ALEXA SALOMÃO
SÃO PAULO, SP (FOLHAPRESS)
Empregados, prestadores de serviços e fornecedores da hidrelétrica binacional de Itaipu estão com pagamentos atrasados neste início de janeiro, dos dois lados da fronteira.
A suspensão dos desembolsos foi confirmada à Folha de S.Paulo pelo Sinefi (Sindicato dos Eletricitários de Foz do Iguaçu) e executivos ligados à usina que preferem não ter o nome citado.
Não é falta de dinheiro, pois a usina binacional é uma máquina de gerar receitas em milhões de dólares. O que segura a liberação de recursos é um impasse entre diretorias e conselhos de Brasil e Paraguai sobre o preço da energia elétrica para este ano. A tarifa de Itaipu é avaliada anualmente.
Sem uma definição, o Paraguai não deu andamento aos procedimentos que fixariam o orçamento anual de 2024, o que deixou a usina sem condições de fazer qualquer liberação financeira até agora.
O impasse começou na última reunião de 2023, em dezembro. Sem definição, outra reunião foi agendada para a primeira semana de janeiro, mas o Paraguai cancelou na última hora, protelando uma decisão.
“Está tudo parado, não tem orçamento definido e, assim, não liberam dinheiro para nada”, afirma Paulo Henrique Guerra Zuchoski, conhecido como PH, presidente Sinefi.
Segundo pessoas próximas à empresa, nunca um impasse sobre a tarifa paralisou o orçamento da binacional.
O alerta foi feito por trabalhadores que entraram em férias. A empresa não fez os depósitos, e os empregados avisaram o sindicato. Segundo Zuchoski, são 70 brasileiros nessa condição e um número maior ainda do lado paraguaio.
Por acordo coletivo, a primeira parcela do 13º de Itaipu é adiantado para janeiro. PH conta que Itaipu havia sinalizado que o pagamento seria feito na próxima sexta-feira (12), mas o sindicato já não tem certeza de que ele ocorrerá.
“A empresa tem até o final do mês e, dada a situação, talvez não consiga pagar na data inicialmente acertada”, diz o sindicalista.
Segundo ele, até viagens a trabalho estão sendo canceladas por falta de orçamento para cobrir as diárias.
O temor maior é que os cerca de 1.300 trabalhadores do lado do Brasil e os 1.700 do Paraguai não recebam o salário de janeiro. Itaipu faz os desembolsos no dia 25 de cada mês.
A reportagem da Folha fez contato com a assessoria de imprensa de Itaipu para saber sobre previsão de regularização dos pagamentos e se há horizonte para uma definição sobre a tarifa, mas não recebeu resposta até a publicação deste texto.
Pelo tratado firmado entre os dois países, a tarifa de Itaipu não é negociada. O valor deve corresponder ao necessário para cobrir as despesas do chamado Cuse (Custo Unitário dos Serviços de Eletricidade).
A partir da gestão do almirante Anatalicio Risden Junior, no governo de Jair Bolsonaro (PL), o discurso oficial passou a ventilar a ideia de que a tarifa de Itaipu seria fruto de negociação entre os dois países. Essa versão foi reforçada pela atual gestão de Enio Verri, no governo de Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
O novo presidente do Paraguai, Santiago Peña, do Partido Colorado, criou um impasse político a partir dessa narrativa.
Ele insiste em elevar o Cuse para não parecer mais fraco que seu antecessor, que conseguiu aumentar a tarifa de Itaipu na negociação com o governo Lula em 2023. Peña tentar uma reunião com Lula sobre o tema, mas o presidente brasileiro tem sido orientado a protelar o encontro.
Negociadores brasileiros dizem acreditar que o Paraguai não vai conseguir segurar o orçamento e travar os pagamentos por muito tempo, e terá de ceder.
Para complicar o ambiente, do lado brasileiro, a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), por sugestão da parte brasileira de Itaipu, aprovou, em dezembro de 2023, em caráter provisório, a manutenção do valor do Cuse em US$ 16 por kW para este ano.
Pessoas que conhecem a rotina na binacional dizem que a sinalização de manter o valor teria sido ruim na mesa de negociação, pois fixou o piso nesse patamar, abrindo brecha para o Paraguai pressionar por um preço mais elevado.
Executivos que acompanham a discussão dizem que existe um pleito do Paraguai para que a tarifa seja elevada para US$ 20 pelo kW ao mês neste ano.
Pessoas que acompanham a rotina na usina contam que, em uma reunião do conselho no final do ano passado, um representante do país vizinho chegou a falar que o valor justo seria US$ 30.
Se houver aumento, a medida vai pesar mais para os brasileiros. Pelo acordo bilateral, Brasil e Paraguai dividem a energia meio a meio. Como os paraguaios não consomem toda a sua parte, vendem para o Brasil. Então, cerca de 85% do pagamento da tarifa da usina sai do bolso dos brasileiros. Distribuidoras das regiões Sul, Sudeste e Centro-Oeste são obrigadas a comprar essa energia.
Quem observa o impasse do lado de fora avalia que toda a confusão deriva da narrativa equivocada de que o Cuse se negocia e da crescente dependência dos governos brasileiro e paraguaio em usar o dinheiro de Itaipu como uma extensão do caixa público, impedido uma redução mais racional no valor da tarifa de energia para bancar obras.
Apenas no ano passado, o lado brasileiro de Itaipu anunciou o investimento de R$ 1 bilhão para projetos socioambientais, dentro do programa “Itaipu Mais que Energia”, para atender todos os 399 municípios do Paraná e outros 35 de Mato Grosso do Sul.
Dentro do Cuse, o item mais pesado sempre foi a dívida, quitada em 2023. Agora, Itaipu precisa arcar basicamente com despesas de operação e pagamento de royalties.
Um estudo realizado pelo Ministério de Minas e Energia, ainda no governo Bolsonaro, identificou que o Cuse deveria ficar entre US$ 10 e US$ 12 quando dívida fosse quitada, o que não ocorreu.