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Portugal vê socialistas à frente, mas partido de extrema direita ganha força para Parlamento

No sistema político luso, quando não há maioria no Parlamento, as legendas costuram acordos para formar uma coalizão

FolhaPress

15/01/2022 15h25

Giuliana Miranda
Lisboa, Portugal

Embalados pelo desgaste do governo do premiê socialista António Costa e por um bom resultado em eleições municipais recentes, os partidos de direita em Portugal, puxados pelo tradicional PSD, já concentram mais de 40% das intenções de voto para o próximo pleito legislativo, em 30 de janeiro.

Embora o Partido Socialista siga na liderança das pesquisas, a deterioração da relação da legenda com as demais siglas de esquerda –que inviabilizaram a aprovação do último Orçamento e levaram à convocação das eleições antecipadas– pode provocar a transição do país para um governo liderado pela direita.

No sistema político luso, quando não há maioria no Parlamento, as legendas costuram acordos para formar uma coalizão e conseguir governar. Assim, no cenário de uma eventual “geringonça à direita” –alusão ao apelido da coalizão que levou a esquerda ao poder em 2015–, a possibilidade de participação de um partido da direita radical no arranjo governista é um dos principais pontos de debate hoje.

Pesquisas indicam que o partido Chega, que estreou no Parlamento em 2019 e tem apenas um deputado, deve conquistar mais assentos no pleito e acumular capital político para participar de negociações.

O partido e seu líder –André Ventura, terceiro lugar nas últimas eleições presidenciais– colecionam propostas polêmicas, como castração química de pedófilos, volta da pena de morte e obrigatoriedade de trabalho social para beneficiários do Rendimento Social de Inserção, espécie de Bolsa Família português.

O Chega também já teve integrantes ligados a organizações neonazistas e é frequentemente acusado de discurso discriminatório contra comunidades ciganas. Em dezembro, o Supremo Tribunal de Justiça do país confirmou a condenação de Ventura por “ofensas ao direito à honra” por ter chamado de bandidos, durante um debate na TV, os integrantes de uma família negra e moradora de um conjunto habitacional.

Sem esconder a intenção de integrar um eventual governo de direita, Ventura já fala em exigir ministérios caso seu partido alcance uma votação expressiva. Apesar da pressão, Rui Rio, líder do maior partido de oposição, o PSD (Partido Social-Democrata, de centro-direita), nega a possibilidade de se juntar à direita radical para virar premiê. “Não quero o poder a qualquer preço”, disse ele em debate na semana passada.

O social-democrata afirmou que há “diferenças de fundo que impedem um acordo” e citou pontos que classificou de graves no programa do Chega. A cientista política Marina Costa Lobo, do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, destaca, porém, que as declarações descartam a entrada do Chega em um eventual governo, mas não excluem a chance de aceitar apoio parlamentar da legenda.

“É problemático que um partido como o Chega, com problemas nos tribunais devido a afirmações racistas de seu líder e que diz querer um regime diferente no país, seja tão facilmente integrável pela direita”, afirma Lobo. “Se em Portugal houvesse um governo apoiado pelo Chega, tão pouco tempo depois de esse partido ter sido criado, seria das normalizações mais rápidas em nível europeu.”

O PSD já contou com o apoio do Chega para assumir o governo da região autônoma dos Açores. No final de 2020, social-democratas interromperam mais de duas décadas de liderança socialista no arquipélago graças a uma manobra com a ajuda da legenda de direita radical. Embora a política regional tenha muitas diferenças em relação ao panorama nacional, o arranjo é frequentemente citado nesta campanha eleitoral.

Professor da Universidade de Lisboa, o cientista político António Costa Pinto chama a atenção para o momento de recomposição dos partidos mais à direita em Portugal. Pesquisas mostram queda acentuada do CDS-PP, partido conservador tradicional que hoje surge com 2% da preferência dos portugueses.

Além do Chega, outra legenda de direita deve sair fortalecida: o Iniciativa Liberal, que defende a agenda liberal clássica de diminuição da participação do Estado e que atualmente tem apenas um deputado.

“A oposição de direita está hoje mais fragmentada, o que é uma novidade em Portugal. As eleições vão consagrar esse fracionamento”, diz Pinto. “Na oposição aos socialistas, os dois partidos tradicionais [CDS-PP e PSD] coligavam-se sempre que tinham chance de chegar ao poder. Portanto, era fácil encontrar uma alternativa de governo à direita. Agora, com essa fragmentação, há incerteza também na direita.”

André Azevedo Alves, professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa, também considera a reorganização do voto à direita um dos pontos centrais na eleição, já que não são apenas os levantamentos pré-eleitorais a indicar essa tendência, mas também os resultados das últimas eleições municipais, com o crescimento do Chega, principalmente, e da Iniciativa Liberal.

A posição moderada do maior partido da oposição, no entanto, faz com que os analistas não descartem um arranjo entre o Partido Socialista e o PSD. Rui Rio, o líder social-democrata, apresenta-se ao centro do espectro político e evita grandes polarizações com a centro-esquerda. Com ele à frente do PSD, o partido votou junto com a sigla governista em quase dois terços das propostas do Executivo na última legislatura.

“Se o Partido Socialista continuar a ser o mais votado, ele vai tentar evidentemente renegociar apoios à esquerda. Se isso não acontecer, pode tentar negociar um outro tipo de acordo parlamentar”, diz Pinto, da Universidade de Lisboa. “Mas é preciso ter cuidado: não é uma coligação com o PSD, mas um acordo.”

Assim, para ele, a solução mais provável, caso as pesquisas de intenção de voto mais recentes se confirmem, é que o PSD se abstenha no Parlamento, deixando passar um novo governo socialista.

Pesquisa de intenção de voto em Portugal 39% das intenções vão para o Partido Socialista (esquerda)
38% optam pelo Partido Social-Democrata (centro-direita)

6% é a fatia do Chega (ultradireita), mesmo percentual do Bloco de Esquerda

Fonte: Centro de Estudos e Sondagens de Opinião da Universidade Católica de Lisboa

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