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Brasil pode mediar acordo de paz quando países se cansarem da guerra, diz Amorim

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. “Ele ouviu”, disse à reportagem, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz

FolhaPress

12/05/2023 7h21

(Imagem: reprodução)

PATRÍCIA CAMPOS MELLO
SÃO PAULO, SP

O assessor especial do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para política externa, Celso Amorim, propôs ao presidente da Ucrânia, Volodimir Zelenski, o início de um processo diplomático chamado de “negociações por proximidade”, mesmo antes de a Rússia desocupar os territórios que capturou durante a guerra.

Nesse modelo, dois países em conflito se reúnem em uma cidade e se comunicam por meio de intermediários não alinhados a nenhum deles, trocando informações sobre posicionamentos, ideias e preparando para o contato direto.

Zelenski tem deixado claro que o único plano de paz aceito pela Ucrânia tem como condição prévia a desocupação dos territórios ucranianos e reforçou esse posicionamento nas redes sociais após o encontro com Amorim nesta quarta-feira (10).

Mesmo assim, o ex-chanceler se mostrou otimista. “Ele ouviu”, disse à reportagem, descrevendo a reação do ucraniano às ideias do Brasil para a paz.

PERGUNTA – Qual foi o objetivo da sua visita à Ucrânia?

CELSO AMORIM – O objetivo foi a criação de confiança, manutenção do diálogo. A negociação tem várias etapas, a primeira é a criação de confiança entre os atores. Para isso, ela foi muito positiva.

Zelenski abordou a ideia de criar um tribunal internacional para julgar o crime de agressão? Qual é o posicionamento do Brasil nesse sentido?

C. A. – Não abordou. Para cada lado, a agressão é vista de forma diferente. Se você falar com os russos, eles vão dizer que as populações russas do leste da Ucrânia também estão sendo atacadas. Eu compreendo a posição dos ucranianos, eles querem naturalmente mostrar como foram vítimas da agressão, mas eu não quero ficar nisso.

Acho importante, até comentei com Zelenski, o processo diplomático chamado “negociações por proximidade”, citado por Thomas Pickering. É um método usado com sucesso em situações análogas [Pickering foi embaixador dos EUA na ONU e citou a abordagem que envolve países terceiros em artigo na revista Foreign Affairs].

O terceiro país seria o Brasil ou a China?

C. A. – A China é um país que tem grande influência, comentei com o presidente Zelenski. Não estou dizendo se ele concordou ou não. E o Brasil também tem muita influência, por suas características. É só ver a importância que a mídia internacional dá à posição do Brasil.

Em tuíte após a reunião com o senhor, Zelenski afirmou que “o único plano capaz de deter a agressão russa é a fórmula de paz da Ucrânia”. Ou seja, ele continua rejeitando a ideia de negociar antes de a Rússia desocupar os territórios ucranianos.

C. A. – Ele vai verbalizar dessa forma, da mesma maneira que os russos dizem que esse não é o melhor momento para negociar. Mas a gente não pode desistir. Desistir é a pior opção. Haverá um momento, até mesmo pelo cansaço dos países que apoiam um ou outro, em que o dano causado pela guerra será maior do que prejuízo causado por alguma concessão. Nesse momento, é importante que já haja países que estejam articulados, para que a oportunidade não escape entre os dedos. Eu acho que esse pode ser o papel do Brasil.

O secretário de Estado americano, Antony Blinken, afirmou que “se a Rússia parar de lutar, acaba a guerra. Se a Ucrânia parar de lutar, acaba a Ucrânia”, em alusão à possibilidade de que Moscou fique com os territórios capturados. Como vê essa declaração?

C. A. – Temos conversado com os americanos também, sabemos de algumas preocupações deles. Mas as situações econômicas e políticas vão evoluindo. Respeito muito a posição dele, mas acho que tudo isso é muito retórico. Chegará o momento em que os países terão que optar entre a paz e a vitória; a vitória não virá claramente para nenhum dos dois.

Existe justamente essa aposta da Rússia de que o Ocidente vai se cansar, por motivos econômicos e políticos, de ajudar a Ucrânia, e que assim os russos vencem o conflito.

C. A. – Poderá sim haver o cansaço, mas o que é uma vitória de um ou de outro? É difícil de dizer.

Ninguém levará tudo que tudo que quer de jeito nenhum. Então qual será a concessão fundamental?

Como o senhor vê a proposta de Zelenski de fazer uma cúpula Ucrânia-América Latina?

C. A. – Na minha opinião, isso mostra que ele tem confiança no Brasil.

Mesmo ele dizendo que o único jeito de parar a agressão russa é a fórmula ucraniana que implica desocupação dos territórios?

C. A. – Eu não esperaria que ele dissesse outra coisa. Eu não fui para lá para dizer esta proposta aqui está certa ou errada. Eu também conversei com Putin durante uma hora. A gente não tem uma tese, queremos apenas tornar o diálogo mais próximo, possível, talvez inicialmente de uma forma indireta. Eu não o vi reagir negativamente a essa ideia indireta. Mas não estou dizendo que ele concordou.

Zelenski encarou com boa vontade o Brasil como mediador?

C. A. – Ele ouviu. A gente tem que ir falando, conversando, até surgir uma situação, às vezes algum aspecto específico, humanitário, alimentar, e aí expandir a negociação.

Eles levaram o senhor para Butcha (cidade ucraniana onde corpos foram encontrados nas ruas e em valas comuns após a retirada russa)?

C. A. – Sim, mas em Butcha vimos uma igreja, e dentro dela, uma exposição fotográfica. Obviamente nós somos contra as atrocidades e as mortes em qualquer lugar que ocorram. São imagens fortes, não vou entrar em detalhes. Mas não dá para tirar conclusões totalmente, são fotos.

Quais são os próximos passos?

C. A. – Continuar conversando. Esta visita era um passo importante que tinha que ser dado para mostrar que o Brasil é a favor da paz, não de A ou de B.

Zelenski convidou Lula a ir para a Ucrânia. Há previsão para a viagem?

C. A. – Não discuti isso com o presidente.

E há um convite da Rússia para o fim de junho.

C. A. – Tudo isso será avaliado.

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