Lopan, onde viveu toda a sua vida, e depois transferido para uma prisão em Goptivka.

Em 17 de abril eles o soltaram, provavelmente, pensa ele, porque precisavam de espaço para manter mais prisioneiros de guerra ucranianos.

Kozacha Lopan foi uma das primeiras cidades a cair nas mãos das forças russas após o início da invasão em fevereiro.

Assim que o exército ucraniano a libertou em setembro como parte de uma contraofensiva, Oleksander entrou em contato com a polícia ucraniana.

Tudo “confirmado”

Hoje, a estrada que conecta Kharkiv com Kozacha Lopan está repleta de buracos provocados pelos obuses e pelos foguetes.

Uma promotora ucraniana está investigando o que aconteceu. A cidade foi libertada mas, de longe, ainda se ouvem os disparos de artilharia.

“Aqueles que trabalharam como, digamos, ‘policiais’ na, digamos, ‘polícia popular’ (pró-Rússia) são pessoas bem conhecidas”, disse à AFP a promotora local para crimes de guerra Kateryna Shevtsova no prédio da administração local.

“Providências serão tomadas para levá-los à justiça nos próximos dias. A maioria deles era daqui”, disse Shetsova, cercada por policiais armados.

Ela quer agir rápido, convencida de ter todas as provas que incriminam aqueles que colaboraram com os invasores. “Hoje fizemos uma inspeção nos porões onde, como apuramos pelas provas, pessoas foram torturadas”, explica. “Tudo foi confirmado”.

© Agence France-Presse

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