Em uma carta sem precedentes dirigida ao Conselho de Segurança, o secretário-geral da ONU alertou, nesta quarta-feira (6), que os bombardeios do Exército de Israel estão provocando o “iminente colapso total da ordem pública” na Faixa de Gaza.
“Em meio aos constantes bombardeios das forças armadas israelenses e sem abrigo e o mínimo para sobreviver, prevejo o iminente colapso total da ordem pública devido às condições desesperadoras, que até mesmo impossibilitariam uma assistência humanitária limitada”, escreveu António Guterres.
É a primeira vez desde que assumiu a chefia da ONU em 2017 que Guterres invoca o artigo 99 da Carta, que lhe permite “chamar a atenção do Conselho” sobre uma questão que “possa colocar em perigo a manutenção da paz e segurança internacionais”.
“Pode ocorrer uma situação ainda pior, incluindo epidemias e uma maior pressão para o deslocamento em massa para os países vizinhos”, acrescenta.
Enquanto a ajuda humanitária que passa pelo posto fronteiriço de Rafah entre o Egito e a Faixa de Gaza é “insuficiente”, “simplesmente somos incapazes de chegar aos que precisam de ajuda dentro de Gaza”, assinala.
“A capacidade das Nações Unidas e de seus parceiros humanitários foi dizimada pela escassez de suprimentos, a falta de combustível, a interrupção das comunicações e a crescente insegurança”, continua.
“Estamos enfrentando um grave risco de colapso do sistema humanitário. A situação está se deteriorando rapidamente em direção a uma catástrofe que pode ter consequências irreversíveis para os palestinos como um todo e para a paz e segurança na região”, adverte Guterres.
“A comunidade internacional tem a responsabilidade de usar toda a sua influência para evitar uma escalada maior e pôr fim a esta crise”, lembra, antes de instar os membros do Conselho de Segurança a “pressionar para evitar uma catástrofe humanitária”.
“O secretário-geral está invocando um dos poucos poderes que a Carta lhe confere”, comentou seu porta-voz, Stéphane Dujarric, que falou em um “gesto dramático”, já que o artigo 99 não era invocado “há décadas”.
“Gostaríamos que o Conselho de Segurança pedisse um cessar-fogo humanitário”, acrescentou.
Em meados de novembro, após rejeitar quatro projetos de texto, o Conselho de Segurança, que desde 2016 não entrava em acordo sobre o conflito israelense-palestino, finalmente quebrou seu silêncio, adotando uma resolução pedindo “pausas e corredores humanitários” na Faixa de Gaza.
Segundo fontes diplomáticas, os membros do Conselho estão trabalhando em um novo projeto de resolução centrado na ajuda humanitária.
No entanto, o embaixador adjunto dos Estados Unidos, Robert Wood, disse na segunda-feira que um novo texto do Conselho “não seria útil neste momento”, preferindo trabalhar “no terreno” para tentar melhorar a situação.
A guerra entre Israel e o Hamas foi desencadeada pelo sangrento ataque sem precedentes do movimento islamista palestino em solo israelense em 7 de outubro.
Em sua carta, Guterres voltou a denunciar esses “abomináveis ataques terroristas” e pediu a libertação de todos os reféns que ainda estão sequestrados em Gaza.
© Agence France-Presse