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A nova estratégia do Facebook é defender sua imagem, blindar Zuckerberg e pedir menos desculpas

Depois de anos enfrentando crise após crise e desculpando-se publicamente, o Facebook agora parte para a ofensiva

Redação Jornal de Brasília

03/10/2021 8h26

Mark Zuckerberg, presidente executivo do Facebook, anunciou em agosto uma nova iniciativa com o codinome Project Amplify. O esforço, que foi planejado em uma reunião interna em janeiro, tinha um objetivo específico: usar o feed de notícias do Facebook, o espaço mais nobre do site, para mostrar às pessoas histórias positivas sobre a rede social.

A ideia era que promover publicações pró-Facebook – algumas delas escritas pela empresa – melhoraria a imagem da companhia perante os olhos dos usuários, segundo três pessoas a par da iniciativa. Mas o movimento não foi tão simples, pois o Facebook não havia usado anteriormente o feed de notícias como um lugar onde fazia brilhar a própria reputação. Vários executivos na reunião ficaram chocados com a proposta, afirmou uma pessoa presente nela.

O Project Amplify pontuou uma série de decisões que o Facebook tomou este ano para mudar radicalmente sua imagem. Desde aquela reunião de janeiro, a empresa começou um esforço multifacetado para mudar sua narrativa, distanciando Zuckerberg de escândalos, reduzindo o acesso de estranhos a dados internos, enterrando uma imagem possivelmente negativa sobre seu conteúdo e aumentando sua própria publicidade.

As movimentações representam uma ampla mudança de estratégia. Durante anos, o Facebook enfrentou crise após crise em relação a temas como privacidade, propagação de informações falsas e discurso de ódio em sua plataforma, desculpando-se publicamente. O próprio Zuckerberg assumiu a responsabilidade pela interferência russa no site durante a eleição presidencial de 2016 e defendeu fortemente a liberdade de expressão online. O Facebook também prometeu transparência na maneira como operava.

Mas o ritmo constante das críticas sobre questões tão variadas quanto discurso racista e disseminação de informações falsas a respeito das vacinas não diminuiu. Funcionários insatisfeitos do Facebook aumentaram o furor ao se manifestarem contra a empresa e vazarem documentos internos. Na semana passada, o Wall Street Journal publicou matérias que tinham como base tais documentos, os quais mostravam que o Facebook estava ciente de muitos dos danos que estava causando.

Então, os executivos do Facebook, concluindo que seus métodos não tinham sido suficientes para sufocar as críticas ou ganhar apoiadores, decidiram, no início deste ano, partir para a ofensiva, disseram seis atuais e ex-funcionários, que não quiseram ser identificados por medo de represálias.

“Eles estão se dando conta de que ninguém mais vai aparecer para defendê-los, por isso precisam fazer isso e defender a si mesmos”, afirmou Katie Harbath, ex-diretora de políticas públicas do Facebook.

As mudanças envolveram executivos do Facebook das equipes de marketing, comunicação, política e integridade. Alex Schultz, um veterano que está há 14 anos na empresa e foi nomeado como diretor de marketing no ano passado, também tem sido decisivo na iniciativa de mudança de imagem, disseram cinco pessoas que trabalharam com ele. Porém, pelo menos uma das decisões foi tomada por Zuckerberg e todas foram aprovadas por ele, disseram três pessoas.

Joe Osborne, porta-voz do Facebook, negou que a empresa tenha mudado seu modo de agir. “As pessoas merecem saber as medidas que estamos tomando para resolver os diferentes problemas que nossa empresa enfrenta – e vamos compartilhar essas decisões amplamente”, disse ele em um comunicado.

Há anos, os executivos do Facebook vêm se irritando com a forma como a empresa parecia receber mais fiscalização do que o Google e o Twitter, segundo atuais e ex-funcionários. Eles atribuíram essa atenção ao fato de o Facebook deixar a si mesmo mais exposto com suas desculpas e ao disponibilizar acesso a dados internos, afirmaram os trabalhadores.

Por isso, em janeiro, os executivos realizaram uma reunião virtual e discutiram a ideia de uma defesa mais agressiva, relatou um dos participantes. O grupo discutiu o uso do feed de notícias para promover publicações positivas sobre a empresa, assim como a veiculação de anúncios vinculados a artigos favoráveis em relação ao Facebook. Eles também debateram como definir uma publicação pró-Facebook, disseram dois participantes.

No mesmo mês, a equipe de comunicação discutiu maneiras de os executivos serem menos conciliadores nas respostas às crises e decidiu que haveria menos desculpas, afirmaram duas pessoas com conhecimento do plano.

Cadê Zuckerberg?

O presidente executivo do Faceook, que acabou se envolvendo com questões políticas, entre elas a eleição de 2020, também queria mudar sua imagem e ser visto como um inovador, disseram as fontes. Em janeiro, a equipe de comunicação divulgou um documento com uma estratégia para distanciar Zuckerberg de escândalos, em parte, concentrando suas postagens no Facebook e aparições na mídia com novos produtos, afirmaram.

O site de notícias sobre tecnologia The Information havia publicado informações a respeito desse documento anteriormente.

O impacto foi imediato. Em 11 de janeiro, Sheryl Sandberg, diretora de operações do Facebook – não Zuckerberg – disse à agência de notícias Reuters que a invasão do Capitólio dos Estados Unidos uma semana antes não tinha quase nenhuma ligação com o Facebook. Em julho, quando o presidente Joe Biden disse que a rede social estava “matando pessoas” ao espalhar informações falsas a respeito da covid-19, Guy Rosen, vice-presidente de integridade do Facebook, contestou a alegação em uma postagem no blog da empresa e chamou atenção para o fato de a Casa Branca não ter conseguido alcançar suas metas de vacinação.

“O Facebook não é a razão pela qual essa meta não foi atingida”, escreveu Rosen.

As contas pessoais de Zuckerberg no Facebook e Instagram logo mudaram de cara. Em vez de abordar controvérsias corporativas, as postagens de Zuckerberg nos últimos tempos têm mostrado coisas como um vídeo em que ele está surfando em uma prancha elétrica em um lago e segurando a bandeira dos EUA, textos sobre a nova realidade virtual e dispositivos de hardware. (Depois que a matéria que falava de Zuckerberg em uma prancha de surfe elétrica foi publicada, ele escreveu no Facebook que o objeto contava, na verdade, com “um hidrofólio que estou bombeando com minhas próprias pernas.”)

Filtros

O Facebook também começou a limitar a disponibilidade de dados que permitiam que pesquisadores e jornalistas estudassem como a plataforma funcionava. Em abril, a empresa disse à sua equipe por trás da CrowdTangle, uma ferramenta que fornece dados sobre o engajamento e a popularidade das postagens no Facebook, que ela seria extinta. Embora a ferramenta continue a existir, as pessoas que trabalhavam nela foram transferidas para outros setores.

Parte do impulso veio de Schultz, que ficava cada vez mais frustrado com a cobertura de notícias que usava dados da CrowdTangle para mostrar que o Facebook estava espalhando informações falsas, afirmaram duas pessoas envolvidas nas discussões.

Para os pesquisadores que dependiam da CrowdTangle, isso foi um golpe e tanto. Cameron Hickey, que pesquisa sobre a disseminação de informações falsas para a National Conference on Citizenship, uma organização sem fins lucrativos com foco no engajamento cívico, disse que estava “particularmente irritado” porque sentiu que a equipe CrowdTangle estava sendo punida por proporcionar uma visão sem filtros do engajamento no Facebook.

Schultz argumentou que o Facebook deveria publicar suas próprias informações a respeito dos conteúdos mais populares do site, em vez de fornecer acesso a ferramentas como a CrowdTangle, disseram duas pessoas. Por isso, em junho, a empresa elaborou um relatório com as postagens mais visualizadas no Facebook nos primeiros três meses de 2021.

No entanto, o Facebook não divulgou o relatório. Depois que a tática da equipe de comunicações descobriu que o link com mais visualizações no período era o de uma notícia com uma manchete que sugeria que um médico tinha morrido depois de ser vacinado contra a covid-19, temeu-se que a empresa fosse criticada por contribuir para o receio em relação à vacina, de acordo com e-mails internos analisados pelo New York Times.

Um dia antes da data que o relatório estava previsto para ser publicado, Schultz estava entre o grupo de pessoas que votou pelo arquivamento do documento, segundo os e-mails. Mais tarde, ele postou uma mensagem interna sobre seu papel no Facebook, que foi verificada pelo The Times, dizendo: “Eu realmente me importo em proteger a reputação da empresa, mas também me importo profundamente com o rigor e a transparência”.

O Facebook também está trabalhando para acabar com os vazamentos de informações por meio dos funcionários. Em julho, a equipe de comunicação encerrou os comentários em um fórum interno que era usado para anúncios em toda a empresa. “Nosso único pedido: por favor, não vazem informações”, era possível se ler em uma postagem em relação à mudança.

Ao mesmo tempo, o Facebook intensificou seu marketing. Durante a Olimpíada de Tóquio, a empresa pagou por anúncios na televisão com o slogan “We change the game when we find each other” (Mudamos o jogo quando encontramos uns aos outros, em tradução livre), para promover como o site favoreceu a formação de comunidades. No primeiro semestre deste ano, o Facebook gastou a quantia recorde de US$ 6,1 bilhões em marketing e vendas, um aumento de mais de 8% em relação a 2020, de acordo com um relatório de lucros recente.

Semanas depois, a empresa reduziu ainda mais a possibilidade de os pesquisadores conduzirem pesquisas sobre o site ao desativar as contas deles no Facebook e as páginas de um grupo de pesquisadores da Universidade Nova York (NYU). Os pesquisadores tinham criado um recurso para navegadores da web que permitia a eles ver a atividade dos usuários no Facebook; o uso da ferramenta foi consentido por 16 mil pessoas. Os dados resultantes levaram a estudos que mostram que anúncios políticos com informações falsas se proliferaram no Facebook durante as eleições de 2020 e que os usuários se engajaram mais com as informações falsas de direita do que com muitos outros tipos de conteúdo.

Em uma postagem em seu blog, o Facebook disse que os pesquisadores da NYU haviam violado as regras de coleta de dados de usuários, citando um acordo de privacidade firmado originalmente com a Comissão Federal de Comércio dos EUA (FTC, na sigla em inglês) em 2012. A FTC depois repreendeu o Facebook por ter usado o acordo como desculpa, dizendo que ele permitia pesquisas de boa-fé para o interesse público.

Laura Edelson, pesquisadora-chefe do grupo da NYU, disse que o Facebook interrompeu o trabalho devido à atenção negativa que ele trazia. “Algumas pessoas no Facebook olham o efeito desses esforços de transparência e tudo o que veem é publicidade negativa”, disse ela.

O incidente foi agravado neste mês, quando o Facebook disse aos pesquisadores de informações falsas que havia fornecido por engano dados incompletos sobre as interações e o engajamento de usuários durante dois anos para a pesquisa deles.

“É inconcebível que a maior parte da vida moderna, tal como existe no Facebook, não seja possível de ser analisada por pesquisadores”, disse Nathaniel Persily, professor de direito da Universidade Stanford, que está trabalhando em uma legislação federal para obrigar a empresa a compartilhar dados com pesquisadores.

Em agosto, depois de Zuckerberg aprovar o Project Amplify, a empresa testou a mudança em três cidades americanas, segundo duas pessoas a par da iniciativa. Embora a empresa já tenha usado o feed de notícias para divulgar seus próprios produtos e causas sociais, ela não havia recorrido a ele para promover abertamente uma imagem positiva sobre si mesma, disseram.

Assim que os testes começaram, o Facebook usou um sistema conhecido como Quick Promotes para que as histórias sobre pessoas e organizações que usaram a rede social aparecessem nos feeds de notícias dos usuários, afirmaram as fontes. Em resumo, as pessoas dão de cara com postagens que apresentam um logo do Facebook que as leva para artigos e sites publicados pela empresa e por sites de notícias locais de terceiros. Uma dessas publicações falava das “Mais recentes inovações do Facebook para 2021” e discutia como a empresa estava usando “Cem por cento de energia renovável para nossas operações globais”.

“Este é um teste para artigos de informações claramente sinalizados como de autoria do Facebook”, disse Osborne, acrescentando que o Project Amplify era “semelhante a iniciativas de responsabilidade corporativa que as pessoas veem em outras tecnologias e produtos de consumo”.

A oposição do Facebook às revelações desfavoráveis também não foi amenizada, mesmo sem Zuckerberg. No sábado, 25, Nick Clegg, vice-presidente da empresa para assuntos globais, escreveu uma postagem no blog do Facebook denunciando a premissa da investigação do Wall Steet Journal. Ele disse que a ideia de que os executivos do Facebook tinham ignorado repetidamente os avisos sobre problemas era “completamente falsa”.

“Essas matérias contêm alegações deliberadas do que estamos tentando fazer”, disse Clegg. Ele não detalhou quais eram as alegações.

Tradução de Romina Cácia/Estadão Conteúdo

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