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Há 60 anos, tensão entre EUA e Rússia quase terminou em uma catástrofe nuclear

Entre os dias 14 e 28 de outubro de 1962, a Crise dos mísseis de Cuba fez com que o mundo ficasse próximo de um apocalipse nuclear

Redação Jornal de Brasília

14/10/2022 5h00

Por Gabriel de Sousa
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Nós estamos próximos da eclosão de uma Terceira Guerra Mundial? Com os acontecimentos recentes na guerra entre Rússia e Ucrânia, e os receios ocidentais do uso de armas nucleares por parte de Vladimir Putin, essa pergunta está presente no imaginário daqueles que sonham com uma paz duradoura.

Mas, o que podemos afirmar é que esta não é a primeira vez em que essa dúvida paira sobre a humanidade. Além disso, o confronto entre Vladimir Putin e Volodymyr Zelensky não foi o mais perto em que estivemos de uma catástrofe nuclear. Há 60 anos, durante o mês de outubro de 1962, uma tensão entre Estados Unidos e a União Soviética, gerada pela instalação de mísseis na ilha de Cuba, quase gerou uma guerra nunca presenciada pelos seres humanos.

Fazia três anos que um movimento armado e guerrilheiro reformista, liderado por Fidel Castro e Ernesto “Che” Guevara, havia conquistado o poder em Cuba. No auge da Guerra Fria, este novo governo começava a se alinhar com a União Soviética, formalizando uma oposição aos interesses dos Estados Unidos na América Latina. Isso tudo em um território que fica a menos de 250 quilômetros do estado da Flórida.

Nos Estados Unidos, o presidente democrata John Fitzgerald Kennedy, estava terminando de cumprir o seu segundo ano de mandato. Eleito aos 43 anos, a campanha de Kennedy utilizou, além da sua pouca idade, o fervoroso sentimento anticomunista que dominava o país para conseguir a vitória nas eleições de 1960. Quando esteve na Casa Branca, os embates com a União Soviética ficaram intensamente acalorados, principalmente por conta da construção do Muro de Berlim, em 1961.

O líder da União Soviética era Nikita Khrushchev, que ascendeu ao poder após a morte do seu antecessor, Josef Stalin, em 1953. Quando chefiava o Kremlin, Khrushchev fez com que o seu país mostrasse avanços significativos frente aos Estados Unidos, onde a disputa de poder entre os dois países ditava os rumos do planeta. Os soviéticos colocaram o primeiro satélite e ser humano no espaço, e a sua tecnologia militar se aprimorava a cada dia.

A relação entre Kennedy e Khrushchev já não era boa, mas piorou ainda mais no ano de 1961. Em abril daquele ano, os Estados Unidos realizaram uma operação secreta para derrubar o novo governo de Cuba e matar Fidel Castro, o seu líder. Foi um fracasso. Os cubanos resistiram e expulsaram os invasores. Como forma de se proteger de um novo ataque, os cubanos se alinharam de vez ao URSS..

Com o pretexto de garantir a segurança de Cuba, Khrushchev articulou com Castro a implantação de mísseis balísticos na ilha. A União Soviética também buscava responder à altura a presença de mísseis americanos na Turquia e na Itália, que poderiam ser usados futuramente para atacar o seu território. Estava dada a largada para uma crise nuclear que deixaria a humanidade em alerta.

A descoberta e as negociações

No dia 14 de outubro de 1962, aviões-espiões dos Estados Unidos, que fotografavam periodicamente o território cubano, descobriram a existência de uma base de mísseis na ilha. Os artefatos, podiam atacar a capital , os EUA, Washington, em 13 minutos, o que deixou o presidente John Kennedy bastante preocupado.

Após a descoberta, o governo dos Estados Unidos estabeleceu um bloqueio naval ao redor de Cuba, de modo a evitar que novos armamentos chegassem até a ilha. Essa foi a forma com que Kennedy buscou abrir uma negociação, já que um ataque ao território cubano poderia custar um número incontável de vidas perdidas.

Ao longo dos dez dias seguintes, Kennedy e Khrushchev negociavam uma alternativa pacífica para a crise nuclear. Para retirar as armas de Cuba, o líder soviético exigia um compromisso dos Estados Unidos em não mais atacar os cubanos, além da retirada dos seus mísseis na Turquia.

Porém, a tensão não ficou limitada entre as conversas na Casa Branca e no Kremlin. No dia 25 de outubro, no Conselho de Segurança da Organização das Nações Unidas (ONU), o embaixador estadunidense Adlai Stevenson II mostrou as fotografias das bases nucleares para todas as outras autoridades globais. No auge da tensão, Stevenson ficou frente a frente com o diplomata sovíetico Valerian Zorin, indagando-o sobre a existência das armas nucleares.

“Você, embaixador Zorin, nega que a União Soviética tenha colocado, e está colocando mísseis de alcance médio e intermediário em Cuba? Sim ou não? Não espere pela tradução. Sim ou não?”, questionava o embaixador estadunidense.

Momentos de tensão

Se durante a crise nuclear, o mundo esteve perto de uma Terceira Guerra Mundial, o dia 27 de outubro de 1962 foi a data onde o confronto nuclear esteve mais próximo do que nunca. Quando a tensão estava chegando ao seu fim, a artilharia cubana abateu um avião espião estadunidense, matando o seu piloto.

Uma outra aeronave que estava ao seu lado tinha a instrução de revidar o ataque, mas sabendo das consequências que aquele ataque teria para a deflagração de uma guerra, o comandante do caça não atacou de volta.

O episódio ficou conhecido como “Sábado Negro”, porém, no dia seguinte, em 28 de outubro de 1962, a diplomacia entre Estados Unidos e União Soviética se fez mais forte do que a força e a violência. Khrushchov aceitou retirar os mísseis de Cuba, desde que Kennedy retirasse os seus “análogos” da Turquia.

A importância da diplomacia

Em uma entrevista exclusiva para o Jornal de Brasília, o professor de Relações Internacionais da Universidade de Brasília (UnB), Antônio Jorge Ramalho, explica que a crise dos mísseis em Cuba foi o ponto alto da Guerra Fria, que durou do fim da Segunda Guerra Mundial, que se encerrou em 1945, até a dissolução da União Soviética em 1991. Segundo ele, um terceiro confronto em escala global não aconteceu “por pura sorte”, além da evidente importância de uma diplomacia eficaz entre os dois países.

“Foi pela diplomacia que se resolveu. As duas nações entenderam que, se não se sentassem à mesa, baixassem o tom e decidissem negociar, iria se encaminhar para uma hecatombe nuclear. Era isso que estava em jogo e ambos tinham consciência disso”, explica o professor da UnB.

Ramalho explica que o cenário de 60 anos atrás é bastante diferente do atual. Naquela época, a Casa Branca e o Kremlin não tinham dispositivos que permitissem uma troca de diálogos rápida entre os governantes. “Havia muita pouca informação naquele momento, não havia uma comunicação direta entre os dois chefes de estado. A União Soviética já tinha colocado em Cuba uma quantidade muito maior de ogivas nucleares do que os americanos imaginavam”, afirma.

Efeitos no Brasil

O especialista em relações internacionais explica que a crise cubana influenciou outros acontecimentos na América Latina. A fim de combater o surgimento de novos governos reformistas como em Cuba, os Estados Unidos começaram a aprimorar a sua conexão aos países vizinhos, além de influenciar a eclosão de golpes de estado perpetuados por exércitos militares.

Em 1964, dois anos após a tensão por conta dos mísseis em Cuba, teve início no Brasil a Ditadura Militar, que teve a participação dos interesses estadunidenses. “A partir daí os Estados Unidos intensificaram as pressões junto aos regimes militares, tentando detectar genes reformistas ou governantes reformistas. Aqui no Brasil, era o caso do João Goulart. No Chile, era o Allende”, explica o professor.

Poucos sabem, mas durante a Crise de 1962, o Brasil, então governado pelo presidente João Goulart, agiu secretamente em um esforço diplomático para a retirada dos mísseis em Cuba. Segundo um dossiê revelado em 2012 pela Biblioteca Kennedy, o governo brasileiro movimentou a sua diplomacia para evitar “o momento mais perigoso da história da humanidade”. Em uma carta, foi declarado o interesse por um “esforço pela preservação da paz, sem a quebra do respeito à autodeterminação dos povos”.

O medo retorna ao mundo

60 anos depois, o medo do apocalipse nuclear volta a pairar sobre a humanidade. Com os últimos acontecimentos entre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia, as armas nucleares voltaram a se tornar um perigo eminente.

A invasão militar russa na Ucrânia já dura oito meses, afetando diretamente a economia e a paz da comunidade mundial. Nos últimos dias, os Estados Unidos e o presidente Volodymyr Zelensky sugeriram que, em breve, terá início uma fase ainda mais violenta do confronto.

Em uma coletiva de imprensa realizada no dia 6 de outubro, o presidente estadunidense Joe Biden salientou que o mundo vive um perigo nunca antes vivenciado desde 1962. “[Pela] primeira vez desde a crise dos mísseis cubanos, temos uma ameaça direta do uso [de uma] arma nuclear, isso se, de fato, as coisas continuarem no caminho que estão seguindo”, disse Biden.

Em uma entrevista para a BBC News no último dia 8, Zelensky alertou que a Rússia está começando a “preparar a sua sociedade” para um possível uso de armas nucleares, mas avaliou que o inimigo ainda não está “pronto para usá-las”. Para o presidente ucraniano, os aliados precisam adotar “golpes preventivos” para proteger o seu país antes que a catástrofe se torne realidade.

O professor Antônio Jorge Ramalho diz que o medo é justificável, e que a possibilidade do uso de armas nucleares por parte dos russos existe e deve ser tratada com o uso da diplomacia. Para o especialista, o mundo atual conta com um maior número de países que podem intervir para evitar uma catástrofe global, diferentemente de 1962, onde haviam apenas dois gigantes que possuíam grandes empórios de destruição.

“Você tem um ambiente multipolar, você tem vários países capazes de intervir neste processo, como é o caso da China, da Turquia e do Irã. É muito diferente do contexto anterior”, explica o especialista da UnB.

Os 15 dias de temor

14 de outubro de 1962: Os Estados Unidos descobrem evidências fotográficas de bases nucleares na ilha de Cuba.

15 de outubro: Os especialistas dos Estados Unidos interpretam os objetos das imagens como mísseis balísticos de médio alcance. Estas armas poderiam atingir a capital estadunidense em 13 minutos. Kennedy convoca uma reunião de emergência com o seu conselho de segurança.

16 de outubro: John Kennedy diz a seu irmão, Robert Kennedy, então procurador-geral dos Estados Unidos, que a ameaça dos mísseis cubanos aos Estados Unidos é “legítima”. Robert tenta contato com Moscou, que nega a existência de armas nucleares em Cuba.

17 a 19 de outubro: São convocadas equipes de especialistas militares nos Estados Unidos. As reuniões avaliam as opções de não fazer nada; utilizar a diplomacia; chantagear Fidel Castro; invadir Cuba; atacar os locais onde há mísseis conhecidos ou adotar um bloqueio naval.

22 de outubro: O presidente Kennedy revela em um discurso televisivo nacional que os Estados Unidos haviam descoberto a presença de mísseis em Cuba.

24 de outubro: Os soviéticos informam, por meio de um telegrama, que consideram retirar os mísseis de Cuba se os Estados Unidos concordarem em retirar os seus armamentos nucleares da Turquia. O Papa João XXIII envia uma mensagem à embaixada da União Soviética em Roma expressando a sua preocupação pela paz.

25 de outubro: Ocorre uma reunião de emergência no Conselho de Segurança da ONU. O embaixador estadunidense Adlai Stevenson II mostra as fotografias das bases nucleares em Cuba para toda a comunidade internacional.

26 de outubro: Pela primeira e única vez na história, o sistema de segurança dos Estados Unidos atinge o nível “próximo de uma guerra nuclear”. 145 mísseis balísticos ficam apontados para Cuba. Kennedy pensa em autorizar uma invasão à ilha

27 de outubro: O dia mais tenso da crise nuclear, mais conhecido como “Sábado Negro”. Os militares cubanos abatem uma aeronave estadunidense, matando um piloto espião. Um companheiro de missão tinha a instrução de reagir ao ataque, dando início ao temido conflito, mas não o fez.

28 de outubro: Kennedy e Khrushchev entram em um acordo diplomático, dando fim à crise. Os soviéticos retiram os mísseis de Cuba, em troca, os estadunidenses tiram os seus mísseis da Turquia.

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