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Guerra no Oriente Médio: relações históricas e presentes influenciam conflito

Desde o século XIX, a comunidade judaica começou a se mobilizar em torno de uma nacionalidade e do retorno ao seu território “bíblico”

Redação Jornal de Brasília

03/11/2023 11h13

Foto: Yousef Hassouna / AFP

Luiz Claudio Ferreira
Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB

O atual conflito no Oriente Médio, que completa um mês na próxima semana (dia 7), tem origem principal após a Segunda Guerra Mundial, conforme explica o professor de direito e de relações internacionais Danilo Porfírio Vieira, do Centro Universitário de Brasília.

Para entender a questão, porém, ele contextualiza que, desde o século 19, a comunidade judaica, principalmente na Europa, começou a se mobilizar em torno de uma ideia de nacionalidade e do retorno da comunidade ao seu território “bíblico”. A nação judaica estaria fora da sua terra de origem. Desde a diáspora no Império Romano, eles querem retornar.

“O projeto inicial era a compra de territórios de propriedades dentro de uma região que estava, desde a década de 1920, sob controle do Império britânico”, afirma o pesquisador que tem pós-doutorado na Universidade de São Paulo (USP) sobre a “Irmandade Muçulmana”, que acabou gerando, na Palestina, o Hamas.

Século 20 em ebulição

Ele explica que, com o fim do Império Otomano e da 1ª Guerra Mundial, os judeus buscaram retornar à Palestina para criar um estado judaico. A região Palestina, até 1924, estava sob controle do Império Otomano.

“Quando o Império Otomano perdeu a 1ª Guerra, aquela região do Oriente Médio foi dividida entre franceses e britânicos”. A região do Líbano e da Síria ficaram sob controle da França e regiões como Kuwait, Iraque, Jordânia e Palestina para os britânicos.

Na 2ª Guerra Mundial, com o Holocausto, o especialista explica que a comunidade internacional voltou a discutir a ideia de um estado que abrigaria o povo judeu. Após a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), com apoio dos norte-americanos e também do Brasil foi criado o Estado de Israel. “Isso fez da região da Palestina quase um tabuleiro de xadrez, dividido em quatro”.

O litoral setentrional ficou sob controle dos Israelenses e o meridional para os palestinos. A região interiorana ao sul da Palestina foi para os israelenses. Jerusalém iria se tornar uma cidade autônoma, dentro da Palestina e sob o julgo dos britânicos.

Israel

Diante do impasse, houve a Guerra da Independência, em 1948, que vencida por Israel com apoio principalmente dos norte-americanos. A tensão não reduziu. Na segunda metade do século 20 outras guerras com nações vizinhas àquela região, como Egito, Síria, Jordânia, Líbia, a chamada união árabe, deram mais força ainda para Israel, que ganharia o status e potência bélica. Entre as vitórias, a Guerra dos Seis Dias (entre 5 e 10 de junho de 1967) sufocou os vizinhos revoltosos.

Seis anos depois, em 1973, houve a Guerra do Yom Kippur, do Egito e Síria contra Israel. “Com as vitórias de Israel, essa região que era até então legítima dos palestinos, passou a ser ocupada pelos israelenses. Chegamos a tal ponto em que Israel invadiu território sírio, as Colinas de Golã, e até 1980 a península de Sinai estava sob controle também dos israelenses. Depois foi devolvida ao governo do Egito”.

As conquistas territoriais de Israel em meio a guerras duplicaram o seu território. Mas deixou marcas para trás. Por isso, os povos palestinos reivindicam o seu estado original e também autonomia. Em 1993, houve um novo acordo (Oslo) entre israelenses e palestinos, com mediação americana e europeia, no qual acertaram em reconhecer a autoridade Palestina. “A Autoridade Palestina não é um Estado e não tem Exército. Apenas uma polícia”, diz o pesquisador que, no doutorado na Universidade Estadual Paulista (Unesp), estudou a política dos Estados Unidos para o Oriente Médio.

Hamas no poder em Gaza

Ele explica que o poder e a opressão israelenses nunca foram aceitos por setores do movimento político palestino, mais ligados ao engajamento do islã político. “Houve um uso de violência que incitou levantes palestinos que foram chamados de “Primeira Intifada”. Um grupo político palestino ligado a um movimento político islâmico sunita, que teve origem no Egito desde os anos de 1920, chamado “Irmandade Muçulmana” (que nasceu como movimento assistencial de educação) , gerou na Palestina o movimento Hamas em 1987.

Esse grupo não aceita presença naquela região dos judeus dos israelitas, tanto que o Hamas defende a aniquilação do estado de Israel nos anos 2.000. O Hamas, aliás, deu um golpe na Autoridade Palestina e passou a controlar a Faixa de Gaza, um território de pouco mais de 360 km quadrados superpopuloso com mais de 2,6 milhões de habitantes. Por isso, a Autoridade Palestina não alcança Gaza. “Nunca foi uma pretensão de Israel transformar Palestina em um Estado. A questão é que hoje não existe uma unidade política entre os palestinos”. Outro território palestino, a Cisjordânia está sob o controle do partido Fatah.

Características

“Na lógica de oposição visceral a Israel, o Hamas usa de recursos de guerrilha e muitas vezes de terrorismo. De dois em dois anos, o Hamas ataca Israel com lançamento de mísseis e usa também ativistas e terroristas solitários”.

Ele explica que o Hamas tem características muito diferentes da antiga Organização pela Libertação da Palestina que tem como base a política e a retórica de nacionalidade árabe. “O Hamas tem um discurso de proteger não só palestinos de uma expressão de vida civilizacional com fulcro religioso. É um movimento de insurgência político-religiosa, islã sunita. Eles entendem que Israel é a presença do modo de vida ocidental”.

Por isso, o pesquisador analisa que o Hamas entende que se trata de uma luta contra o mal e, por isso, legitimado a usar qualquer recurso para combater. ”Quem não adere à sua visão de islã é o inimigo, o que nós chamamos de jihadismo”.

“Não é um Fla-Flu”

Pelo lado de Israel, as agressões contra a Palestina são historicamente arbitrárias. “Inclusive tivemos momentos, por exemplo, na década de 1970, que tivemos terrorismo de Estado contra movimentos políticos palestinos”. O professor entende que atualmente Israel considera como inimigo o Hamas.

O professor entende que não se pode reduzir os impactos dos ataques. “Não é um Fla-Flu. Um erro não pode justificar o outro. Nós temos um histórico de opressão institucional de Israel contra a Palestina, mas a forma que o Hamas se utilizou, dessa vez, teve características de ação terrorista”.

Danilo Porfírio avalia que os ataques do Hamas no dia 7 foram sui generis. “Muito diferente daquilo que a gente viu antes. O Hamas age como um invasor. Invadiu o território sul de Israel por terra, por mar e por ar. Usam parapente e asa deltas para cruzar a fronteira de Gaza com Israel, que é toda murada e toda protegida”.

Parcerias do Hamas

A característica diferente desse ataque é que o Hamas não teria agido sozinho. “Agiu de forma inédita com outros movimentos de insurgência política islâmica que recorrem ao jihadismo, entre eles o Hezbollah, que é xiita”. Financiado pelo Irã e sediado no Líbano, também teria lançado mísseis na fronteira norte de Israel. O professor avalia interesse do Exército iraniano no conflito.

“Israel, por mediação americana, está estabelecendo acordos comerciais e de paz com os países do Golfo, que são satélites à Arábia Saudita. Aliás, a Arábia Saudita iria fazer um tratado de paz com Israel, intermediado pelos americanos”. O conflito pode mudar os planos.

O professor explica que Israel quer invadir e ocupar Gaza e isso já é visto como um colapso humanitário. “Na minha opinião, como analista, isso já era calculado pelo Hamas na perspectiva de gerar comoção de parte da comunidade Internacional e da comunidade islâmica e evitar tratados”. O Hamas, conforme explica o pesquisador, tem financiamento da Turquia e do Irã. “Como houve o ataque do Hamas, não vejo agora chance de atenuação ou cessar-fogo a curto prazo. Estamos assistindo agora à revanche”.

Para o professor, a ONU não tem conseguido evitar a escalada dos conflitos e consegue interferir apenas em países mais pobres. Danilo Porfírio avalia que as duas partes do conflito já cometeram crimes de guerra. “Houve mortes e prisões de crianças, de idosos… Há uma violação de preceitos ético e jurídicos que estão estabelecidos desde as convenções de Genebra (na década de 1940)”.

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