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Quênia enfrenta seca que deixa milhões com fome

No norte do Quênia, assolado pela seca, os aldeões de Purapul estão à beira da fome, mal sobrevivendo com frutas silvestres

Redação Jornal de Brasília

22/07/2022 12h21

Foto: AFP

Loka Metir sabe que esses frutos amargos adoecem seus filhos, enfraquecendo-os ainda mais. Mas não chove há três anos, e não há nada para comer. “É a única maneira de sobreviver”, diz à AFP a mãe de cinco filhos em Purapul, a dois dias a pé da cidade mais próxima no árido distrito de Marsa.

Pelo menos 18 milhões de pessoas no Chifre da África enfrentam fome severa enquanto a pior seca em 40 anos devasta a região.

Mais de 4 milhões estão no norte do Quênia, um número que aumentou consideravelmente este ano, à medida que a crise passa despercebida em meio a uma campanha eleitoral difícil – e custosa.

Quase 950.000 crianças menores de cinco anos e 134.000 mulheres grávidas ou lactantes nas zonas secas do Quênia enfrentam desnutrição aguda e precisam de ajuda, de acordo com dados oficiais de junho.

Foto: AFP

Para debaixo do tapete

O Banco Mundial previu em junho que a seca, juntamente com o impacto econômico da guerra na Ucrânia, afetaria a recuperação econômica do Quênia da pandemia de coronavírus.

Mas mal aparece na agenda eleitoral quando políticos quenianos percorrem o país em busca de votos. O tema dominante no país da África Oriental é a inflação descontrolada, que ofuscou todas as outras preocupações.

Manifestantes nas grandes cidades ameaçaram boicotar as eleições de 9 de agosto, se os preços não forem reduzidos, ao som de “sem comida, sem eleição”.

A situação no norte do Quênia foi varrida “para debaixo do tapete”, segundo o economista Timothy Njagi, do Instituto Tegemeo de Política e Desenvolvimento Agrícola em Nairóbi.

Quatro frustrantes estações chuvosas, agravadas pelas mudanças climáticas, criaram as condições mais secas desde o início dos anos 1980. Rios e poços secaram, e áreas de pastagem viraram pó, matando mais de 1,5 milhão de cabeças de gado somente no Quênia.

Carcaças de animais se espalham pelas planícies rochosas ao redor de Purapul, onde famílias de pastores lutam sem leite e carne para se alimentar e sem bens para trocar por comida.

Ignorados

Iripiyo Apothya viu suas cabras encolherem e morrerem. As peles que ele não conseguiu ferver e comer estão espalhadas pelo chão de sua cabana.

“Agora eu como o que os macacos comem”, diz a mulher de 73 anos com um punhado de frutas que ela ferve para fazer uma pasta azeda. “Mas mesmo isso está acabando, o que vamos fazer?”, pergunta na aldeia isolada, que não tem escola, estrada, ou loja.

Os dois principais candidatos presidenciais, William Ruto e Raila Odinga, chegaram de helicóptero à área atingida pela seca, com promessas de infraestrutura e desenvolvimento.

Mas esta área não oferece muitos votos, e as secas não costumam ajudar a ganhar eleições, comenta Karuti Kanyinga, do Instituto de Estudos de Desenvolvimento da Universidade de Nairóbi.

Claire Nasike, do Greenpeace África, disse à AFP que as promessas dos candidatos de investir em água e agricultura em terras áridas carecem de detalhes relevantes para torná-las efetivas.

A seca, que pode se estender até 2023, também não atrai muita atenção global. Um apelo internacional para ajudar o Quênia a lidar com a seca arrecadou 17% da meta, em comparação com um pedido de ajuda para a Ucrânia que levantou quase 86% de sua meta de US$ 1,92 bilhão, segundo dados da ONU.

Sob uma acácia, em sua visita quinzenal a Purapul, um médico examina dezenas de mães e crianças que sofrem de desnutrição.

“A ajuda que damos é uma gota no oceano”, admite James Jarso, da World Vision, uma das poucas instituições de caridade que ajudam os afetados pela seca.

O governo afirma que gastou mais de 10 bilhões de xelins (US$ 84,3 milhões) desde que a seca foi declarada emergência nacional em setembro passado. “Vivemos tempos econômicos difíceis. Fazemos o nosso melhor dentro dos meios do governo para apoiar as comunidades”, disse à AFP o vice-comissário do distrito de Loiyangalani, Steven Mavina.

Em Purapul, os moradores tiram água de um poço contaminado e esperam a ajuda chegar. “Ninguém nos ajuda”, lamenta Apothya. “Quero que as pessoas saibam que estamos morrendo.”

© Agence France-Presse

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