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Economia

Persistência da inflação de serviços mantém cautela do BC com juros

A trajetória desafiadora da inflação de serviços – acumulada nos 12 meses até setembro em 8,5% – está por trás da cautela do Banco Central

FolhaPress

19/10/2022 12h40

Foto: Antonio Cruz/Agência Brasil

NATHALIA GARCIA
BRASÍLIA, DF

A trajetória desafiadora da inflação de serviços – acumulada nos 12 meses até setembro em 8,5%, acima do avanço de 7,17% do IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo)- está por trás da cautela do Banco Central sobre os juros.

Desde que interrompeu o ciclo de aperto monetário (alta de juros) com a manutenção da taxa básica (Selic) a 13,75% ao ano, o BC tem enfatizado a mensagem de que se manterá vigilante.

Para economistas ouvidos pela Folha de S.Paulo, há um cenário de desconforto para a autoridade monetária com a resistência dos preços nessa categoria. Ainda assim, os analistas veem os primeiros sinais de alívio no setor e estimam perda de fôlego no próximo ano.

Considerando apenas o resultado mensal, a inflação de serviços acelerou 0,4% em setembro, ante 0,28% em agosto. O que mais contribuiu para esse dado foi o aumento de 8,22% nos preços das passagens aéreas.

Destaque também para serviços ligados ao turismo, como hospedagem (2,88%) e pacote turístico (2,3%). Outro segmento que influenciou o resultado foi a elevação de 6,14% nas tarifas de transporte por aplicativo.

A alta do grupo despesas pessoais (0,95%) foi puxada pelo aumento dos serviços bancários (1,56%). Mas serviços ligados à área da estética -como manicure (1,03%), cabeleireiro e barbeiro (0,97%) e depilação (1,31%)- também pressionaram os preços em setembro.

No caso dos serviços subjacentes, o balanço geral foi de desaceleração, passando de 0,73% em agosto para 0,61% em setembro.

Entre os serviços com queda nos preços de agosto para setembro, destacam-se acesso à internet (-10,55%); combo de telefonia, internet e TV por assinatura (-2,70%); e aluguel de veículo (-2,02%).

A demanda por serviços veio ganhando força com a redução nas restrições de circulação de pessoas durante a pandemia de Covid-19 à medida que as condições sanitárias melhoraram.

“A pandemia acabou gerando uma mudança no mix de preferências. Quando estavam fechadas em casa, as pessoas apostaram na compra de bens duráveis -eletrodomésticos, por exemplo- ou em construção civil”, disse Fábio Romão, economista da LCA Consultores. “Existe uma clara preferência hoje por serviços, o que acaba chancelando alguns reajustes”.

Segundo o especialista, a demanda reprimida é financiada, em parte, pela poupança forçada do estrato da população mais abastada no período da pandemia.

Tatiana Nogueira, economista da XP Investimentos, ressalta que os custos de serviços ficaram defasados durante a pandemia, o que explica a aceleração recente nos preços de alguns itens. “Os donos de estabelecimentos preferiram deixar os preços ainda baixos para não perderem o mínimo de demanda que ainda tinham”, lembra.

Ela também destaca que, além da reabertura da economia, o setor de serviços tem se beneficiado da melhora no mercado de trabalho -a taxa de desemprego no Brasil recuou para 8,9% no trimestre até agosto- e da recomposição gradual da renda das famílias.

Para Nogueira, a inflação de serviços continuará pressionada por um período mais longo, enquanto os preços de bens industrializados já mostram uma desaceleração mais clara. “A gente vê um cenário de desconforto para o BC”, disse. “Grande parte da cautela do BC reside justamente nessa trajetória ainda desafiadora do grupo de serviços”, acrescentou.

No relatório trimestral de inflação, divulgado em setembro, o BC destacou que a inflação de serviços permanecia resistente, em meio a resultados “surpreendentemente positivos” da atividade econômica e do mercado de trabalho.

Considerando o trimestre encerrado em agosto, a autoridade monetária observou que a inflação de serviços era a única que não tinha arrefecido no período, embora reconheça que os cortes de impostos tenham impulsionado o recuo de preços de combustíveis e energia elétrica.

“A inflação subjacente de serviços se mostrou mais pressionada, refletindo robustez da demanda por serviços, repasse da inflação passada e alta dos salários”, disse.

“Também se destaca a aceleração dos preços de serviços intensivos em trabalho, particularmente [no item] empregado doméstico. Os serviços de telecomunicação – que foram objeto de cortes de impostos – até o momento tiveram recuo de preços aquém do antecipado”, continuou.

O diretor de política econômica do BC, Diogo Guillen, comentou na apresentação do relatório que os serviços seguiam resilientes e destacou o caráter inercial dessa categoria de preços, que demora mais tempo a dissipar choques inflacionários.

Apesar do patamar elevado no acumulado em 12 meses, Rafaela Vitória, economista-chefe do Inter, viu a inflação de serviços como uma boa notícia na leitura do indicador de setembro.

“A inflação de serviços vem perdendo força com a normatização da demanda no setor. Não só o efeito da demanda reprimida no primeiro semestre está se dissipando, mas a oferta de serviços vem crescendo”, disse.

Ela lembra que o segmento costuma ser mais resistente e reage à política monetária de maneira defasada. Para Vitória, a inflação de serviços deve seguir em queda, ainda que mais lenta em relação aos demais grupos, e o Copom [Comitê de Política Monetária] acertou na decisão de encerrar o ciclo de alta de juros em setembro.

No comunicado da última reunião, o comitê enfatizou que avaliaria se a estratégia de manutenção da Selic por período “suficientemente prolongado” seria capaz de assegurar a convergência da inflação.

No fim de setembro, o presidente do BC, Roberto Campos Neto, disse que ainda é cedo para a autoridade monetária pensar em queda de juros e que um corte inicial da Selic em junho de 2023 é compatível com o objetivo de levar a inflação para ao redor da meta.

“Existem riscos para as projeções, a gente está vigilante. Dependendo do risco, a gente pode inclusive voltar a subir juros”, ressaltou Campos Neto.

Romão, da LCA, estima que a inflação de serviços terá fôlego mais curto em comparação com o movimento observado entre 2011 e 2014. Isso porque, segundo o economista, ela depende agora de questões comportamentais de curto prazo e com financiamento limitado.

“Para o ano que vem, tenho motivos para acreditar que a inflação de serviços perde força”, disse. “Até porque a gente vai passar parte relevante deste ano e do ano que vem com uma taxa de juros de dois dígitos, o que evidentemente acaba tirando força da atividade econômica e mitigando a evolução da inflação”.

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