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Economia

Artigo: Por que o aumento do ICMS paulista afeta todo o Brasil?

A reação em cadeia é uma grave consequência do reajuste, tendo em vista que SP é um grande fornecedor brasileiro de serviços e insumos médicos

Redação Jornal de Brasília

02/02/2021 14h31

Por Franco Pallamolla*

A decisão de aumentar o ICMS de 0% para até 18% do estado de São Paulo terá repercussões em todo Brasil. A reação em cadeia é uma grave consequência do reajuste, tendo em vista que São Paulo é um grande fornecedor brasileiro de serviços e insumos médicos.

Além disso, a medida também afetará o bolso de todos os brasileiros, já que os estados terão de pagar mais para “ajudar” no aumento da arrecadação paulista. Para dar um exemplo prático, os itens de saúde e cuidados pessoais pesam bastante sobre o IPCA-Geral (13,2% da inflação nacional que adveio, em 2020, deste item). Porém, como a cesta de consumo das famílias difere nas distintas regiões brasileiras, enquanto em São Paulo o peso da saúde e cuidados pessoais é de 13% no orçamento familiar, em Salvador, por exemplo, esse mesmo item chega a ter 15,25% de peso na inflação. A região Nordeste será uma das mais impactadas pelo aumento da carga tributária paulista, para todos aqueles que usam equipamentos privados, seja numa clínica médica, seja num tratamento dentário.

Estudos da ABIMO (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos) e de outras entidades mostram também que o aumento do ICMS elevará o custo dos planos de saúde, pressionando ainda mais os reajustes anuais.

Entendemos o desafio de manter o orçamento estadual equilibrado diante da queda de arrecadação resultante da desaceleração da economia por causa do coronavírus. Somos favoráveis e acreditamos no equilíbrio fiscal do setor público. Contudo, por estarmos atravessando uma crise sanitária sem precedentes para a saúde no Brasil e no mundo, temos a convicção de que este não é o momento oportuno para exigir sacrifício adicional do setor de saúde.

Em momentos de crise, se espera dos grandes líderes sabedoria e coragem para tomar decisões que visem o bem-estar da população em geral. Por isso, causa surpresa a decisão do governo de São Paulo de manter, mesmo diante do agravamento da pandemia do coronavírus, a decisão de aumentar o ICMS de uma série de dispositivos médicos e dividir, também com todo o setor hospitalar – público e privado -, a responsabilidade de arcar com o déficit fiscal do Estado de São Paulo.

A medida aprovada no fim do ano passado pela Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo, e que entrou em vigor em janeiro, impacta diretamente na conta dos hospitais, principalmente nos privados, mas também nos públicos, ainda fortemente pressionados por todo o desequilíbrio causado pela pandemia. Isto porque produtos necessários para a realização de implantes ortopédicos, para a colocação de marca-passos, stents e procedimentos como a hemodiálise, entre outros, deixaram de ter isenção do pagamento do ICMS. Convém recordar que tal isenção, prevista no Convênio CONFAZ 01/1999, foi construída pelo então ministro da Saúde da época (1999), o hoje Senador, José Serra.

O término da isenção significará, sim, aumento de custo. O imposto será, sim, repassado aos preços de venda destes dispositivos médicos. Os valores dos ressarcimentos pelo uso destes produtos são definidos na tabela OPME (Órtese, Prótese e Materiais Especiais) de responsabilidade do Ministério da Saúde. O setor privado, balizado pela Agência Nacional Saúde Suplementar (ANS), também utiliza essa tabela como referência. O tênue equilíbrio que existe entre os preços destes dispositivos e os respectivos valores ressarcidos aos hospitais privados será rompido, ocasionando uma pressão adicional sobre os hospitais ou sobre os pacientes para ressarcirem eventuais diferenças. Possível prever-se pressão sobre o Ministério da Saúde e sobre a Agência Nacional de Saúde Suplementar para reajustarem suas tabelas de ressarcimento. No limite, teremos uma nova frente da judicialização da saúde na qual pacientes questionarão de quem é a responsabilidade pelo pagamento de eventuais diferenças de valores envolvidos no necessário uso destes dispositivos.

Pelo lado da indústria, trabalhamos mais, melhor e como nunca para suprir a demanda de respiradores, EPIs e uma centena de outros produtos essenciais ao enfrentamento da pandemia. Nossas fábricas de seringas estão trabalhando em ritmo frenético para assegurar a totalidade desses dispositivos imprescindíveis à vacinação da população. Em outra frente, o setor hospitalar se uniu em torno do SUS, dando demonstrações inequívocas de sua capacidade. Desnecessário trazer exemplos do esforço hercúleo dedicado pelos hospitais no enfrentamento dessa tragédia do Covid-19.

Essa medida do governo do estado de São Paulo, se mantida, tem potencial para desorganizar o fornecimento de importantes e vitais dispositivos médicos; em um primeiro momento atingirá o setor hospitalar privado e, em seguida, também o setor público.
Defendemos que o fórum ideal para a discussão de aumento de tributos deve se dar dentro do Congresso, no contexto da PEC da Reforma Tributária que deve ser votada ao longo deste ano, e não como medida excepcional e isolada de um único estado em meio a tão grave crise sanitária.

O governador João Dória vem demonstrando qualidades de estadista. Apoiamos e aplaudimos os seus esforços para não apenas fazer o melhor por São Paulo, mas por todo o País. E, exatamente pela sua postura, esperamos que ele possa reconhecer o equívoco da decisão tomada pelo governo paulista.

Queremos acreditar que o governador terá a sensibilidade de entender que, em meio ao agravamento da pandemia, o setor de saúde e, em especial, o setor hospitalar, deve ser tratado com a excepcionalidade que o atual cenário pede. Pelo bem de todos os brasileiros.

* Franco Pallamolla é presidente da Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos e Odontológicos (ABIMO).

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