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Gays em Cuba: marginalização, ‘Morango e chocolate’ e matrimônio

“Foram 14 anos enfiado em uma biblioteca municipal”, recordar, acrescentando que trabalhava “no porão” sem poder publicar texto algum

Redação Jornal de Brasília

21/09/2022 16h51

O escritor Antón Arrufat tinha 35 anos quando foi marginalizado por sua obra provocadora e por sua preferência sexual. Duas décadas depois, colaborou com o filme “Morango e Chocolate”, que trouxe o tema para o debate público. E, hoje, apoia a legalização do casamento gay em Cuba.

A poucos dias do referendo sobre um novo Código de Família, que prevê o casamento igualitário na ilha, Arrufat relembra o período sombrio que marginalizou os intelectuais, no final dos anos 1960 e parte dos anos 1970, quando o modelo soviético se impôs em Cuba.

“Sim, (fomos) ‘parametrizados’. Essa é a palavra que foi usada”, contou Arrufat, de 87 anos, em entrevista à AFP, entre pinturas e livros, em seu sofisticado apartamento em Havana.

“Nunca soubemos por que estávamos assim. Ninguém nos disse: ‘vocês cometeram um erro’, nunca”, diz o romancista, poeta e dramaturgo nascido em 1935, em Santiago de Cuba (leste).

“Foram 14 anos enfiado em uma biblioteca municipal”, recordar, acrescentando que trabalhava “no porão” sem poder publicar texto algum.

“Aguentei como um cavalo” e “sofri coisas que um escritor deste país não tinha sofrido”, relata o autor, vencedor do Prêmio Nacional de Literatura de 2000.

O que significava ser um “parametrizado”? Em 1970, as autoridades estabeleceram que os parâmetros morais para um trabalhador confiável eram serem revolucionários e heterossexuais. Caso contrário, o funcionário podia ser realocado para tarefas menores.

“Não éramos mais os mesmos”

Os homossexuais eram suspeitos não apenas por suas ideias políticas, mas também porque se pensava que “a homossexualidade era uma doença contagiosa” e que era necessário separá-los, “evitando contato, não apenas físico, mas até espiritual”, explicou tempos depois o agora falecido intelectual Ambrosio Fornet, no texto “Quinquênio sombrio: Revisitando o termo”.

Alguns escritores foram condenados ao ostracismo, e outros, enviados para a Unidade Militar de Ajuda à Produção (UMAP), campos de trabalho agrícola criados para o serviço militar, apenas por causa de suas preferências e ideias políticas, religiosas, ou sexuais.

Em 1968, Arrufat ganhou o prêmio literário da oficial União de Escritores e Artistas de Cuba, por “Los Siete contra Tebas”, uma alegoria da vida política cubana da época. Caiu em desgraça pela rejeição institucional dessa peça considerada contrarrevolucionária e que chegou aos palcos apenas em 2007.

O artista relembra suas aventuras com grandes escritores, também conhecidos por sua homossexualidade, como José Lezama Lima (1910-1976) e Virgilio Piñera (1912-1979). Eles morreram isolados, sem voltarem a ver seus textos em livrarias e teatros. Depois, partiram autores como Guillermo Cabrera Infante (1929-2005), Reinaldo Arenas (1943-1990) e Heberto Padilla (1932-2000).

Arrufat voltou lentamente à vida pública. Na década de 1990, esteve entre os que contribuíram para o sucesso do filme “Morango e Chocolate” (1993). A obra trata da vida de um refinado homossexual, um amante da arte, para quem as portas se fecham até que ele decide deixar seu país.

“Trabalhei um pouco naquele filme (…) Era muito amigo” de Tomás Gutiérrez Alea, um dos dois diretores da produção, conta Arrufat, que aparece nos agradecimentos do filme.

Indicado ao Oscar de melhor filme estrangeiro em 1994, este longa “contribuiu para algo neste país”, afirma. “Depois daquele filme, não éramos mais os mesmos.”

O Código da Família será votado em um referendo no domingo (25). Além de permitir o casamento gay e a adoção para pessoas do mesmo sexo, o novo texto prevê legalizar a barriga de aluguel e o reconhecimento de pais múltiplos, entre outros direitos. “Pode ser uma mudança muito grande em nossas vidas”, conclui Arrufat.

© Agence France-Presse

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