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Mundo

Facebook orquestrou campanha de difamação e mentiras contra o TikTok nos EUA

Pesquisadores do Facebook disseram que os adolescentes estavam gastando “2-3 vezes mais tempo” no TikTok do que no Instagram

Redação Jornal de Brasília

01/04/2022 5h58

A Meta, holding do Facebook, está pagando uma das maiores empresas de consultoria republicanas dos EUA para orquestrar uma campanha nacional que visa colocar o público contra o TikTok.

A campanha inclui a publicação de artigos de opinião e falsas mensagens nas sessões de “carta ao editor” (uma espécie de carta do leitor) nos principais meios de comunicação regionais do país, promovendo histórias duvidosas sobre supostas tendências do TikTok — que, na verdade, se originaram no Facebook — e pressionando para atrair jornalistas que cobrem política e políticos locais para ajudar a derrubar seu maior concorrente.

Essas táticas, muito comuns no mundo da política, tornaram-se cada vez mais perceptíveis na indústria de tecnologia, na qual as empresas disputam relevância cultural — a estratégia chega também em um momento em que o Facebook está sob pressão para reconquistar usuários jovens.

Funcionários da Targeted Victory, empresa contratada pelo Facebook, trabalharam para minar o TikTok por meio de uma campanha nacional de mídia e lobby, retratando o app, da empresa chinesa ByteDance, como um perigo para as crianças e para sociedade americana. As informações foram obtidas por e-mails internos compartilhados com o Washington Post.

No acordo, a Targeted Victory precisa “passar a mensagem de que, embora o Facebook seja o ‘saco de pancadas’ atual, o TikTok é a ameaça real, especialmente como um aplicativo de propriedade estrangeira que é o número 1 no compartilhamento de dados que os jovens estão usando”, escreveu um diretor da empresa em um e-mail de fevereiro.

Os agentes da campanha também foram incentivados a usar a proeminência do TikTok como uma forma de desviar das próprias preocupações a respeito de assuntos como privacidade e antitruste do Facebook.

“É um ponto bônus se pudermos encaixar isso em uma mensagem mais ampla de que os projetos de lei/propostas atuais não são onde (procuradores-gerais estaduais) ou membros do Congresso devem se concentrar”, escreveu um funcionário da Targeted Victory.

Os e-mails, que não foram divulgados anteriormente, mostram até que ponto o Facebook e seus parceiros podem usar táticas de pesquisa de oposição contra o rival multibilionário, que se tornou um dos aplicativos mais baixados do mundo — muitas vezes superando apps como Facebook e Instagram.

Em um documento interno divulgado no ano passado pela ex-funcionária Frances Haugen, pesquisadores do Facebook disseram que os adolescentes estavam gastando “2-3 vezes mais tempo” no TikTok do que no Instagram, e que a popularidade do Facebook entre os jovens havia despencado.

A Targeted Victory se recusou a responder a perguntas sobre a campanha, dizendo apenas que representa o Facebook há vários anos e que está “orgulhosa do trabalho” que faz com a empresa.

Farsa editorial

Em outros e-mails, a Targeted Victory pediu aos parceiros que enviassem histórias para a mídia local vinculando o TikTok a tendências perigosas para adolescentes, em um esforço para mostrar os supostos danos do aplicativo. “Algum exemplo local de tendências/histórias ruins do TikTok em seus mercados?” um funcionário da Targeted Victory perguntou.

“O sonho seria ter histórias com manchetes como ‘Das danças ao perigo: como o TikTok se tornou o espaço de mídia social mais prejudicial para as crianças'”, escreveu o funcionário.

O porta-voz da Facebook, Andy Stone, defendeu a campanha dizendo: “Acreditamos que todas as plataformas, incluindo o TikTok, devem enfrentar um nível de escrutínio consistente com seu crescente sucesso”.

Do lado do TikTok, a empresa disse que está “profundamente preocupada” com “o aumento das reportagens da mídia local sobre supostas tendências que não foram encontradas na plataforma”.

A Targeted Victory trabalhou também para amplificar a cobertura negativa do TikTok por meio de um documento do Google intitulado “Bad TikTok Clips” (“Clipes ruins do TikTok”, em tradução literal). O arquivo foi compartilhado internamente na consultoria e incluiu links para notícias locais duvidosas, citando o TikTok como a origem de trends (assuntos que viralizam) perigosas para adolescentes. Os agentes locais que trabalham com a empresa foram incentivados a promover essas supostas tendências do TikTok em seus próprios mercados para pressionar os legisladores a agir.

Uma dessas trends foi um desafio chamado “devious licks”, que mostrava alunos vandalizando propriedades escolares. Por meio do documento “Bad TikTok Clips”, a empresa divulgou histórias sobre o desafio na mídia local em Massachusetts, Michigan, Minnesota, Rhode Island e Washington, D.C.

Essa trend levou o senador democrata Richard Blumenthal a escrever uma carta, em setembro de 2020, pedindo aos executivos do TikTok que testemunhassem em um subcomitê do Senado. A acusação era de que o aplicativo havia sido “repetidamente mal utilizado e que abusou da plataforma para promover comportamentos e ações que incentivam danos e atos destrutivos”. Mas, de acordo com uma investigação de Anna Foley na rede de podcasts Gimlet, os rumores do desafio dos “devious licks” se espalharam inicialmente no Facebook, não no TikTok.

Em outubro do mesmo ano, a Targeted Victory trabalhou para espalhar rumores do desafio “Slap a Teacher” (“Dê um tapa em um professor”, em tradução literal) nas notícias locais, divulgando uma reportagem local sobre o suposto desafio no Havaí. Na realidade, esse desafio não existia no TikTok. Novamente, o boato começou no Facebook, de acordo com uma série de matérias sobre a companhia de Mark Zuckerberg documentadas pelo site americano Insider.

A empresa trabalhou para usar preocupações genuínas e ansiedades infundadas para lançar dúvidas sobre o aplicativo popular. Um e-mail descrevendo histórias negativas recentes do TikTok misturava perguntas razoáveis, na maior parte sobre a propriedade e as práticas corporativas do TikTok, com histórias mais exageradas sobre usuários jovens se comportando mal – os tipos de publicações nas mídias sociais que há muito atormentam grandes redes, incluindo o Facebook.

A consultoria também estava trabalhando para obter uma “cobertura proativa” sobre o Facebook em jornais locais, rádios e transmissões de TV. O movimento incluia o envio de cartas e artigos de opinião falando com entusiasmo sobre o papel do Facebook em, por exemplo, apoiar negócios liderados por pessoas negras. Essas cartas não mencionaram o envolvimento da empresa financiada pelo Facebook.

A Targeted Victory, inclusive, contratou dezenas de empresas de relações públicas para ajudar a influenciar a opinião pública contra o TikTok. Além de plantar notícias locais, a empresa ajudou a colocar artigos de opinião direcionados ao TikTok em todo o país, especialmente nos distritos mais influentes do Congresso.

Em 12 de março, uma “carta ao editor” que os funcionários da Targeted Victory ajudaram a orquestrar foi publicada no jornal Denver Post. A publicação era de um “jovem pai” “preocupado”, alegando que o TikTok era prejudicial à saúde mental das crianças.

A carta levantou preocupações sobre as práticas da plataforma chinesa em relação à privacidade de dados e disse que “muitas pessoas até suspeitam que a China está coletando deliberadamente dados comportamentais sobre nossos filhos”. A peça também apoiou a escolha do procurador-geral do Colorado, Phil Weiser, de se juntar a uma coalizão de procuradores-gerais estaduais que investigam o impacto do TikTok nos jovens americanos, colocando pressão política sobre a empresa.

Uma carta muito semelhante, redigida pela Targeted Victory, foi publicada naquele mesmo dia no jornal Des Moines Register. A mensagem estava ligada a histórias negativas sobre o TikTok que a consultoria contratada pelo Facebook havia tentado amplificar anteriormente. A carta foi assinada por Mary McAdams, presidente dos Democratas da Área de Ankeny, em Iowa. A Targeted Victory divulgou as credenciais de McAdams em um e-mail em 7 de março.

“O nome (de McAdams) nesta (carta ao editor) terá muito peso com legisladores e partes interessadas”, escreveu um diretor da Targeted Victory. O e-mail incentivou os parceiros de outros estados a procurar oportunidades para adicionar à campanha, “especialmente se o procurador-geral de seu estado, de repente, se juntar (ao movimento)”.

Os autores das duas cartas não responderam às ligações ou e-mails solicitando comentários.

Em um e-mail enviado na semana passada para parceiros locais, a Targeted Victory pediu que cada equipe “estivesse preparada para compartilhar o editorial em que está trabalhando agora”. “Colorado e Iowa – vocês podem falar sobre as cartas ao editor do TikTok que vocês dois receberam?” perguntou um representante da Targeted Victory.

Os documentos ainda mostram como a empresa promoveu suas mensagens anti-TikTok sem revelar que eram originárias de uma consultoria contratada pelo Facebook.

Conhecida na política americana

Lançada como uma empresa de consultoria digital republicana por Zac Moffatt, diretor digital da campanha presidencial de Mitt Romney em 2012, a Targeted Victory aconselhou rotineiramente funcionários do Facebook ao longo dos anos, inclusive durante uma audiência no Congresso após a eleição de 2016.

A empresa, com sede em Arlington, na Virgínia, anuncia em seu site que traz “uma perspectiva central para resolver os desafios de marketing” e pode implantar equipes de campo “em qualquer lugar do país em 48 horas”.

A companhia é também uma das maiores recebedoras de fundos da campanha republicana, ganhando mais de US$ 237 milhões em 2020, segundo dados compilados pela OpenSecrets. Seus maiores pagamentos vieram de comitês do Congresso Nacional do Partido Republicano e da America First Action, uma super PAC (Political Action Committee) pró-Trump. Os super PACs, nos EUA, são organizações não autorizadas a doar dinheiro para campanhas oficiais, mas que podem investir, por conta própria, em recursos pró ou contra algum candidato.

Em 2020, a empresa disse que estava expandindo suas “ofertas de práticas de crise e assuntos corporativos” por causa da crescente necessidade de seus clientes por “gerenciamento de questões e posicionamento executivo”, acrescentando que concentraria seus esforços em “contar histórias autênticas” com uma abordagem “hiper local”.

Alguns dos e-mails direcionados ao TikTok foram enviados em fevereiro, logo após o Facebook anunciar que havia perdido usuários pela primeira vez em 18 anos de existência. Na época, o presidente da empresa, Mark Zuckerberg, disse aos investidores que o TikTok era um grande obstáculo. “As pessoas têm muitas opções de como querem gastar seu tempo e aplicativos como o TikTok estão crescendo muito rapidamente”.

Em competição com o app chinês, o Facebook passou a promover fortemente os Reels, um recurso de vídeo curto muito semelhante ao TikTok.

Em um discurso de 2019, na Universidade de Georgetown, durante o qual invocou Martin Luther King Jr. e defendeu o papel do Facebook na promoção da liberdade de expressão, Zuckerberg criticou o TikTok por relatos de que havia proibido a discussão de tópicos considerados subversivos pelo governo chinês. “É essa a internet que queremos?”.

Zuckerberg também colocou o TikTok na reta para combater as preocupações de que o Facebook detém o monopólio das mídias sociais. O TikTok é o “aplicativo que mais cresce”, disse o presidente no discurso de abertura em uma audiência do Subcomitê Antitruste, em 2020.

Em 2018, o Facebook trabalhou com a Definers Public Affairs, outra empresa de consultoria de Washington, fundada por veteranos políticos republicanos para atacar críticos e outras empresas de tecnologia, incluindo Apple e Google, durante o escândalo da Cambridge Analytica — que provocou indignação global com as regras de privacidade do Facebook. (A empresa disse que parou de trabalhar com a Definers logo após uma reportagem do jornal The New York Times sobre o acordo).

E em 2019, enquanto a empresa enfrentava escrutínio antitruste, o Facebook impulsionou a criação de um grupo de defesa política, o American Edge, projetado para persuadir os legisladores de Washington de que o Vale do Silício era fundamental para a economia dos EUA – e que a regulamentação aberta poderia enfraquecer a competitividade do país em uma corrida tecnológica contra a China.

Hoje, o Facebook gasta mais do que seis das maiores empresas e grupos industriais do país em lobby federal — no ano passado, a empresa gastou mais de US$ 20 milhões, segundo dados compilados pela OpenSecrets. /TRADUÇÃO BRUNA ARIMATHEA

Estadão Conteúdo

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