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EUA vivem cenário confuso após decisão sobre aborto, e Biden tem poucas opções para agir

Ao menos 13 estados tinham leis já prontas para serem adotadas logo depois do anúncio da corte, e a expectativa é que cerca de outros dez façam o mesmo

FolhaPress

27/06/2022 20h27

Foto: AFP

Rafael Balago
Washington, EUA

Três dias após a decisão da Suprema Corte que suspendeu o direito ao aborto nos EUA, a regulação do procedimento no país passa por um momento bastante confuso. Governadores republicanos buscam colocar novas restrições de pé, enquanto políticos democratas e a Casa Branca oferecem poucas medidas concretas para tentar viabilizar o direito à prática e lidar com um país ainda mais dividido.

Ao menos 13 estados tinham leis já prontas para serem adotadas logo depois do anúncio da corte, e a expectativa é que cerca de outros dez façam o mesmo. Assim, o procedimento seria legal em metade do país e vetado na outra. Estados do Sul e do centro formariam uma espécie de cinturão em que o procedimento é proibido, enquanto estados do Norte e das costas Leste e Oeste manteriam a liberação.

O cenário é marcado por incertezas. Alguns estados, como Missouri e Oklahoma, já estão com restrições severas em vigor. Outros debatem adotá-las nos próximos dias ou semanas, mas a Justiça ainda pode intervir. Nesta segunda, um juiz de Louisiana concedeu uma liminar e bloqueou temporariamente a adoção de uma lei estadual antiaborto. O caso deverá ser julgado na semana que vem, e a regra não poderá ser colocada em prática até lá. Ações na Justiça estão sendo apresentadas também em outros estados.

Horas após o anúncio da corte, na sexta, o presidente Joe Biden disse que faria tudo para garantir que as mulheres possam viajar de um estado a outro para abortar e tenham acesso a pílulas abortivas.

No entanto, na mesma fala, o democrata deixou claro que não poderia ir muito além. “O único caminho para garantir o direito de uma mulher a escolher é o Congresso restaurar as proteções de Roe vs. Wade como lei federal. Nenhuma ordem executiva do presidente pode fazer isso”, disse. Em seguida, pediu votos para os democratas nas eleições de novembro, quando haverá renovação da Câmara e do Senado.

O principal freio é a emenda Hyde, de 1976, que impede o uso de recursos federais para custear abortos. “Mas o governo pode apoiar leis que impeçam os estados de barrar o envio de abortivos a outros estados. Seria muito significativo”, diz Richard Friedman, professor de direito na Universidade de Michigan.

Em dezembro, a FDA, agência que regula medicamentos nos EUA, retirou restrições a alguns remédios que induzem o aborto. Agora, eles podem ser receitados por consulta remota e enviadas pelo correio.

Seu uso é indicado nas dez primeiras semanas de gestação. Apesar disso, há punições no Texas a quem fornecê-los a mulheres com mais de sete semanas de gravidez. O envio pelo correio também foi vetado, sob multa de até US$ 10 mil. Outros estados, como Dakota do Sul e Mississippi, consideram reforçar punições.

Além de vetar pílulas, alguns estados especulam dificultar o deslocamento de suas moradoras a outros estados em busca de atendimento. A ideia, no entanto, coloca em xeque o conceito de livre circulação interna. “A Suprema Corte já reconheceu no passado o direito de viajar de um estado para outro. E o juiz [Brett] Kavanaugh disse que qualquer tentativa de tornar ilegal viajar para obter um aborto violaria este direito. Então haveria provavelmente ao menos cinco votos contra leis desse tipo”, afirma Friedman.

Outras possibilidades incluem punir as mulheres com base em leis já existentes, como conspirar para cometer um assassinato. Como a decisão da Suprema Corte deixa em aberto quando a vida começa, estados poderiam considerar o feto um ser humano e, assim, equiparar o aborto a um homicídio.

Na maioria dos casos até agora, as leis buscam isentar as gestantes que abortarem e, em vez disso, punir quem as ajuda. Ativistas e entidades que oferecem informações às mulheres buscam se proteger com base na Primeira Emenda da Constituição, que garante liberdade de expressão e acesso ao conhecimento.

Nesta segunda, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, disse em uma carta aos democratas que o comando do partido planeja novas medidas, como proteger os dados das mulheres coletados por aplicativos de saúde, que poderiam ser usados como prova para denunciar um aborto irregular. Pelosi também prometeu trabalhar por uma lei que garanta o aborto no país. No entanto, a proposta dificilmente seria aprovada no Senado, Casa na qual os republicanos têm poder para barrar medidas do tipo.

Desde o dia da decisão, houve protestos pela volta do direito ao aborto em várias cidades dos EUA, como Los Angeles, Nova York e Washington. Entre as demandas dos ativistas estão a ampliação dos assentos da Suprema Corte, de 9 para 13. Assim, Biden poderia indicar mais quatro juízes e diluir a atual maioria conservadora. O presidente, no entanto, já se mostrou contrário à ideia.

No domingo (26), a deputada democrata Alexandria Ocasio-Cortez defendeu o impeachment de dois juízes conservadores que haviam dito, durante as audiências de confirmação no Senado, que não votariam pelo fim do direito ao aborto, mas agora fizeram o contrário. “Eles mentiram. Mentir sob julgamento é uma ofensa que gera impeachment, e isso deveria ser considerado seriamente”, disse ela.

Juízes da Suprema Corte podem perder o cargo, mas tal movimento demandaria a aprovação por dois terços do Senado -os democratas possuem apenas metade dos assentos.

Outra ideia é abrir clínicas de aborto em áreas federais dentro dos estados que vetam a prática. Mas a proposta pode ser barrada com base na emenda Hyde. Em entrevista nesta segunda (27) à CNN, a vice-presidente Kamala Harris afirmou que, por enquanto, o governo não considera essa possibilidade.

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