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Mundo

Brasileiro condenado por invadir Capitólio quer reconstruir EUA com religião

Desde o ataque à democracia perpetrado por apoiadores de Trump, o governo americano já identificou e puniu mais de 700 pessoas

FolhaPress

06/01/2022 11h04

Eliel Rosa, brasileiro condenado por invadir o Capitólio, em imagem publicada em 2018 – Foto: Nehemiah220 no Facebook

Rafael Balago
Washington, EUA

Eliel Rosa costumava defender que os Estados Unidos estavam em perigo e que só uma volta aos valores tradicionais poderia evitar uma decadência capaz de transformar o país em um lugar “condenado à destruição”, como seu Brasil natal.

O religioso foi uma das pessoas presas por invadir o Capitólio há um ano, em 6 de janeiro de 2021. Desde o ataque à democracia perpetrado por apoiadores do então presidente Donald Trump, o governo americano já identificou e puniu mais de 700 pessoas.

Rosa declarou à Justiça dos EUA que nasceu em uma cidade pequena do Brasil, não nomeada, filho de um pastor evangélico. Nos anos 2000, ele se mudou para Curitiba e foi trabalhar para a prefeitura. Na década seguinte emigrou, alegando ser alvo de perseguição política, e obteve asilo em 2018.

Dois anos antes, Rosa e a família haviam se instalado em Midland, cidade de 140 mil moradores no oeste do Texas, onde tinha amigos que eram pastores de uma pequena igreja. Lá ele fundou o ministério Nehemiah220, que diz ter como missão “motivar e facilitar a reconstrução da identidade judaico-cristã americana”.

No vídeo que anuncia a criação do projeto, em 2017, o brasileiro faz um alerta de que os EUA estão em risco e “podem se destruir ao perderem sua origem e não acordarem”. Ele diz que nomes como o ex-presidente Barack Obama, a ex-candidata à Presidência Hillary Clinton (ambos do Partido Democrata), o cineasta Michael Moore e o linguista Noam Chomsky “não são a história verdadeira da América”.

No material, ainda faz críticas ao Brasil. “Eu conheço um país muito bem. Um país sem os valores da América. País bonito, com pessoas bonitas. Mas uma nação nascida na vergonha e condenada à destruição”, diz, em inglês.

Em fevereiro de 2018, o próprio Rosa deu uma aula com o tema “Um olhar sobre o problema da imigração pelo caminho de Deus”, em uma igreja próxima.

Em outubro de 2020, um debate sobre “Colonização comunista na pós-modernidade” ocorreu em um jardim com cartazes da campanha de Donald Trump à reeleição. Pouco depois, a página da Nehemiah220 postou um desenho que dizia que dar apoio ao islã significaria favorecer a própria extinção.

Rosa disse às autoridades que foi a Washington em 6 de janeiro, junto com a amiga Jenny Cudd, para ver o comício de Trump. O republicano convocou um ato para reafirmar alegações –para as quais não tinha provas e que nunca foram comprovadas–, de que houve fraude nas eleições de 2020. No discurso, estimulou seus apoiadores “a lutar”.

Segundo a defesa do brasileiro, ao fim do discurso ele decidiu voltar ao hotel para comer algo e depois se juntou à multidão que ia em direção ao Congresso. Chegando lá, ele e Cudd disseram que encontraram uma porta aberta e entraram no prédio, às 14h35. Eles ouviram o que pareceu um tiro (cinco pessoas morreram na ocasião), se afastaram para que equipes de socorro atendessem o ocorrido e deixaram o local após receber ordem para isso, às 14h43.

Rosa se apresentou ao FBI poucos dias após a invasão, ao saber que participantes da invasão estavam sendo procurados. Ele foi preso e passou a ser atendido por defensores públicos. No processo, disse estar arrependido, mas pronto para encarar as consequências.

“Eu fui contra um dos princípios fundadores da América: não ceder às paixões originadas nas partes mais baixas da natureza humana. Já expressei minha profunda vergonha a todos os nossos amigos e apoiadores. Estou perto de perder minha família por causa disso, mas não posso mudar as coisas”, disse.

“Só o que posso fazer é dar minha palavra de que se eu for autorizado a ficar neste país e realizar meu sonho americano, nunca mais cometerei uma estupidez assim de novo. Eu amo essa nação. A América é onde quero que meu corpo descanse quando minha hora chegar.”

Além de gerar uma crise no casamento, a prisão fez com que amigos se afastassem da família e apoiadores deixassem de doar para o projeto religioso dele. Contatado pela reportagem por email, Rosa não quis dar entrevista.

Ele e a amiga foram indiciados por cinco acusações: obstruir um procedimento oficial, entrar e permanecer em um prédio restrito, conduta desordeira em um prédio restrito, conduta desordeira em um prédio do Congresso e fazer piquete dentro do Congresso. Rosa se declarou culpado da última acusação, cuja pena máxima é de seis meses de prisão.

Ele acabou condenado a 12 meses de pena condicional: precisa seguir uma série de regras, mas não ficar detido em uma penitenciária. A punição foi considerada mais branda do que a de muitos outros invasores –os fatos de ele ter se entregado e admitido a culpa contaram pontos.

A promotora do caso, Amanda Fretto, reconheceu o arrependimento do réu, mas ressaltou haver sinais claros de que Rosa entrou de forma violenta no Congresso, já que ele viu as cenas de caos ao redor e decidiu continuar mesmo assim, segundo relato do site Law and Crime.

No julgamento, o brasileiro buscou mostrar erudição e citou James Madison, um dos pais fundadores dos EUA: “Se os homens fossem anjos, nenhum governo seria necessário. Eu definitivamente não sou um anjo”.

Outro invasor de origem brasileira, Samuel Camargo, também foi preso e indiciado por participar da invasão do Capitólio. O caso dele ainda não foi julgado, e ele aguarda a sentença em liberdade. Camargo, que alegou ser inocente, nasceu em Boston, filho de pais brasileiros, e morava em Fort Myers, na Florida, quando foi detido.

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